5 razões que nos impedem de descobrir verdadeiro sentido na vida, segundo Shelley Prevost

“A mais profunda forma de desespero é escolher ser outro que não si mesmo.”
~ Soren Kierkegaard (1813-1855)

O significado de propósito e sentido de vida aqui está nos moldes dessa afirmação do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard mas também lembra, talvez ainda mais, a máxima do clássico indiano Bhagavad Gita (cap III, v.35), que diz que “Mais vale cumprir o próprio dharma, ainda que de forma imperfeita, do que cumprir de maneira perfeita o dever de outrem”. A psicóloga Shelley Prevost, terapeuta do Lamp Post Group, listou cinco razões pelas quais “nos perdemos” no caminho e entramos nessa crise de não enxergar mais sentido ou propósito, num post publicado na revista Inc intitulado “5 Razões Pelas Quais A Maioria das Pessoas Nunca Descobre Seu Propósito” (5 Reasons Why Most People Never Discover Their Purpose, 29/08/2013).

A maior parte do texto está traduzido abaixo, com observações, comentários e links a respeito de cada item. Não é intenção apresentar a lista da Shelley como “a” lista de razões para isto ou aquilo, mas é uma visão interessante que pode adicionar aos passos do nosso (verdadeiro) caminho. Segundo o sábio indiano Sri Ramana Maharshi, o que nos faz encontrarmos nosso próprio caminho e sentido é apenas uma coisa: investigarmos profunda e verdadeiramente quem somos.

Eis a lista.

1. Você vive de fora pra dentro e não de dentro pra fora. 

Esse é o primeiro e o principal de todos eles. Os outros praticamente decorrem desse. Aqui está o conceito de Matrix, do filme de 1999. “Quem olha pra fora, sonha; quem olha pra dentro, acorda”, já disse Carl G. Jung.

Diz a Shelley Prevost no seu artigo:

“Desde a infância as pessoas são ensinadas a procurar outras pessoas para se guiarem. As normas sociais são uma parte importante da infância – você imagina como deve agir em relação aos outros — mas o problema começa quando você estende esse processo e inclui algo tão pessoal quanto o propósito da sua vida. Algumas pessoas tem nossa confiança e a capacidade de nos ajudar a encontrar nosso real propósito único. Se você é uma dessas pessoas que tem essas companhias, você tem sorte! Mas a maioria das pessoas, mesmo as bem intencionadas, escolhem nos colocar dentro de compartimentos que fazem mais sentido pra elas. Para ganhar a aprovação delas, você se dispõe a entrar dentro do compartimento. Para manter a aprovação delas, você aprende a negar seguidamente quem você é. Em situações demais você vive num roteiro de outra pessoa”. (Shelley Prevost)

2. Você procura uma carreira antes de ouvir seu chamado.

Esse na verdade é uma consequência do primeiro. No caso do propósito de vida, essa é a pior (consequência). Isso já foi muito bem tratado num vídeo do psiquiatra chileno Claudio Naranjo, onde ele diz que “É normal não encontrar sentido na vida quando se está muito condicionado pelo mundo” (22/09/2011). Já com 15, 16 ou 17 anos você já está sofrendo toda a pressão dos pais, amigos e da sociedade inteira por uma carreira definida e que, de preferência, dê um longo e financeiramente estável futuro.

Como diz o filósofo zen-budista Alan Watts (1915-1973) em um outro vídeo, “E se o dinheiro não fosse a finalidade?” (17/01/2013).

Diz a Shelley no artigo dela:

“Nossa sociedade reduziu o sucesso a uma lista de itens a serem preenchidos: formar-se no colégio, conseguir um(a) companheiro(a), ter filhos, sossegar num caminho profissional bem definido e ficar ali até que os cheques da aposentadoria comecem a chegar. Esse caminho bem costurado coloca as pessoas na direção do conformismo, não do propósito. Estamos tão ocupados evitando medos auto-impostos de não sermos suficientemente (preencha aqui alguma qualidade) – espertos o suficiente, criativos o suficiente, bonitos o suficiente – que raramente paramos e nos perguntamos “Estou feliz e satisfeito? E se não, o que eu deveria mudar?”

Encontrar seu propósito tem a ver com ouvir essa vontade interior. No livro “Deixe Sua Vida Falar” (Let Your Life Speak), Parker Palmer diz que deveríamos deixar nossa vida falar a nós, e não dizer à vida o que vamos fazer com ela. Um chamado é apaixonado e compulsivo. Começa com uma curiosidade (“Eu gostaria de tentar isso”) e então se transforma num mandato que você simplesmente não pode mudar. Um chamado não é um caminho fácil, e é por isso que a maioria de nós nunca o conhece. Tememos o esforço, a idiotice, o risco e o desconhecido. Então escolhemos uma carreira porque preenche os itens que fomos convencidos a preencher.” (Shelley Prevost)

3. Você odeia o silêncio.

Bom, não conheço muitas pessoas que realmente odeiam o silêncio, mas conheço muitas que “não suportam”. A justificativa geralmente é que o silêncio ou é angustiante ou uma perda de tempo. Aqui não há muita discussão, pois apenas no silêncio de si mesmo é que se descobre a essência da vida, e por mais subjetivo e deconhecido que isso possa parecer para um novato no mundo do silêncio, se não houver isso, não há muito o que fazer a respeito do aprofundamento em si mesmo. Apesar de algumas pessoas parecerem irem bem em suas carreiras sem silêncio, se você prestar atenção vai perceber que muitas delas cultivam o silêncio e os longos momentos contemplativos pessoais com bastante frequência, à sua maneira. A experiência de estar sentindo seu próprio propósito é calmante e satisfatória, inclui e se deleita no silêncio, enquanto que a experiência (ainda que externamente bem sucedida) de estar fora do seu caminho traz angústia e inquietação, coisa que o silêncio acentua e que, por isso, é rejeitada.

No texto da Shilley:

“Vivemos numa sociedade que não valoriza o silêncio. Valoriza a ação.

Mas viver sem silêncio é perigoso. Sem ele, você acaba acreditando que seu ego – e tudo que ele quer – é seu propósito. Se você imaginar bem esse cenário, sabe que ele não termina bem. Viva uma vida onde o Ego está no comando e você se encontrará o esgotamento – e uma questão esgotante: “Eu tenho uma ótima vida. Porque não estou satisfeito?”. O silêncio abafa o barulho e cria um espaço para a autenticidade aparecer. Em silêncio, você pode se perguntar como sua vida ou seu trabalho realmente está indo e pausar para esperar a resposta. Em silêncio, você dá tempo para que as informações da sua vida convirjam em algumas lições. Geralmente, entretanto, antes que as lições tenham tempo para penetrar você já foi para a próxima distração.” (Shelley Prevost)

4. Você não gosta do lado sombrio de si mesmo.

A não ser que você tenha nascido uma iluminado, o que neste caso não estaria lendo esse blog (rs), as chances de você não gostar ou não ter gostado da sua sombra são de 100%. O trabalho de conhecer e aceitar e crescer com o próprio lado sombrio é geralmente uma consequência do trabalho esmerado e profundo sobre si mesmo, seja em terapia, em meditação, em outras práticas, ou tudo isso junto. Aqui, de novo, aparece nossa cultura que não vê nenhum valor em não rejeitar ou em aceitar algo “ruim”, “negativo”, traços de fraqueza ou maldade ou escuridão. É a sombra, como definiu Carl G Jung.

“A sombra é o lado da sua personalidade que você não quer que os outros vejam. Representa suas deficiências, suas falhas, suas motivações egoístas. A maioria de nós evita isso antes que qualquer um possa ver. Mas há uma coisa: a parte de você que é a mais escura tem a maior quantidade de coisas para lhe ensinar sobre seu propósito. Se descobrir seu propósito é realmente sobre auto-conhecimento, sua escuridão lhe mostra onde você mais precisa crescer. Mais importante ainda, mostra de quem você mais precisa aprender. É das pessoas que você menos gosta que você tem mais a aprender sobre si mesmo. Mas a maioria ignora o lado sombrio. Em vez disso, você busca relacionamentos confortáveis que reforcem as imagens gastas e obsoletas de si mesmo.” (Shelley Prevost)

5. Você ignora a mente inconsciente.

Diz a Shelley:

“No livro “The Social Animal”, David Brooks fala sobre o preconceito de nossa cultura que diz que “a mente consciente escreve a autobiografia da nossa espécie”. Assim como Brooks, acredito que nossa cultura tem um relativo desdém pela mente inconsciente e tudo que ela representa – emoções, intuição, impulsos e sensibilidades. Para descobrir nosso propósito, temos que estar confortáveis com nossa mente não-lógica. Você deve se acostumar em não ter as respostas. Você deve tolerar a ambiguidade e aceitar as lutas. Deve se permitir sentir – profundamente sentir. Planejar intelectualmente seu caminho em direção a uma vida com propósito não funcionará nunca. Mas isso é pedir demais para a maioria das pessoas. Elas vão negar, despistar, ridicularizar ou simplesmente ignorar. E essa é a razão pela qual a maioria de nós viverá sem saber qual o verdadeiro propósito.” (Shelley Prevost)

Parece lógico e sensato que deveríamos ter o controle de tudo (ou da maioria das coisas) e estarmos plenamente conscientes de todos os nossos passos e não sofrermos com fraquezas nem obstáculos. Mas a vida simplesmente não é assim. “Há muito mais coisa entre o céu e a Terra, Horácio, do que imagina vossa vã filosofia”, já dizia Shakespeare. E a mesma coisa vale nosso universo interior. O ser humano é uma manifestação da forças e energias múltiplas, dinâmicas e inteligentes, e reconhecer e viver isso é apenas um dos passos no caminho do auto-conhecimento e do próprio propósito. Não é a toa que várias técnicas terapêuticas levam em conta todo esse compêndio que a vida humana expressa, e é assim que entendem e curam e integram o ser em si mesmo.

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Foto de Bob Farrell (link original) (licença de uso BY-ND Creative Commons)

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33 Comments

  1. says: Tati

    Nossos passos nunca serão de fato nossos, enquanto estivermos dentro de socialização, por esse motivo que estar sozinho , faz Vc se sentir diferente, sentindo angustiado , esquecendo de olha pra si e dar valor sempre ao externo! Uma hora isso passa! Mas não será aqui essa mudança!

  2. says: Hans Cristian Koch

    Um dos melhores e mais esclarecedores textos que li até hoje. Ficará “favoritado” para consultas futuras. Gostei, particularmente, da parte do texto que diz “(…) Estamos tão ocupados evitando medos auto-impostos de não sermos suficientemente (preencha aqui alguma qualidade) – espertos o suficiente, criativos o suficiente, bonitos o suficiente – que raramente paramos e nos perguntamos “Estou feliz e satisfeito? E se não, o que eu deveria mudar?).

    1. Saudações, Hans. Também gosto bastante desse trecho. O pacto de fidelidade com a mentira de “não sermos o suficiente” é uma das nossas piores tragédias, e sem questionar isso há pouca saída.

      Obrigado pelas palavras.
      Um abraço,

  3. says: Juliana Naves

    Nando, descobri seu blog hoje. Você acaba de ganhar (mais) uma fã! Parabéns pelo trabalho realizado mas, principalmente, obrigada! Muita seriedade e inteligência aqui, além de um enorme trabalho de pesquisa. Gratidão!

  4. says: Lucas de Souza Freitas

    Em relação ao que foi escrito a cima, na parte em que fala ” Planejar intelectualmente seu caminho em direção a uma vida com propósito não funcionará nunca. ” O que exatamente você quis dizem com isso ?

    Obrigado.

    1. Ótima pergunta Lucas.

      Na parte anterior a essa frase há várias indicações do que isso significa. Em resumo, é aceitar a parte inconsciente que faz parte de nossa vida, da de cada um. E que pode ser (parcialmente ao menos) acessada e integrada através da intuição, sensibilidades, impulsos, emoções, etc. Muita coisa pode não ter lógica, mas faz todo sentido. Podemos nos inclinar e querer coisas que não parecem razoáveis, que não tem “porque”, mas que mesmo assim queremos, sentimos que é o caminho. É mais ou menos isso. Aceitar que há muita vida além da lógica, do razoável, do porque. E nosso propósito pode passar por isso.

      Abs.

  5. says: Lucas de Souza Freitas

    Mas e se o caminho que eu escolhi, e que estou trilhando, tiver um certo nexo com meus sentimentos de liberdade, com minhas emoções mais profundas.., essa mesma parte do seu artigo ” Planejar intelectualmente seu caminho em direção a uma vida com propósito não funcionará nunca.” Nesse caso, se torna valido ?

    1. Lucas, quem sou eu para dizer que seu caminho é válido? Jamais entregue a avaliação da validade do seu caminho a ninguém, isso é totalmente seu.

      Na hipótese que você criou, seria excelente, não? Todos os caminhos levando à mesma direção.

      — Na dúvida, mas sem medo ou ambição, pergunte-se: “Esse caminho tem coração?” (Carlos Castañeda)
      http://dharmalog.com/2011/06/15/na-duvida-mas-sem-medo-ou-ambicao-pergunte-se-esse-caminho-tem-coracao-carlos-castaneda/

      Um abraço!

  6. says: Israel Porto

    Obrigado Nando. O Dharmalog é uma fonte de muito conhecimento e informações, que nos levam a reflexões e crescimento. Sempre acompanhando suas publicações e agradecendo pelo seu empenho na manutenção deste blog.

  7. says: Luana

    A resposta para o sentido da vida e tudo mais é 42.kkkk Brincadeira. Andando de site em site descobri o seu. Nesse momento eu estou escutando a trilha sonora guardião das galax e procurando o sentido de acordar todos os dias e ter que trabalhar e chegar em casa ssistir o seriado grim e depois dormir. Porque faço isso? Porque sou tão solitária? Porque não tenho Facebook? Nem zap? Porque todos me acham estranha? Porque não consigo entender ironias? A minha vida é assim muitas perguntas e zero resposta.

  8. says: Glauco

    Algumas pesquisas e cheguei a esse excelente blog, primeira publicação que leio e consegui dar um passo para frente em relação a complexidade do que é a vida e do que “eu” sou como individuo,…as vezes me perco em meio á pensamentos que nem sei descrever e me pergunto se isso é bom?

    Grato.

  9. says: Leticia

    Obrigada por essa matéria.
    Quero ser sincera, mas com a finalidade de que possa me ajudar. Estou em um momento muito difícil, estou com depressão, mas de certa forma esse texto me ajudou a pensar em coisas que nunca tinha pensado.
    Obrigada!

  10. says: Rafael

    Eu estava interessado em ler Let your life talks, só que não acho de jeito nenhum este livro traduzido. Você leu ele em inglês mesmo ou ele realmente existe em português? Se existe, você sabe onde?

  11. says: Drielle

    Se fizermos uma escolha que muda o curso de nossas vidas e você sente que a única maneira de lidar com essa má escolha é aceitar e tentar aprender com tudo a sua volta é o correto ha se fazer?

    1. Drielle,

      Em primeiro lugar, é praticamente impossível uma outra pessoa ter uma resposta melhor para sua questão do que você mesma. E é preciso levar em conta que as escolhas de vida envolvem muitas coisas, e dificilmente temos capacidade de ter conhecimento delas numa frase.

      Dito isto, talvez fazer algumas perguntas possa mover as coisas. Não entendi se a escolha já foi feita ou não, parece que não, neste caso, se você a classifica como “má escolha”, porque você a faria? Se ela já aconteceu, e você pode aprender com ela, porque você faria diferente? Ninguém volta no tempo e mesmo o arrependimento é para ser usado no tempo presente. Como dizia Manoel de Barros, “a vida só anda de ida”.

      Um abraço
      e boa escolhas!

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