“Não pode ser que estejamos aqui para não poder ser”.// JULIO CORTÁZAR

“Não pode ser que estejamos aqui para não poder ser”.
// JULIO CORTÁZAR

Não pode ser, não faria o menor sentido.

A construção dessa frase é uma maravilha. Começa com “não pode ser” no sentido de não é possível, não pode ser uma possibilidade, não faz sentido, não há lógica. É uma indignação. Então aparece a afirmação do propósito da existência – “que estejamos aqui”, no sentido de existirmos, de virmos a ser. E então fecha com para “para não ser”, mas é melhor ainda que isso, ele diz “para não poder ser”, que coloca a palavra “poder” no sentido dúbio para entendermos talvez como permitir ser e/ou (também) como se ter a capacidade plena de ser. Porque alguém pode pensar que, tendo defeitos, tendo pouca altura, voz rouca, dedos tortos, talvez não possa ser. Mas pode, claro que pode. Na verdade já é.

Podemos tanto que podemos, inclusive, não ser quem somos.

Albert Camus diz que “o ser humano é a única criatura que se recusa a ser o que é”.

É o que muitos de nós estamos fazendo. Não exatamente por liberdade e infinitude, mas por medo, por frustração, vaidade, ambição, negação, ignorância. Aí nos moldamos, nos distorcemos, nos mutilamos, nos negamos, nos distanciamos de nós.

Mas isso vai cansar. Já estamos cansando, na verdade, já estamos cheios de sintomas, tristezas e frustrações de ficar sendo sei lá quem.

Essa frase de Cortázar pode ser boa companhia nesse caminho.

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