Muitos mestres e sábios, como o próprio Buda, já falaram que de nada adianta ler e saber e conhecer superficialmente se não há realização da verdade por si mesmo. O indiano Shree Baghavan Rajneesh (1931-1990), o Osho, transmite a mesma essência dessa mensagem, mas a seu modo bem particular, nessa resposta a um de seus discípulos que crê já compreender a realidade — quando está apenas concordando intelectualmente. Achar que compreendeu porque leu e concordou é resultado da “ganância“, diz Osho. “O intelecto está pronto para aceitar, mas não porque ele captou a verdade. Ele aceita porque então poderá deixar de lado as dificuldades do caminho”.
A pergunta do discípulo se refere ao Ashtavakra Gita, considerado um livro sagrado por sábios hindus como Ramakrishna e Swami Vivekananda, mas Osho responde fazendo referência a qualquer livro onde se leia algo sobre a Verdade. Falando de preguiça, de pressa e de ganância, Osho explica como a crença e a aceitação cega sabotam os processos de realização (e de práticas que “levam” a ela, como a meditação) e resume tudo numa frase: “A única barreira é a tolice do seu desejo“.
Abaixo, o trecho do texto Uma ferramenta para testar a verdade, do Instituto Osho Brasil, que contém a resposta de Osho na íntegra, em português.
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Querido Osho,
Estudando textos como o Vedanta e o Ashtavakra Gita, eu aprendi que tudo o que vale ser alcançado já está alcançado. Fazer esforço nesse sentido é perder o caminho. Eu aprofundei esta convicção. Então, por que a auto-realização não aconteceu comigo? Por favor mostre-me o caminho.
OSHO:
“Nunca pense que o que você compreende a partir das escrituras é a sua própria compreensão. Nunca pense que o que compreende a partir das palavras torna-se a sua própria experiência.
Ouvindo Ashtavakra, muitas pessoas sentirão, ‘Tudo já está alcançado’. Mas não é alcançado dessa maneira. Qual a conexão entre ouvir Ashtavakra e você alcançar? ‘O que era para acontecer já aconteceu’: mas isto tem que ser a sua própria experiência. O reconhecimento de sua realização, deve ser um reconhecimento seu, ele não pode ser uma conclusão intelectual.
O intelecto rapidamente aceita isto. O que pode ser mais fácil do que ‘O que era para acontecer já aconteceu’? ‘ Bem, agora nossos problemas acabaram-se. Já não há mais necessidade de busca, de meditação, de culto ou prece. O que era para acontecer, já aconteceu’.
O intelecto está pronto para aceitar, mas não porque ele captou a verdade. Ele aceita porque então poderá deixar de lado as dificuldades do caminho, poderá abandonar os esforços de sadhana, assim como a necessidade de continuar meditando. Mas logo você olhará para os lados e perceberá que você não alcançou. Se isto pudesse acontecer meramente através do intelecto, poderiam existir universidades espirituais. Mas nenhuma universidade de estudo espiritual existe. Isto não é alcançado com escrituras; é alcançado pela sua própria sabedoria espontânea e inspirada.
Ouça Ashtavakra, mas não tenha pressa em acreditar. A sua ganância faz você ter pressa. Ela lhe diz, ‘Isto está em suas mãos. Nós já temos o tesouro, assim acabou-se toda preocupação com alcançar. Agora não há mais aonde ir nem há mais o que fazer.’
Você sempre quis alcançar sem esforço. Mas lembre-se que o desejo de alcançar ainda está escondido por trás de tudo isto: alcançar sem fazer! Antes você pensava em se esforçar para alcançar; agora você pensa em alcançar sem esforço. Mas o desejo de alcançar continua aí. É por isto que surge a pergunta, ‘Por que a auto-realização ainda não aconteceu?’
Quem já compreendeu, dirá, ‘Mande essa questão de auto-realização para o inferno! O que eu vou fazer com ela?’ Se você tivesse compreendido Ashtavakra, nenhuma outra pergunta poderia surgir. A afirmação de que ‘A auto-realização ainda não aconteceu’ indica que enquanto está aceitando o que Ashtavakra diz, você está observando com o canto dos olhos: já foi alcançado ou não? Seus olhos estão focados no alcançar.
As pessoas vêm a mim e eu lhes digo, ‘A meditação não consegue se aprofundar enquanto você continuar desejando. Enquanto você tem expectativa de alcançar algo, seja a felicidade, Deus ou a alma, a meditação não irá se aprofundar, porque pensar em alcançar é ganância, é ambição, é política. Ainda não é religião.’ Eles dizem, ‘Tudo bem, nós vamos meditar sem qualquer expectativa, mas nós alcançaremos, certo?’
Não há diferença alguma. Eles estão prontos para parar de desejar só porque ‘Você disse que esta é a maneira para se alcançar, assim nós não vamos pensar nisto; mas, ainda assim, nós vamos alcançar, certo?’
Você não é capaz de livrar-se da ganância. Ouvindo Ashtavakra, muitas pessoas irão aceitar rapidamente que o que era para acontecer já aconteceu. Se pudesse acontecer tão rapidamente… E não é que existam muitas barreiras para que aconteça. A única barreira é a tolice de seu desejo. O acontecimento está tão próximo!
Ashtavakra está certo, o que era para acontecer já aconteceu. Mas somente quando todos os desejos por alcançar desaparecerem, então esse ‘O que era para acontecer já aconteceu’ será compreendido. Então você saberá com toda a sua totalidade que já alcançou. Mas por ora, isto é apenas um jogo intelectual. ‘Se um grande mestre como Ashtavakra disse isto, então deve estar certo.’ Você está apressado em acreditar. A sua crença é impotente. Sem duvidar, você aceitou rapidamente. Neste país, desapareceu o hábito de duvidar de qualquer coisa registrada nas escrituras. Se algo está nas escrituras, deve estar certo. (…)
Quando alguma coisa é publicada, e se for em escrituras… É muito errado acreditar em palavras escritas. Quando você conta algo a uma pessoa ela lhe pergunta onde aquilo foi publicado. Se você disser onde, ela acreditará no que você disse. É como se o escrever tivesse algum poder. Diga o quanto aquilo é antigo e as pessoas aceitarão. Como se a verdade fosse relacionada com o tempo. Quem disse isso? Ashtavakra? Buda? Mahavira? Então deve estar certo.
De sua parte, você não fez qualquer esforço para se despertar, nem um pouquinho. Alguém disse e você aceitou. E é muito conveniente: você alcança sem fazer coisa alguma!
Os seguidores de Krishnamurti têm ouvido por quarenta anos. E são exatamente as mesmas pessoas. Eles nada têm alcançado. De vez em quando um deles vem a mim e diz, ‘Eu sei que tudo já está alcançado, mas por que ainda não aconteceu? Eu ouço Krishnamurti e por isso eu já entendi que tudo o que é para se alcançar já foi alcançado.’
Estas pessoas são gananciosas. Elas esperam obter tudo de graça, em vez de ter que fazer algum esforço. Elas não ouviram Krishnamurti nem entenderam Ashtavakra. Elas ouviram sua própria ganância. Elas ouviram através de sua ganância e interpretaram da maneira delas.
Um amigo perguntou, ‘Fazer meditações agora parece ser irrelevante. Cinco meditações por dia, enquanto acontece esta sua série de palestras sobre Ashtavakra… Isso parece estúpido.’
É tão fácil deixar a meditação de lado, e tão difícil fazê-la. O que Ashtavakra alcançou não foi alcançado através do fazer. Mas também, através do não fazer coisa alguma, ele não alcançou.
Tente entender isto. É uma questão sutil.
Eu contei para vocês que Buda alcançou quando ele deixou de lado todo o seu fazer. Mas primeiro ele fez tudo. Por seis anos de esforços incansáveis, ele deu tudo de si. Dando tudo, ele experienciou que nada poderia ser alcançado através do fazer. Não foi através da leitura de Ashtavakra, embora o Ashtavakra Gita já estivesse disponível no tempo de Buda. Ele poderia tê-lo estudado, não haveria necessidade daqueles seis anos de esforços. Ele perseverou por seis anos e no meio daquele esforço ele descobriu que não se alcança através do esforço. Ele não deixou uma pedra sequer sem ser revirada, provando a si mesmo que não conseguiria alcançar pelo esforço. Nenhum desejo restou dentro dele. Ele fez tudo e viu que não alcançou. O seu esforçou tornou-se muito cristalizado e nesta cristalização, o fazer foi abandonado. Então aconteceu.
Eu lhes digo que o estado de não fazer chegará quando vocês tiverem feito tudo. Não tenham pressa, caso contrário irão perder o que já fizeram com um pouco de meditação, com um pouco de prece. Ashtavakra vai permanecer lá longe e o pouco de progresso que vocês estiveram fazendo em suas jornadas também irá parar.
Antes de parar, é preciso correr totalmente. Embora não se alcance através do correr, este conhecimento será cristalizado por ele. Um dia o esforço será abandonado, mas não a partir de um mero entendimento intelectual. Quando todas as células, todos os átomos compreenderem que ele é inútil, neste exato momento, acontecerá.
Ashtavakra está certo ao dizer que praticar é uma prisão.
Mas somente aquele que pratica, descobre isto.
(…)”
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Dois outros posts do blog exploram esse mesmo assunto, ambos do autor Adyashanti:
+ Falamos de amor e de sermos todos um, mas continuamos produzindo medo, por Adyashanti [VÍDEO]
+ “O que a busca realmente é pra você?” Adyashanti e a autenticidade para dançar sua própria dança [VÍDEO]
Aprendi e meditei muito!
Bravo!
Sobre Atingir o Estado de Buda
(o Post mexeu comigo – rs)
(…)A vida, em cada momento, engloba tanto o corpo como o espírito, a entidade e o ambiente de todos os seres sensíveis em todas as condições de vida, assim como seres insensíveis – plantas, céus e terras, até as mais minúsculas partículas de pó. A vida, em cada momento, permeia o universo e revela-se em todos os fenômenos. Aquele que entende esta verdade, demonstra a integridade da vida como o mundo fenômenal. Contudo, mesmo que recite e conserve o Myoho-rengue-kyo, se pensa que o estado de Buda existe fora do seu coração, isto já não é mais Lei Mística; é um ensino contrário a ela. Sendo assim, não é mais um ensino do Sutra de Lótus, mas um ensino provisório. Portanto, não é um caminho direto à iluminação.Desde que não é um caminho direto à iluminação, mesmo que pratique por um tempo incalculavelmente longo, não se pode atingir a iluminação. Por esta razão, torna-se muito difícil atingí-la
(…)
A mente, sem dúvida, é uma realidade que transcende tanto as palavras como os conceitos de existência e do nada. Não é nem existência ou inexistência, mas ao mesmo tempo, é dotado de ambas as qualidades (…)
Jamais pense que os 80.000 ensinos de Sakyamuni, assim como todos os Budas e Bodhsattivas do universo, existem fora de sua vida. Mesmo que estude o Budismo, se não perceber a natureza de sua própria vida, não se pode afastar do sofrimento da vida e da morte. Se procura o caminho fora de si mesmo e tenta praticar as mais variadas formas de exercício e de bondade, isto é igual a um pobre que calcula dia e noite a fortuna do seu vizinho e não obtém um tostão sequer para si. Tien-tai, portanto, afirma: “Se não percebe a natureza da sua própria vida, seus pecados passados não podem ser extingüidos”. Isto quer dizer que, se não perceber a natureza da sua própria vida, mesmo que pratique o Budismo de nada adiantará; será apenas uma prática inteiramente inútil. (…)
Este Gosho foi escrito em 1255, em Kamakura, quando Nitiren Daishonin contava com 34 anos de idade e foi endereçado a Toki Jonin.
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Sempre recebi, as palavras do Osho com calorosa receptividade, em meu coração. Mesmo nos últimos quase sete anos, com prática & erudição (e objeto de devoção) diferentes e ter passado a Lei = Chakubuku que recebeu o seu Gokonzon a mais de 3 anos, abraçando o Budismo de tal forma que tornou~se um ativo membro do setor ligado à área de saúde e dirigente de bloco(olha a m/responsabilidade – Bjo), ainda vejo uma profunda ligação de suas palavras com o meu sentir e racionalmente sempre encontro conectividade. Confesso que o fato de ver (sempre) mais similaridades do que diferenças não me constrage e se há ‘levantar de sobracelhas’ – nunca percebi …
Mas, à nível pessoal, deveria dedicar maior reflexão e verificar o “por que” de tanta afinidade:
As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?
Mahatma Gandhi
Grata pelo Post. Boa Sorte, Norma
“Isto é igual a um pobre que calcula dia e noite a fortuna do seu vizinho e não obtém um tostão sequer para si.” <----- muito bom isso. Belíssimo gosho, Norma. Namastê!
Sinceramente acho muito difícil a meditação, porque é preciso que a mente entre numa aparente inércia, quando na realidade está mais do que nunca ativa, em outra dimensão. O esvaziar a mente, é o deslocamento para uma dimensão superior.Penso que o esforço que antecede ao “nada fazer”, é que nos levará gradativamente à iluminação, que surgirá da aparente inércia, da ausência do desejo, que nos aprisiona.
Gosto muito do vosso site recebo sempre a newsletter com muito gosto, encontro sempre coisas muito interessantes….obrigada pelo vosso esforço para nos dar momentos de maravilhamento…..
Mando-vos um link de uma leitura interessante do canta-autor Facundo Cabral embora em castellano…
http://www.youtube.com/watch?v=MqIuDyzM70g&feature=related
beijos
Ah! Isabel que linda lembrança!
(Gosto do seu timbre de voz, tb).
Como seguidora do Blog, sinto a mesma gratidão. Como diria F.Cabral: “Me encanta!” Grata a ti. Bjo Norma
(…)
“De repente, irrompe como que um lampejo de algo mais profundo e inexplicável. É o espírito que se anuncia. As pessoas podem conscientemente se fazer abertas para o profundo e para o espiritual. Então se tornam mais centradas, serenas e irradiadoras de paz. Propagam estranha vitalidade e entusiasmo porque têm Deus dentro de si. Este Deus interior é amor, o qual nas palavras de Dante, no final de cada livro da Divina comédia, “move os céus e as estrelas”, — e nós acrescentamos: e nossos próprios corações.
Esta profundidade espiritual, dizem pesquisas científicas, tem uma base biológica. (…)
A espiritualidade nos ajuda a sair desta cultura doentia e agonizante. A integração da inteligência espiritual com as outras formas de inteligência — intelectual e emocional — nos abre para uma comunhão amorosa com todas as coisas e para uma atitude de respeito e de reverência face a todos os seres, muito mais ancestrais do que nós. Só assim, poderemos nos reintegrar no Todo, sentirmo-nos parte da comunidade de vida e acolhidos como companheiros na grande aventura cósmica e planetária.”
http://leonardoboff.wordpress.com/2012/09/03/a-base-biologica-da-espiritualidade/
Boa Sorte!
:-)
A não ser que você tenha corrido atrás de seus desejos, a não ser que você tenha visto a inutilidade de correr atrás deles, tropeçar, cair e se machucar, você não será capaz de compreender. Somente através da experiência de desejar, o desejo se torna inútil. Esgote-o e ele cairá quebrado; e neste momento de ausência de desejos você compreenderá que aquilo que você tem procurado já aconteceu.
Escrevo apenas para sugerir a correção do erro de digitação no título, “Osho e as expecativas”.
Muito obrigado, Rubens! Agradeço a gentileza.