O que realmente sabemos? A. H. Almaas provoca nosso “conhecimento” real sobre as coisas

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Uma das investigações mais interessantes sobre o que chamamos de momento presente é a reflexão sobre o que sabemos realmente do que vemos e experimentamos. Ou do que achamos que sabemos. Num dos seus livros mais conhecidos, o Livro 4 da série “Coração de Diamante” (“Diamond Heart”), o místico e autor A. H. Almaas nos guia por uma bateria de questionamentos  sobre o que realmente sabemos dessas coisas que experimentamos na vida — como um carro, uma árvore, um sabor — e confronta se sabemos mesmo ou se é apenas uma repetição de nomenclaturas usadas para categorizar e dar a impressão de saber, deixando assim a própria experiência viva e única do presente soterrada debaixo desses nomenclaturas. O texto está traduzido abaixo.

Almaas usa os exemplos de um carro e de uma (árvore de) maçã, mas podemos fazer as mesmas perguntas para absolutamente qualquer coisa. Mas mesmo se pegarmos uma maçã, sabemos que não são iguais mesmo chamando tudo de maçã. Há algo em nós que sabe que todas as maçãs são diferentes, mas por hábito da classificação e pela ilusão da padronização, achamos que são todas mais ou menos a mesma coisa. Quando vamos a um hortifruti ou mercado comprar uma fruta, seja maçã ou abacaxi ou outra, escolhemos bem, olhamos, sentimos, porque são diferentes. E algumas vão amadurecer mais, outras menos. Tem sabores diferentes, mesmo que sejam nuances. As combinações de sabores também são diferentes, mais ácido e menos doce, mais doce e menos ácido, etc. Mas independente da classificação, elas são algo vivo, uma experiência viva, algo que está ali e desafia toda e qualquer classificação (criada anteriormente).

Mas a experiência da fruta está presa ainda a uma outra coisa, uma outra intervenção da mente, que é a própria escolha. Pois escolhemos geralmente com base também num padrão do passado, aliada a um desejo: queremos “aquela” doçura, “aquela” suculência, “aquela” cor, “aquele” sabor. E ignoramos a própria maçã, o próprio abacaxi, a fruta que for que está ali. O jogo de padrões e classificações e imagens do passado prevalece sobre a coisa viva, que é rebaixada a um objeto de comparação com as impressões gravadas da mente. E pra finalizar, se a fruta não corresponde, pensamos que não é boa fruta, “não é boa maçã”, “aquela maçã não tava boa”. A fruta é jogada fora pelas idéias da fruta.

Em uma dimensão, claro que há uma utilidade no uso de nomenclaturas e padrões para as coisas, de chamar maçã, abacaxi, doce, ácido, vermelho, amarelo.  Mas achar que sabemos o que é cada maçã por causa disso é fatalmente ignorarmos a experiência viva do que cada maçã é. Pensamos que pelo nome que damos, pelas características que julgamos, pela história que experimentamos, que conhecemos aquela coisa, ou mesmo aquele sabor. Talvez isso seja uma parte do que chamamos de “mundo da ilusão”: o excesso de projeção da mente sobre o que experimenta, perdendo a experiência em si.

Vamos ao texto do Almaas:

“A mente é muito astuta, muito sutil, muito poderosa. E ver a verdade significa conhecer a mente, conhecê-la até o ponto de ver além dela, e de ser capaz de usá-la em vez dela lhe usar. Em um certo sentido, a mente é a coisa mais poderosa que existe, porque cria nosso mundo. O que quero dizer com isso? Simplesmente olhe o mundo em que você vive, o mundo ordinário e monótono que você acredita não ser espiritual, o mundo em que você anda pra lá e pra cá, dirigindo seu carro, encontrando seus amigos, trabalhando, e de vez em quando tendo uma experiência espiritual. Você vive num mundo que você observar como feito de coisas físicas, se movendo. Você olha pro seu carro, por exemplo. Qual é o seu carro? Um Honda. Muito bom, agora você sabe o que você tem, um Honda. Vamos dizer que você tenha um Honda, um carro japonês, e é vermelho. 1986. Automática, com esse e aquele outro equipamento extra. Você acha que sabe muito sobre seu carro. Sim, você sabe muito sobre seu carro, mas você não conhece o carro diretamente. O que você sabe sobre o carro? Você diz, “Meu carro é japonês”. O que você sabe? Você sabe que é um Honda. O que isso significa? O que você sabe? É um home que você aprender a chamar. Uma outra pessoa chama de outra coisa. O que isso diz sobre o carro? O nome pode ajudar a distingui-lo de um Chevrolet. Mas com todos essas etiquetas, você ainda não sabe nada intrínseco sobre o carro. Você pode ser mais sofisticado, “eu sei o que um carro é, é um veículo feito de metal e borracha e coisas assim”. Você se torna mais sofisticado, mas o que você sabe? O que é um metal pra você? O que é borracha? Metal ou borracha são algo que você conhece? Ou palavras que você aprendeu? Você percebe verdadeiramente a borracha ou o metal?

Você pode olhar uma árvore, e você sabe que é uma árvore. O que você sabe? Como você sabe? Você sabe sobre árvores, ou você realmente conhece a árvore? Você pensa que só porque pode chamá-la de uma árvore de maçã que você realmente conhece a árvore. Talvez a coisa mais próxima que você saiba sobre uma árvore da maçã é a maçã. Talvez você tenha comido uma maçã. Mas você não conhece uma maçã completamente. O que você sabe sobre a maçã? Talvez comer a fruta é a coisa mais próxima que você possa saber sobre uma árvore de maçã. Você sabe o gosto. Ácida. Doce. Você sente a textura. E pensa que sabe. O que é acidez? O que é doçura? Você acha que se puder dizer que é ácida ou doce, você a conhece? O que você sabe? Ácido e doce não são apenas partes da sua mente? O sentido de algo ser ácido ou doce não significa nada além da repetição de experiências que você teve no passado, pelas quais você diferencia o sabor. Assim você pode diferenciar sabores. As palavras “ácido” e “doce” são aplicadas para sabores ou sensações diferentes na sua boca. Então talvez você esteja chegando mais perto de descobrir o que é que você sabe sobre a árvore, a árvore de maçã. (…)

Você pode levar essa investigação para o próximo nível de refinamento; podemos explorar algo como a doçura. O que é doçura? É um sabor que colocamos um nome. Um sabor, uma sensação na boca. Colocamos um nome. Chamamos doce. Cada vez que experimentamos de novo e reconhecemos, pensamos que sabemos o que é doce. Deixamos a própria maçã de lado. Você sabe sobre a maçã? Sabe sobre a árvore de maçã? Só nomeando a doçura você não pode se conectar à maçã, tampouco com a árvore. Então como você vai saber o que uma árvore é? Há alguma conhecimento além das idéias que temos tido sobre árvore, os nomes que você tem usado, as memórias que tem, que remetem ao reconhecimento (da árvore)?”

— A. H. Almaas, do livro “Diamond Heart Book Four”.

Depois de escrever o post, por causa da citação à maçã, me ocorreu uma cena de um filme chamado “Na Natureza Selvagem” (Into The Wild, 2007), onde o protagonista experimenta uma maçã de uma maneira única. Na história do filme, que é inspirada na vida real, ele é um jovem que abandona os desejos que a sociedade tem para o futuro dele e se joga numa jornada a pé pelo Alaska, no desejo justamente de quebrar padrões e viver algo real. No caminho ele tem várias experiências “vivas”, únicas, e uma delas é com essa maçã, que ele tenta classificar de várias maneiras, mas acaba apenas mostrando seu entusiasmo inclassificável naquele momento.

Eis a cena:

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