A coisa mais útil que a mente pode fazer é desaparecer: David Godman traduz Sri Ramana Maharshi

Quantos problemas nossa mente pode criar? E como, afinal, ela pode nos ajudar — ou como podemos usá-la — para buscar a verdade da existência e sair da confusão que aparentemente nos toma na vida?

Segundo o célebre sábio indiano Sri Ramana Maharshi (1879-1950), nas palavras de um de seus principais tradutores, o inglês David Godman (“Be As Your Are” e “Nothing Ever Happened”), “a mente não é um veículo para os ensinamentos, e sim o obstáculo”. Ou seja, nenhuma dúvida a respeito do que ela pode e não pode fazer. Neste trecho traduzido pelo blog e reproduzido abaixo, Godman fala dos ensinamentos a respeito da mente como dados por Sri Ramana, com quem não chegou a conviver (pois nasceu 3 anos depois da morte dele) mas cujo ashram foi bibliotecário durante 7 anos. Em outra parte deste mesmo trecho ele dá uma sentença para o papel da mente no caminho do auto-conhecimento, segundo os ensinamentos de Ramana: “A única coisa útil e produtiva que a mente pode fazer é desaparecer“.

Desaparecer, em tradução aproximada, seria se recolher ao silêncio profundo e soltar a idéia de controle, deixando o Ser brilhar. O Yoga, e o Maha Yoga proposto por Sri Ramana, é uma forma de levar a mente a esse silêncio estável, ao samadhi que abre as portas para o Ser. Como diria Sri Nisargadata Maharaj, outro venerado indiano do Yoga, “não é o que você faz que importa, mas o que você deixa de fazer“.

Segue o trecho abaixo.

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Se você usa a frase “praticar os ensinamentos”, a seguinte sequência é assumida: que Sri Ramana (Maharshi) fala de algum objetivo que deve ser alcançado, que ele lhe dá alguma rota, alguma prática, para chegar a esse objetivo, e que você então usa sua mente para se mover vigorosamente em direção a esse objetivo.

David Godman.

A mente quer estar no controle desta operação. Quer ouvir o Guru, entender o que lhe é pedido e então usar a si mesma para se mover na direção prescrita.

Tudo isso está errado. A mente não é o veículo que se usa para executar os ensinamentos; ao contrário, ela é o obstáculo que previne a pessoa de diretamente experimentá-los. A única coisa útil e produtiva que a mente pode fazer é desaparecer.

O próprio Sri Ramana sempre disse que seus ensinamentos verdadeiros foram dados em silêncio. Aqueles que estavam receptivos foram os que conseguiram sair do caminho mentalmente, permitindo que as emanações silenciosas de Sri Ramana operasse neles.

No bendito verso do seu poema filosófico Ulladu Narpadu, Sri Ramana escreveu, e eu cito um pedaço:

“Quem pode meditar naquilo que é só o que existe? Não se pode meditar nisso porque isso não está aparte daquilo. Só se pode sê-lo.”

Essa é a essência dos ensinamentos de Sri Ramana.

“Seja o que você é e permaneça como você é sem ter pensamentos. Não tente meditar no Ser, em Deus. Apenas permaneça silenciosamente na fonte da mente e você experimentará que você é Deus, que você é o Ser”.

— David Godman

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Foto: Nascer do sol no Monte Arunachala, em Tiruvanamalai, Índia, por David Godman (Facebook).

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5 Comments

  1. Excelente manifesto da não-dualidade. Afinal, se a realidade última é não-dual, se só existe a unidade, então só a experimentamos verdadeiramente quando não há consciência de um agente separado da ação ou de um sujeito separado do objeto. A mesma verdade atravessa todas as páginas do Tao Te King de Lao Tse. E também se encontra nesta declaração de Dogen, o mestre Zen:
    “Estudar a via do Buda é estudar a si mesmo; estudar a si mesmo é esquecer-se de si mesmo; esquecer-se de si mesmo é ser uno com tudo o que existe.”
    Creio que a mesma intuição se encontra por trás deste verso de Fernando Pessoa:
    “Não sei o que é conhecer-me. Não vejo para dentro. Não acredito que eu exista por detrás de mim.”
    Obrigado! Uma saudação com as minhas mãos juntas. _/|\_

  2. says: Angela Paes

    …É, quando você coloca pelo menos os seus pés no caminho, não sente motivo algum nem para responder aos textos maravilhosos que nos e dado por esse blog. A sensação é que, cada movimento de motivação rumo aos conceitos que nos são dados aqui, cada palavra que proferimos ao escrever, dirige, reforça a alimenta o nosso Ego. Dá para compreender?
    Esta movimentação que surge para o canto do silêncio se torna cada vez mais forte. Realmente. as práticas meditativas, o canto de muitos mantras e até a recitação de Sadanas, vai lentamente arrefecendo nossa vontade de expor nossos pontos de vista. Mas, inversamente, surge uma ação, uma energia constante em auxiliar a situação humana em geral, suas mazelas, necessidades e etc. Assim como condutas compassivas endereçadas ao próximo. Começamos a sair de nossas bolhas!

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