“Meditação não é o que você tá pensando”: neuroscientista instrui quem tentou meditar e “não conseguiu”

É um trocadilho óbvio mas que ainda não tinha visto: “meditação: não é o que você pensa“. Num artigo com esse título (em inglês, Meditation: It’s Not What You Think) publicado semana passada, a neuroscientista residente do Mind and Life Institute, Wendy Hasenkamp, se confessa triste e frustrada cada vez que uma pessoa vira pra ela e diz: “Ah, meditação, tentei uma vez. Não consegui“. Ela explica que sente “tristeza porque as pessoas experimentaram a meditação por um viés negativo e a associaram com o fracasso, e frustração porque essa associação surge de um equívoco cultural que vem se espalhando”. Pesquisadora de uma organização sem fins lucrativos dedicada ao Budismo e Neurosciência, de Colorado (EUA), e que tem o XIV Dalai Lama como um dos principais colaboradores, Wendy argumenta que as próprias pesquisas mostram que o cérebro não está “engessado depois dos 20 anos” e que aprender meditação se faz como se aprende qualquer coisa, de matemática a levantar peso.

“Se você fizer uma busca rápida por imagens sobre meditação na Internet, você encontrará aquela cena popular: pessoas sentadas com as pernas cruzadas, olhos fechados, aparentemente serenas e livre de pensamentos, algumas até com feixes de luz saindo de suas cabeças. Você só precisa falar com alguém que medita regularmente para saber que essa imagem está longe de ser a realidade da meditação. Especialmente para iniciantes”. (Wendy Hasenkamp)

Essa distinção do início da prática é importante, pois a não ser que você tenha nascido com a vocação para monge e queira mergulhar na prática logo de cara, um início mais versátil e menos rigoroso pode ser vital para começar a meditar. Um dos primeiros métodos que aprendi foi a Meditação Transcendental (MT), de Maharishi Mahesh Yogi, e uma das melhores coisas a respeito dela é essa praticidade que traz: você pode meditar sentado, no chão, numa cadeira (sem cruzar pernas), pode meditar no avião, de dia, de noite, etc. E embora a meta sejam 20 minutos em duas sessões diárias, há um respeito pelo seu ritmo e sua entrada na prática. Se eu tivesse começado com algum método que exigisse mais tempo ou determinada postura, como padmasana (postura do lótus, com os dois pés sobre as coxas), certamente  sentiria frustração (me confundiria com ela) e possivelmente desistiria.

No artigo, Wendy diz que uma das práticas mais comuns ensinadas para iniciantes hoje no Ocidente é a “mindfulness“, que você pode fazer em 10 minutos diários e consiste basicamente em prestar atenção à respiração. Mesmo assim, não traz a serenidade da noite pro dia.

“Por fora, o corpo pode parecer calmo (e mesmo isso pode levar um tempo para ser conquistado), mas por dentro a mente está geralmente confusa numa selva de pensamentos e emoções. Isso é normal. Na verdade, embora a meditação signifique um monte de coisas para várias pessoas, da minha perspectiva, não é sobre conquistar um estado abençoado e “vazio” da mente. A cessação dos pensamentos é possível (ou pelo menos é o que ouço), mas vejo isso mais como um efeito colateral, se e quando ocorrer. Para mim, a meditação é um processo – um processo de investigar a própria mente e mudar o jeito que você se relaciona com seus pensamentos”. (Wendy Hasenkamp)

Apesar de não ser assertiva em relação ao silêncio da mente, é um relato a ser considerado, pois Wendy faz parte de uma instituição que pesquisa a meditação a sério e por diversos ângulos, e é uma das principais diretoras de pesquisa. Em outro trecho, ela define um dos problemas que trazem a confusão para a meditação:

“O que é facilmente confundido é que as instruções para a meditação não são na verdade o objetivo da meditação.” (Wendy Hasenkamp)

Talvez seja possível traçar um paralelo: é como você dizer a alguém que não consegue dançar para prestar atenção na música, para deixar a música ser ouvida plenamente e penetrar no corpo, mas, ainda que a instrução seja valiosa e eficaz, e que a pessoa no fim das contas dance, ela ainda não é a dança. É apenas uma instrução para que a dança aconteça.

“Em outras palavras, enquanto perseguimos a manutenção do foco na respiração, o objetivo é na verdade aprender sobre nossas mentes. Fazemos isso ao configurar as condições para que os pensamentos surjam, e então os observamos sem julgamentos. Assim que compreendemos que os pensamentos irão aparecer, e que são até necessários para o processo ter significado, podemos relaxar e permitir que isso aconteça. Com a prática, começamos a perceber que os pensamentos e as emoções que aparecem naturalmente também se vão naturalmente. Percebemos que nem sempre precisamos fazer alguma coisa, e que eles não são tão “reais” quanto parecem”. (Wendy Hasenkamp)

As pesquisas mostram diversos benefícios praticamente inequívocos da meditação, e Wendy cita alguns como a melhoria da atenção e do desempenho em testes, a redução do estresse e o aumento da imunidade, além do desenvolvimento da estrutura e da performance fisiológica do cérebro (ela cita “densidade da massa cinzenta, aumento da espessura cortical e integridade das conexões”). Mas a busca desses índices pode levar a prática a um caminho menor e meramente funcional, algo como o que o Yoga já sofreu e que pode acabar não desenvolvendo a meditação como prática de auto-conhecimento, de integração e de despertar.

“Apesar das pessoas parecerem pensar que a habilidade de meditar é parte do DNA de alguém – ou você faz ou não consegue – as capacidades cognitivas para a meditação podem ser treinadas. (…) O processo leva tempo e uma boa dose de dedicação e esforço, mas com a prática, você pode desenvolver uma nova maneira de se relacionar com seus pensamentos e emoções. (…) Mas não tome minha palavra como certa. O próprio Buda instruiu seus estudantes a não aceitar nada simplesmente porque uma autoridade disse; ao invés disso, teste e veja se concorda a partir da sua própria experiência. Aposto que se você fizer uma tentativa séria para meditar, você verá – e sentirá – os benefícios por si mesmo”. (Wendy Hasenkamp)

Obs.: Sobre motivação para a meditação, há um post sobre isso: “A meditação está fadada ao fracasso se estiver sendo feita para corrigir um problema”: porque meditar, por Bob Sharples” (20/05/2013).

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14 Comments

  1. says: Andrews Toginho

    Muito bom ponto de vista, a meditacao eh caminho e nao finalidade.

    Saudacoes Juliana, desculpe me intrometor em seu comentario, mas gostaria de lhe dar um ponto para refletir. Voce caracterizou a meditacao como rotina. Tenho meditado nos ultims dias sobre diferenca entre rotina e disciplina. Vou destacar um dos aspectos que tenho investigado.

    Rotina seria como habitos que temos e fazemos de maneira mecanica, ligado no automatico, que as vezes nos chateiam pela repetitividade sem novidades.

    Disciplina seriam habitos para aperfeicoamento, eles nao sao feitos mecanicamente pois precisam de conscentracao e atencao,.
    A meditacao como nivel seria uma ferramenta para aperfeicoamento. Y

    1. Muito interessante essa observação. Mesmo meditando a alguns anos, de vez enquando me pegava pensando em muitas coisas e isso me incomodava muito. Hoje eu penso que no inicio da meditação vem à tona os assuntos e idéias pendentes. Com isso, uso a meditação para organizar essas idéias e encontrar possíveis caminhos.

  2. says: ANDREWS

    Belo ponto de vista, meditação é caminho e não finalidade.

    Saudações JULIANA, desculpe e intrometer em seu comentário, mas gostaria de compartilhar contigo algo em que tenho meditado nas última semanas. Vi que se referiu a meditação como uma rotina, e é sobre isto que tenho questionado, a diferença entre rotina e disciplina. Irei compartilhar contigo e com quem mais se interessar um dos pontos que tenho investigado.

    A ROTINA seriam hábitos, atividades que fazemos com regularidade mas de maneira mecânica, automática.

    A DISCIPLINA seriam hábitos para aperfeiçoamento, eles não são feitos mecanicamente pois precisam de concentração e atenção, muitas vezes vem acompanhados de “novidades”, com insights a respeito de nossas vidas, das informações que nos importam e de informação e perspectivas que nunca aviamos percebido.

    Esta é uma das maravilhas da meditação, uma ferramenta que é usada para aperfeiçoamento intimo, auto aperfeiçoamento. Eu vejo como um gesto de grande amor e carinho por nós mesmo e por outros seres, esta lucidez que a meditação traz, sempre com insights importantes, ou simplesmente com concentrações regenerativas, que reorganizam nossa mente, nos livram da negatividade, aliviam as tenções físicas.

    Sucesso em suas práticas.

    Abraços, fica na PAZ.

  3. says: Raimundo Lima Cerqueira

    Culturalmente falando, não temos mesmo o hábito de meditar. Por esta razão, gostaria de solicitar de você que tem o conhecimento e pratica a meditação enviar para o meu e-mail informações que me possibilitasse a aquisição desses conhecimento e dessa prática.
    Obrigado a você que estar comprometido com o bem estar pessoal e de outras pessoas.

    1. says: Andrews

      Olá Raimundo, não sei a quem se dirigiu este seu comentário, mas, se me permite, a melhor maneira que conheço de encontrar respostas é ouvir o coração. Hoje temos a internet como uma rede “materializada” de canalização. Mas para encontrarmos o que procuramos na internet é preciso compreender exatamente o que buscamos. Se está procurando aprender sobre meditação a melhor forma é a pesquisa, por exemplo, se pretende superar alguma dificuldade na concentração, experimente pesquisar sobre “técnicas de concentração e meditação”, “yoga e concentração”, em fim, creio que a revolução íntima é algo que deve ser praticado de maneira menos sugestionável possível, pois não importa o quanto o mestre tenha de experiência, só nós conhecemos o nosso coração.

      Um conselho para iniciar seria experimentar sessar os pensamentos e se concentrar no que vem do coração, faça as perguntas certas para teu íntimo que ele irá lhe responder, assim sendo encontrará as palavras chave para pesquisar na internet os seus caminhos iniciais. MEDITAÇÃO É COMPREENSÃO.

      Abraços, fica na PAZ.

  4. says: Alice

    Olá, considero que devemos ver a meditação como um pedacinho do céu onde podemos encontrar serenamente conosco mesmos. Sentir nossos corações, perceber como estamos internamente. Nós, no ocidente, não temos essa prática como costume e, por isso, geramos tantas expetativas. Necessitamos esses momentos de contato interno. A respiração (inspirando pelo nariz e expirando pela boca), suavemente, nos leva a um estado de relaxamento, se observamos esses movimentos enquanto os realizamos. Deixando as expectativas de lado e sem esperar resultados, verão que meditaram em voces mesmos, estão relaxados, tranquilos e serenos. Não marquem hora, façam, deixem acontecer, serenamente, sem cobranças nem culpas. Verão como aos poucos as coisas vão se acomodando e naturalmente o tempo se ampliando. Eu faço isso. Se ajudar, ótimo. Luz e Paz.

  5. says: MARTA

    PARA MIM, UMA VIDA MEDITATIVA É VIVER NO AQUI E AGORA ETERNO. A TRAVES DO SILENCIO MENTAL, CONSEGUIMOS ESTAR PRESENTES EM QUALQUER LUGAR, MOMENTO E ATIVIDADE. MEDITAÇÃO É SENTIR A VIDA EM CADA RESPIRAÇÃO.

  6. says: jacira santiago

    Pratico há 2 anos e não tive muitos problemas pois encontrei um grupo (sanga) excelente,pois a tranquilidade de quem conduz é fundamental para o iniciante.Resumindo: minha vida mudou p/melhor.Agradeço profundamente também a quem divulga !Obrigada por ajudar a todos os seres !

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