Um pequeno trecho de dois parágrafos do livro “O Pensamento Como Um Sistema” (Thought As a System), do físico quântico anglo-americano David Bohm (1917-1992), foi publicado aqui semana passada e recebemos pedidos para que o assunto fosse estendido e evoluído. No post intitulado “O que usamos pra resolver nossos problemas é, na verdade, a fonte dos nossos problemas”, algumas pessoas quiseram saber melhor porque isso acontece. Essa pergunta está respondida no livro numa série de explicações sobre os processos do pensar e nossa cultura (íntima e humana), pelo próprio Bohm.
Oito novos parágrafos foram traduzidos do livro livremente por este blog e seguem abaixo, e neles já se percebe o início da resposta segundo o entendimento de David Bohm. Os últimos três trechos fazem parte de uma seção de perguntas e respostas contidas no livro.
Boa leitura.
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O PENSAMENTO COMO UM SISTEMA [TRECHOS] Por David Bohm
? O centro intelectual normalmente diz se uma emoção é apropriada ou não. Isso é o que acontece no exemplo de estar com raiva a respeito do atraso de duas horas de algué, que aparece e diz que “o metrô estava atrasado”. Se você acredita na pessoa, então o centro intelectual diz que “não há mais nenhuma boa razão para estar com raiva”. E o centro emocional devidamente responde “ok, não há razão, eu desisto da minha raiva”. E vice-versa – o centro emocional pode enviar a informação dizendo que há perigo, ou que há isto ou aquilo, e o centro intelectual vem e tenta saber qual é o perigo. Ele pensa.
? Vale repetir o que tenho falado nos últimos anos – que nossa linguagem tem feito uma distinção entre estar ‘pensando’ e ‘pensamento’. ‘Pensando’ implica um presente contínuo – alguma atividade acontecendo em que pode incluir sensibilidade crítica para o que pode dar errado. Também pode haver novas idéias e talvez ocasionalmente percepção de algo interior. ‘Pensamento’ é o passado disso. Temos a idéia de que depois que nós pensamentos em algo, isso evapora. Mas estar ‘pensando’ não desaparece. Vai para algum lugar dentro do cérebro e deixa algo – um rastro – que se torna pensamento. E o pensamento então age automaticamente. O exemplo que eu dei sobre a pessoa que lhe deixou esperando e então aparece mostra como o pensamento reforça e mantém a raiva; quando você havia pensando por um tempo, ‘Eu tenho uma boa razão para ter raiva’, a emoção está lá e você se mantém com raiva. Por isso o pensamento é a resposta da memória – do passado, do que já foi feito. Assim nós temos o estar pensando e o pensamento.
? Tudo isso tenderá a introduzir uma boa quantidade de confusão, ou do que eu chamo de “incoerência”, no pensamento ou na ação pela qual você não vai conseguir o que esperava. Isso é o grande sinal de incoerência: você quer fazer algo mas não sai do jeito que esperava. Isso é geralmente um sinal de que você tem alguma informação errada ao longo do processo. A abordagem correta seria dizer; ‘Sim, isso é incoerência. Deixe-me tentar encontrar a informação errada e mudá-la’. Mas o problema é que há um monte de incoerência em que as pessoas não fazem isso.
? É a mesma coisa com o nacionalismo. As pessoas não criaram as nações para sofrerem o que eles tem sofrido – para sofrer guerras intermináveis e ódio e fome e doença e aniquilação e escravidão e tudo mais. Quando eles criam as nações não era intenção gerar isso. Mas é o que tem acontecido. E iria inevitavelmente acontecer. A questão é que as pessoas raramente olham para as nações e dizem: ‘o que isso é na verdade?’ Ao invés disso, eles dizem que ‘temos que manter essa nação a todo custo, mas não queremos essas consequências’. E elas se debatem contra as consequências enquanto se mantém criando a mesma situação.
? Pergunta: Não estou certo sobre a diferença entre estar pensando e pensamento. Você está propondo que nós passamos de estar pensando ao pensamento sem estarmos concientes que estamos fazendo isso?
David Bohm: Sim. É automatico, porque quando estamos pensando, aquele pensando fica gravado no cérebro e se torna pensamento. Eu falo mais à frente como aquele pensamento é um conjunto ativo de movimentos, um reflexo. Mas suponha que você fique dizendo à crianças muito novas que as pessoas de um certo grupo são más, más, más. Isso mais tarde se torna pensamento que reaparece – ‘eles não são bons’. Na verdade, você raramente nota que está pensando que há qualquer tipo de pensamento.
? Pergunta: Nesse momento, no dialogo com esse grupo, enquanto você está falando há um processo de pensar que esta, como você explicou, mais vivo no presente. E então esta outra coisa está acontecendo, que é o pensamento. Nós parecemos não termos a habilidade de distinguir os dois.
David Bohm: Não, não parecemos distingui-los. Algumas vezes nós conseguimos, porque dizemos ‘Eu achava isso antes’. Mas geralmente nós não distinguimos. E com o sentimento é ainda mais difícil ver a distinção entre o sentimento passado reaparecendo – eu o que chamo de ‘sentido’ – e algo que seria um sentir ativo presente.
? Pergunta: Você acha que isso é parcialmente intrínseco na natureza do cérebro?
David Bohm: Não do cérebro, mas do jeito que o pensamento foi desenvolvido. Uma certa quantidade de análise é necessária para a clareza do pensamento; algumas distinções tem que ser feitas. Mas os levamos longe demais sem saber. Nós perdemos o bonde. E uma vez que nós os carregamos longe demais, então começamos a assumir que eles são ‘o que é’, e isso se torna parte do nosso hábito.
? Pergunta: Como reconhecemos os limites, antes de irmos longe demais?
David Bohm: Essa é uma questão muito sutil. Para nos libertarmos disso temos que fazer muito mais do que reconhecer a diferença. Algo mais profundo deve estar envolvido. O que temos que fazer antes e ter alguma noção de que tipo de problema estamos imersos agora. Nós começamos dizendo que o problema é que o mundo está num caos, mas acho que nós acabamos concluindo que o pensamento está em caos. Isso é cada um de nós. E essa é a causa pela qual o mundo está um caos. Então o caos do mundo volta e se soma ao caos do pensamento.
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Por isso experimentamos a realidade que o pensamento tem poder, desenvolver esta habilidade de estar atento ao que é real ou puramente sensação impressa na mente que depois se torna uma ilusão e depois realidade, viver totalmente no presente realmente é muito difícil, quem consegue se iluminou. Queria muito chegar neste nível.Que ferramentas podemos usar? Sem tanta complexidade?
Boa pergunta, Laura. Talvez a melhor seja nenhuma? Ou a meditação.
Penso que hajam vários caminhos, mas cito o Mestre Gurdjieff, que aponta 4: o do faquir, o do monge e o do Yogui. Mas tem o quarto caminho, que ensina o desenvolvimento harmonioso dos centros intelectual, emocional e instintivo-motor. Gurdjieff fala claramente que somos autômatos, sonâmbulos, a maior parte do tempo, que despertar é um ato que poucos conseguem deliberadamente, e consiste justamente em reconhecer e separar as vozes dentro da nossa mente, que se coaduna muito com essa proposta de Bohm, de diferenciar o pensamento do pensar. Os pensamentos acabem por adquirir autonomia, e cada um que prepondera reivindica o título de ‘eu’. Entender isso como ‘meu’ e não ‘eu’ é o primeiro passo.
Não seria, nossos pensamentos reflexos da mente condicionada?
O que pensamos hoje, são informações e conceitos que nos foram passados através de diversas fontes ( família, Estado,mídia, pensamentos etc).Nos ensinaram o que é certo e errado,feio e belo, adequado e inadequado, medo e coragem e assim por diante. Não seria um começo, entendermos esta condição?
O livro foi publicado em português pela Madras e pode ser encontrado na Livraria Cultura e na Estante Virtual. Muito bom o assunto, a abordagem pelo David Bohm é essencial. Legal e oportuna a a abordagem pelo Dharmalog. Eu mesmo, que comprei o livro anos atrás e ainda não o li, tive reacesa a chama do interesse despertado pelo artigo anterior. Grato por isso.
Nando, você deu uma resposta para a Laura que me fez “pensar” que na verdade tudo isso pode ser expresso por uma reformulação de nosso modo de agir, por uma nova programação positiva das coisas.É a lei da atração que usamos em meditação para alcançarmos nossos objetivos? Criar no presente, vendo como realizado o que criamos? Desculpe, mas fiquei embananada.Se puder me esclarecer agradeço muito.Obrigada Cly.
Posso tentar desembananar, Cly. :)
Entendo que o modo de agir e pensar que herdamos culturalmente não nos ajuda, e embora creiamos petreamente que é fundamental, um novo é preciso. Mas, na verdade, não precisamos realmente de uma “nova programação positiva das coisas”, porque nós já temos ela, já nascemos com ela, e ela é a nossa programação essencial (somos ela). Que, obviamente, não é uma programação, mas um viver sem condicionamentos. Temos apenas que tirar o nosso programa particular de dentro desse ambiente, pois isso é que cria o problema (como o próprio Bohm disse no post anterior). Lei da atração, co-criação… isso tudo acontece naturalmente, harmonicamente e amorosamente quando não há programação mental em cima (esse termo cai muito bem aqui, “programação”). No meu entendimento, lei da atração sem isso tem um seríssimo risco de ser apenas desejo individual.
Enquanto tivermos agindo sob a égide dessa programação mental, não me parece que sejamos muito capazes de exercer a lei da atração responsavelmente, ou mesmo plenamente como permitem as leis universais (=dharma). O próprio conceito de lei do desejo não me parece muito positivo quando você se retira de uma dimensão programada e vive plenamente.
A meditação, nesse caso, é uma desprogramação. Para que a essência consiga essa viver plenamente.
Descomplicou? Ou piorou? :)
Namastê.
Nando,
Dentro da linha anterior do meu “Estar pensando”, 1a. parte:
Estar pensando ===> Pensamento ===> = ‘trilha’ gravada no HD Pessoal.
Acessar ‘Campo’ p/ deletar e salvar novos arquivos, se for o caso (já que ambos são, em princípio, ilusão):
Lugar de tranquilidade interior (a memória está no corpo todo, inclusive celular) ===> MEDITAÇÃO ===> o NÃO-PENSAR.
Obs.: Cientistas ensinaram trajetos a ratos. depois, sistematicamente destruíram os cerébros deles. Independente de quanto de cerébro removessem, ainda assim eles lembravam o trajeto. (memória/sistema não se detenha aos limites dos nossos corpos?)
E,lembrando do que já está aí:
A imaginação que quebra normas e estimula novos rumos de pensamento e análise, estende o solo fértil dos signos que incessantemente cria e recria a sintaxe do mundo. Condição do homem no dizer de Lacan: “quando o homem entra no mundo, entra no simbólico, que já esta aí”.
Grata pelo trabalho (extra) da tradução e postagem.
Boa Sorte!
Norma, você leu o post acima? Bohm fala do vacilação frequente e automática que acontece entre “estar pensando” e “pensamento” sem nossa percepção. Usando esses termos do Bohm, a meditação não almejaria a aniquilação do pensar, mas o controle da atividade dos “pensamentos”, da herança (“HD Pessoal”) que insiste em agir como paladino da realidade. Nem é o caso de destruir o pensamento, mas de entendê-lo e estar consciente dele. O pensar faz parte das atividades naturais do ser humano.
Namastê.
1)Sim, Nando:
David Bohm: Não, não parecemos distingui-los. Algumas vezes nós conseguimos, porque dizemos ‘Eu achava isso antes’. Mas geralmente nós não distinguimos. E com o sentimento é ainda mais difícil ver a distinção entre o sentimento passado reaparecendo – eu o que chamo de ‘sentido’ – e algo que seria um sentir ativo presente.
Basei-me nos exemplos dados: raiva, nações, pessoas más – supondo que fôssem sentimentos/pensamentos que o ‘pensador’ não quisesse experimentar.
2)Deletar foi um termo escolhido dentro da linha de raciocínio que segui. Poderia ser modificar, alterar, trabalhar etc. em função do que se deseja trazer para luz (no sentido de lucidez = consciência, principalmente quando se apresenta em situações recorrentes e que não se gostaria de ver em repetidos episódios). O m/coment. acima foi na mesma linha do anterior (1a.parte). Eu gosto de ‘estar pensando’ em cima do que leio (Pisc*) já que (inconscientemente) irá fazer fazer parte do meu ‘pensamento’. Apenas (ou tudo) isso, de qualquer forma, vou reler todos os dados postados. Qdo alguém não entende o que se fala, a responsabilidade é de quem (tentou) compartilhar a ideia – então, grata pelo toque.
Boa Sorte!
P.S.: O ‘não-pensar’ refere-se ao status de tranquilidade e não-recriminação (no caso do exemplo acima: raiva)- para se modificar o que não está confortável. Nac.
Obrigada, Nando ajudou sim. Desembaralhou a programação positiva e a lei da atração. Fico-lhe muito grata.
Com a meditação desprogramamos a mente e a essência se expressa na sua realidade,plenamente.
Namastê!
Eu entendo, não sei o que você acha que é muito parecido com o que a Terapia Cognitivo Comportamental nos ensina. Ou seja, identificar esses pensamentos automáticos que “causam” uma emoção negativa e uma reação comportamental a ela sem que tomemos consciência disso. Achei muito interessante o depoimento do criador desta Terapia, Aaron Beck que observou que as pessoas não comunicavam estes pensamentos automaticos durante o tratamento….