Em entrevista, Matthieu Ricard defende altruísmo verdadeiro contra crença que somos intrinsecamente maus [VÍDEO]

“Para além de meditar sobre a compaixão, temos que levá-la à ação”.
~ Matthieu Ricard

O biólogo e monge budista francês Matthieu Ricard, um dos nomes mais conhecidos que vem colaborando nas pesquisas científicas sobre meditação e compaixão, membro do Mind & Life Institute, é o entrevistado de Eduardo Punset no programa 60 intitulado “A Ciência da Compaixão“, da espanhola Redes Educación, com produção da Agencia Planetaria para a TVE da Espanha e transmitido originalmente em maio de 2010. O tema é a compaixão e o altruísmo verdadeiro como natureza humana intrínseca, que Matthieu Ricard defende contra a crença que as pessoas são intrinsecamente más, um dogma não apenas de parte da ciência, mas de campos da psicologia e da economia, como explica Ricard na entrevista. “Dizer que o altruísmo verdadeiro não existe é uma besteira“, afirma ele.

Abaixo, um dos trechos transcritos em português da entrevista, e logo depois, a entrevista em vídeo (dublada em espanhol, que é razoavelmente compreensível para os nativos do português).

Eduardo Punset: Para grande parte da ciência ocidental o ser humano é intrinsecamente mau.
Matthieu Ricard: O que existe é um culto ao egoísmo. E me parece muito estranho, porque não se encaixa com os dados científicos. Se trata de uma caso de distorção, em princípio. Podemos ver na economia, e também em alguns aspectos da evolução, e também em alguns aspectos da psicologia. Há toda uma escola de filosofia chamada egoísmo psicológico, e inclui algo denominado egoísmo ético, que postula que somos egoístas e que está bem assim, que devemos sê-lo, “porque preocupar-nos?”,
Punset: Temos que sobreviver…
Matthieu Ricard: …e porque nos sentirmos culpados se não ajudamos os outros? Me parece a receita perfeita para chegarmos à catástrofe completa. Não só porque é profundamente enganoso, mas porque pressupõe que qualquer conduta ou motivação que parece altruísta tem sempre por trás uma motivação egoísta.
Punset: Uma motivação subjacente…
Ricard: … e se converte numa espécie de dogma. Ademais, na Psicanálise, praticamente tudo que temos está motivado pelo “eu”, “eu”, “eu”. Se tentamos ser bons, é à custa de algo, que não é muito bom para seu estado mental. Essa negação do lado bom da natureza humana me parece terrível. Para qualquer um que queira ver, os dados sociológicos demonstram que o altruísmo verdadeiro existe, claro. Também somos egoístas às vezes, e há pessoas mais egoístas que altruístas, mas dizer que o altruísmo autêntico não existe é uma besteira.

//////////

Compartilhado por Luis Oliveira.

More from Nando Pereira (Dharmalog.com)
Mestres em *Ecologia Humana*
Call it what you like though, political activism is exactly what it...
Leia Mais
Join the Conversation

8 Comments

  1. says: Sheila

    O que dizer das pessoas que perdem a vida ao defender estranhos de ataques .Que tipo de motivação egoísta está esperando essa pessoa que nem ao menos crê em vida após a morte ?

    1. says: atéia tetéia

      de certo modo altruísmo motivado por crenças em qualidade de vida após a morte ainda seria uma forma de altruismo com egoísmo subjacente.

      por exemplo, o que me atrai nas práticas primordiais taoístas é o fato de nesse sistema, a sistematização metafisica tem como base a premissa de que todos nós quando morremos somos espalhados em novos “eus”. Os cinco orgãos regentes de nossos corpos, cada um contém memõrias, karma, de pedaços de personalidades que foram dissolvidas na morte. Após um período de alucinação (como um bardo tibetano) esses “eus” são reunidos em novos seres. E então a função desse ser com seus multiplos “eus” somados ao eu vindo deles deve harmoniza-los para só então se criar um eu coerente, onde a multiplicidade interna retorna a um estado de unicidade, que é a realização do Espírito (shen;luz;espirito) em nova singularidade, para então se unir à natureza anterior (retorno ao Dao) e expandi-la no infinito dela mesma. Considero um mapa conceitual bem suave e sem premios ao pequeno eu ilusório, já que ele tem que ser transcendido, e não é meu pequeno eu que experimentara a totalidade. Sou a lagarta, não a borboleta cõsmica.

      Pensando e sentindo a realidade assim, entendemos que não há essa divisão dualista, não há vida após a morte, pois vida e morte são conceitos dualistas ainda, aqui e lá, só há um ciclo constante de vida (movimento) alimentado por uma consciência atemporal no centro da vida, de toda vida, de todo movimento, e todos erros e acertos passados podem ser destruidos em um único ato no eterno agora, ou seja, até o karma, ação e reação, pode ser extinguido em uma vida de mergulho interno. Foi o que Buda fez, mergulhou em si, descobriu o arquiteto de sua morada dentro de si, eliminando então a ele e as paixões (kilesa) criadas e alimentadas por ele, e assim libertou-se de si mesmo, enquanto dentro de si. Saindo do ciclo de ação e reação, de nascimento – morte – renascimento, e realizando-se junto à consciëncia atemporal e sem forma (pois tudo que tem forma depende de tempo para se formar)

      Dai que o amor incondicional, o altruísmo, é na verdade ato de não-dualismo, onde há, mesmo que momentaneamente, eliminação do conflito interno dos multiplos `eus` e externamente, eliminação da separação de meu eu do outro. E tudo, enquanto estamos no fluxo de espaço-tempo é prática. Quanto maior a frequencia da prática, maior a amplitude, maior a força dela em nossa percepção.

      Talvez por isso que os grandes mestres nos ensinam que ser compassivo, amoroso, e nos doar é essencial para se atingir um estado constante de graça, nibana, retorno ao Dao, fusão ao Ruach (energia do criador no judaismo), etc.

      Ações que eliminem a separação de meu multiplo eu do eu externo e multiplos eus internos do outro, talvez seja uma bela ferramete para saimos da roda auto-recursiva do espaço-tempo, do jogo de ação e reação, a principio momentaneamente, e com disciplina e prática, e merecimento, quem sabe, completamente.

  2. says: atéia tetéia

    na alquimia interna daoista aprende-se tb que amor, compaixão não são sentimentos e sim são ação criativa, interna e externa. ações que harmonizam e eliminam o dualismo.

  3. says: norma7

    O homem mais feliz do mundo.o tradutor oficial para francês do SS Dalai Lama, o monge budista, o biólogo e educador quando fala sobre compaixão, lembra-me Rumi:

    “Saia da roda do tempo e venha para a roda do amor.”

    Obrigada Luís Oliveira e Dharmalog,
    Boa sorte, Norma

  4. says: Adilson

    O mestre Zen Rinzai disse:

    Seguidores do caminho, a mente é sem forma e permeia as dez direções:
    No olho, chama-se visão,
    No ouvido, chama-se audição.
    No nariz, sente os odores,
    Na boca, mantém a conversação.
    Nas mãos, ela pega e agarra,
    Nos pés, corre e carrega.
    Fundamentalmente, é a única radiância pura; dividida, transforma-se em esferas de sentido harmoniosamente unidas. Como a mente não existe, aonde quer que você vá, você está livre.

    ***

    Não há método melhor de aproximar dessa Palavra, a não ser em silêncio, na quietude; nós a ouvimos corretamente no desconhecido. Para aquele que nada sabe, ela é revelada claramente.

    (…) É uma condição de total simplicidade (que custa nada menos que tudo).

    (…) Para poder entrar na quietude que é a própria natureza da pessoa, ela deve romper constantemente com o vício e a fascinação de ser alguma coisa. É por isso que se diz que a prática tem duas direções: uma para excitar a mente sem deixá-la repousar sobre coisa alguma, a outra para dissolver todas as identidades que criamos ao longo dos milênios.

    (Albert Low – em “A PRÁTICA DO ZEN E O CONHECIMENTO DE SI MESMO”)

    Quando a identificação com o “eu” é dissolvida e a mente torna-se absolutamente tranquila e silenciosa, então, outra Natureza é despertada em nós. Nela não há conflitos ou ansiedades, mas a autêntica Compaixão e Amorosa Sabedoria.

    Gratidão, com muito Amor,

  5. says: Adilson

    O mestre Zen Rinzai disse:

    Seguidores do caminho, a mente é sem forma e permeia as dez direções:
    No olho, chama-se visão,
    No ouvido, chama-se audição.
    No nariz, sente os odores,
    Na boca, mantém a conversação.
    Nas mãos, ela pega e agarra,
    Nos pés, corre e carrega.
    Fundamentalmente, é a única radiância pura; dividida, transforma-se em esferas de sentido harmoniosamente unidas. Como a mente não existe, aonde quer que você vá, você está livre.

    ***

    Não há método melhor de aproximar dessa Palavra, a não ser em silêncio, na quietude; nós a ouvimos corretamente no desconhecido. Para aquele que nada sabe, ela é revelada claramente.

    (…) É uma condição de total simplicidade (que custa nada menos que tudo).

    (…) Para poder entrar na quietude que é a própria natureza da pessoa, ela deve romper constantemente com o vício e a fascinação de ser alguma coisa. É por isso que se diz que a prática tem duas direções: uma para excitar a mente sem deixá-la repousar sobre coisa alguma, a outra para dissolver todas as identidades que criamos ao longo dos milênios.

    (Albert Low – em “A PRÁTICA DO ZEN E O CONHECIMENTO DE SI MESMO”)

    O “eu” necessita de infinitos cuidados, e tem infinitos desejos e exigências. Ele nos absorve completamente.

    Enquanto tentamos inutilmente satisfazê-lo, não nos resta tempo nem forças para considerar as necessidades dos “outros”, por mais que eles precisem de nós.

    Quando a identificação com o “eu” é dissolvida e a mente torna-se absolutamente tranquila e silenciosa, então, outra Natureza é despertada em nós. Nela não há desejos conflituosos ilusórios, nem ansiedades, assim, há espaço e tempo para considerar os outros e, naturalmente, surgem a autêntica Compaixão e a Amorosa Sabedoria.

    Gratidão, com muito Amor,

    1. says: Tetéia Atéia

      “Não há método melhor de aproximar dessa Palavra, a não ser em silêncio, na quietude; nós a ouvimos corretamente no desconhecido. Para aquele que nada sabe, ela é revelada claramente.”

      A idéia de que há método melhor induz a idéia de que há métodos piores. Há pessoas que atingem o centro estático que alimenta todo movimento de modo espontâneo, sem método, prática alguma, as vezes do nada, as vezes em acidentes (meu primeiro samadi foi com alguém que amava temporariamente morto em meu colo), outros praticando por meses apenas, outros em anos e anos de prática. E todos tem sua razão de ser e de estarem onde estão.

      Um simples anapana pode ser melhor para uma pessoa, um zazen para outra, jana, vipassana, etc, uma pratica de krya yoga para outra pessoa, um pequeno universo da alquimia interna daoista para outro, etc, do mesmo modo que podem ser ruins para outras pessoas. Nenhuma é absolutamente a melhor, pois todos nós temos muitas variáveis, um inventario de passado acumulado e estagnado misturado que nos torna muito particulares. A única coisa que nos torna realmente próximos é nossa fisiologia, e não sem motivo, todas as práticas levam em conta, cada qual a seu modo, a respiração, postura, etc.

      E o interessante é que todas as práticas, sem serem melhor ou pior, acabam, quando a pessoa encontra a prática ideal para o complexo mente-corpo que ela se configura, levam à mesma realização desse mistério incomensurável e à transformação da realização desse mistério em ato, ações no mundo fenomênico. :)

      Esse livro do aluno de Nan Huai-Chin, Bill Brody, https://www.createspace.com/4039328 é um excelente guia para se entender como as religiões, todas com seus sistemas particulares, sem serem melhor ou pior uma das outras, estão simplesmente compartilhando técnicas diferentes, para pessoas diferentes, em culturas diferentes, para se retornar da multiplicidade do mundo fenomênico à unicidade do mundo numênico, e então, naturalmente ampliar a multiplicidade, semeando-a com a unicidade, em um ciclo eterno, sem começo ou fim. E hoje, com esse mundo “zoado”, com culturas misturadas, talvez os mapas conceituais não sejam mais tão bem delimitados, e as vezes técnicas de uma tradição funcionem melhor se livres e misturadas de modo espontâneo com outras, pois não somos mais culturalmente o que eramos quando muitas dessas técnicas e seus mapas conceituais foram forjados. Além do desafio hoje ser o da religião da tecnologia, e sua tendencia, diria, gnóstica/demiurgica, de querer substituir a necessidade de transcendência por uma simulação da mesma no mundo material/fenomênico. :)

      Pessoalmente, para mim a única técnica budista que sempre funcionou em mim é a meditação do esqueleto branco. Mas isso não quer dizer que ela é melhor ou pior que um simples anapana ou um zazen gostoso. Não há melhor que seja absoluto no mundo da multiplicidade, mas isso tb não deve ser tomado como absoluto, então… :)

Leave a comment
Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *