Falamos de liberdade mas não gostamos de liberdade, nós criamos escravidão: o medo da liberdade, por Osho

Uma das especialidades do conhecido filósofo e místico indiano Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho (1931-1990), eram os discursos diretos sobre a liberdade e a consciência, e seus efeitos práticos na vida do homem comum. No discurso abaixo, mais um gravado e transcrito de uma de suas respostas a perguntas públicas, em 1972, e publicadas no livro “The Ultimate Alchemy” (vol.2), ele responde com sua usual simplicidade às implicações de se ter liberdade: “Nós conversamos a respeito da liberdade, mas ninguém gosta de liberdade. Nós falamos sobre liberdade, mas criamos escravidão. Toda liberdade nossa é apenas uma troca de escravidão. Nós seguimos mudando de uma escravidão para outra, de um cativeiro para outro. Ninguém gosta de liberdade porque liberdade cria medo. Com a liberdade você tem que decidir e escolher.”.

Neste trecho da resposta, Osho cita o livro “O Medo à Liberdade” (1942), de Erich Fromm (1900-1980), psicanalista alemão que também dedicou grande parte do seu trabalho à liberdade e ao amor, e também cita um de seus filósofos preferidos, Friedrich Nietzsche (1844-1900), autor de um dos seus livros favoritos, “Assim Falava Zarathustra” (1885), e da famosa frase que aqui Osho associa à liberdade plena (de não se ter um Deus).

A publicação é do Instituto Osho Brasil, que traduziu vários outros textos do filósofo e a quem agradeço por disponibilizar publicamente. A tradução deste texto em particular é de Sw. Bodhi Champak.

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O MEDO DA LIBERDADE
Por Bhagwan Shree Rajneesh, Osho

“Olhe uma rosa: ela é bela, mas não existe liberdade alguma de florescer ou não florescer. Não existe problema, não existe escolha. A flor não pode dizer, ‘Eu não quero florescer’, ou ‘Eu me recuso’. Ela nada tem a dizer, nenhuma liberdade. É por isso que a natureza é tão silenciosa (…)

Com o surgimento do homem, pela primeira vez aparece a liberdade. O homem tem a liberdade de ser ou não ser. Por outro lado, surge a angústia, o medo de que ele possa ou não ser capaz, medo do que vai acontecer. Existe um tremor profundo. Todo momento é um momento em suspense. Nada é seguro ou certo, nada é previsível com o homem: tudo é imprevisível.

Nós conversamos a respeito da liberdade, mas ninguém gosta de liberdade. Nós falamos sobre liberdade, mas criamos escravidão. Toda liberdade nossa é apenas uma troca de escravidão. Nós seguimos mudando de uma escravidão para outra, de um cativeiro para outro. Ninguém gosta de liberdade porque liberdade cria medo. Com a liberdade você tem que decidir e escolher. Nós preferimos pedir a alguém ou a alguma coisa para nos dizer o que fazer – à sociedade, ao guru, às escrituras, à tradição, aos pais. Alguém deve nos dizer o que fazer: alguém deve mostrar o caminho, para que possamos seguir – mas nós não conseguimos nos mover por nós mesmos. A liberdade existe, mas existe o medo.

É por isso que existem tantas religiões. Não é por causa de Jesus, de Buda ou de Krishna. É por causa de um enraizado medo da liberdade. Você não consegue ser simplesmente um homem. Você tem que ser um hindu, um muçulmano ou um cristão. Apenas por ser um cristão, você perde a sua liberdade; sendo um hindu, você não é mais um homem – porque agora você diz, ‘eu seguirei uma tradição. Eu não vou caminhar no inexplorado, no desconhecido. Eu seguirei num caminho bem marcado com pegadas. Eu caminharei atrás de alguém; eu não seguirei sozinho. Eu sou um hindu, assim eu seguirei com uma multidão; eu não caminharei como um indivíduo. Se eu me mover como um indivíduo, sozinho, haverá liberdade. Então, a todo momento eu terei que decidir, eu terei que gerar a mim mesmo, a todo momento estarei criando a minha alma. E ninguém mais será responsável: somente eu serei o responsável final.’

Nietzsche disse ‘Deus está morto e o homem está totalmente livre.’ Se Deus está realmente morto, então o homem está totalmente livre. E o homem não tem tanto medo da morte de Deus: ele tem muito mais medo da sua liberdade. Se existe um Deus, então tudo está bem. Se não existe Deus, então você foi deixado totalmente livre – condenado a ser livre. Agora faça o que você gosta e sofra as conseqüências, e ninguém mais será responsável, só você.

Erich Fromm escreveu um livro chamado ‘O Medo da Liberdade’. Você se apaixona e começa a pensar em casamento. O amor é uma liberdade; o casamento é uma escravidão. Mas é difícil encontrar uma pessoa que se apaixona e não pense imediatamente em casamento. Existe o medo porque o amor é uma liberdade. O casamento é uma coisa segura; nele não existe medo. O casamento é uma instituição – morta; o amor é um evento – vivo. Ele se move; ele pode mudar. O casamento nunca se move, nunca muda. Por causa disso o casamento tem uma certeza, uma segurança.

O amor não tem certeza nem segurança. O amor é inseguro. A qualquer momento ele pode sumir de vista da mesma forma como apareceu do nada. A qualquer momento ele pode desaparecer! Ele é muito sobrenatural; ele não tem raízes na terra. Ele é imprevisível. Por isso, ‘é melhor casar. Assim, fincamos raízes. Agora esse casamento não vai evaporar no nada. Ele é uma instituição!’.

Em toda situação – exatamente como no amor –, quando encontramos liberdade, nós a transformamos em escravidão. E quanto mais cedo melhor! Assim nós podemos relaxar. Por isso, toda história de amor termina em casamento. ‘Eles se casaram e viveram felizes para sempre.’

Ninguém está feliz, mas é bom terminar a história ali porque em seguida vai começar o inferno. Por isso toda história termina no momento mais bonito. E qual é esse momento? É quando a liberdade se torna escravidão! E isso não é apenas com o amor: isso é com tudo. Assim o casamento é uma coisa feia; é provável que venha a ser. Toda instituição tende a ser uma coisa feia porque ela é apenas um corpo morto de algo que um dia foi vivo. Mas com uma coisa viva, a incerteza provavelmente estará presente.

‘Vivo’ quer dizer que pode mover, pode mudar, pode ser diferente. Eu amo você; no próximo momento eu posso não amar. Mas se eu sou o seu marido, ou sua esposa, você pode ter a certeza de que no próximo momento eu também serei seu marido, ou sua esposa. Isso é uma instituição. Coisas mortas são muito permanentes; coisas vivas são momentâneas, mutáveis, estão num fluxo.

O homem tem medo de liberdade, mas a liberdade é a única coisa que faz de você um homem. Assim, nós somos suicidas – ao destruir nossa liberdade. E com essa destruição nós estamos destruindo toda nossa possibilidade de ser. Então você acha que ter é bom porque ter significa acumular coisas mortas. Você pode continuar acumulando; não existe um fim para isso. E quanto mais acumula, mais seguro você fica.

Eu digo que agora o homem tem que caminhar conscientemente. Com isso eu quero dizer que você tem que estar consciente de sua liberdade e também consciente de seu medo da liberdade.

Como usar essa liberdade? A religião nada mais é do que um esforço no sentido da evolução consciente, em saber como usar essa liberdade. O esforço de sua vontade agora é significativo. Qualquer coisa que você esteja fazendo não voluntariamente é apenas parte do passado na escala da evolução. O seu futuro depende de seus atos com vontade. Um ato muito simples feito com consciência, com vontade, dá a você um certo crescimento – ainda que seja um ato comum.

Por exemplo, você resolve jejuar, mas não porque você não tem comida. Você tem comida; você pode comê-la. Você tem fome; você pode comer. Você resolve jejuar: isso é um ato voluntário – um ato consciente. Nenhum animal pode fazer isso. Um animal jejua algumas vezes, quando não existe fome. Um animal terá que jejuar quando não existir alimento. Mas somente o homem pode jejuar quando existe ambos: a fome e o alimento. Isso é um ato voluntário. Você usa a sua liberdade. A fome não consegue incitar você. A fome não consegue empurrar você e o alimento não consegue puxar você.

Esse jejum é um ato de sua vontade, um ato consciente. Isso dará a você mais consciência. Você sentirá uma liberdade sutil: livre do alimento, livre da fome – na verdade, no fundo, livre do seu corpo, e ainda mais fundo, livre da natureza. A sua liberdade cresce e a sua consciência cresce.

Na medida que sua consciência cresce, a sua liberdade cresce. Elas são correlacionadas. Seja mais livre e você será mais consciente; seja mais consciente e você será mais livre.”

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15 Comments

    1. says: Thiago Mori

      O conhecimento pessoal sim. O científico é apenas parte seccionada do todo, e pode tanto ajudar quanto ser uma prisão (especialmente quando isolado). A filosofia científica, por si só, é uma prisão. O conhecimento q liberta é o autoconhecimento, e é disso q esse site fala.

    2. says: Crítico

      “Na medida que sua consciência cresce, a sua liberdade cresce.”
      “O conhecimento liberta?”
      -Sim.
      Todo conhecimento é bem vindo. No entanto, a liberdade só será conquistada com esforço.
      Nenhum conhecimento é ruim, mal, pecado ou ilegal. É apenas conhecimento, e servirá como base para sua sabedoria, que vai agir de acordo com a sua pessoa. Ou seja, o conhecimento não irá coloca-la e nenhuma prisão ou irá te libertar, sendo assuntos religiosos, científicos, filosóficos, e de experiências pessoais. Só você pode escolher, se aprisionar( se apegar) em algum tipo de dogma por exemplo, ou escolher ser livre.

  1. says: Silvana Nibon

    Texto muito rico, digno de uma profunda reflexaõ , eu acho que na prática naõ é tão simples assim ,as vezes ou melhor quase sempre somos impulsionados a fazermos escolhas,

  2. says: Dolly Neder

    Para ser libres (nunca totalmentes ) porque siempre intervienen nuestras emociones y nesecidades , precisamos ser AUTOCONSCIENTES ,fundamental “darnos cuenta ” y eso exigue un analisis y una resolucion para esa situacion . y ahi aparece el miedo . No fuimos preparados desde siempre ,como parte de nuestra educacion ,a ser responsables de nuestros actos . Se nos programo a que los “otros ” tienen la maldita culpa . Nuestros amigos ,los profesores , los politicos , nuestros relacionamientos amorosos . Siempre los otros , nunca YO. Y asi recorremos la vida buscando culpables , sin hacernos cargo de nuestros actos , de nuestrs enfermedades , de nuestros fracasos , Nadie nos enseno que precisamos parar para preguntarnos : Que hay en mi para que me suceda esto ?????, ….siempre el mismo tipo de enamorado , el mismo jefe y asi por diante , Entonces no hay forma de ser libres , porque no conseguimos ser duenos ni responsables de nuestras acciones . No aprendimos que el otro es el otro ,y hace lo que nosotros, esclavos de los otros , permitimos .
    Sobre el tema hay mucho mas

    1. Dolly, temas muy importantes en tu mensaje.

      A necessidade de trazermos as questões para nosso “foro íntimo”, interior, sem culpar ninguém, sem ter que perdoar ninguém, sem se voltar nem se fixar no exterior, é realmente fundamental para que essa liberdade possa ser vivida. “Dar-se conta”, como diria Fritz Perls (em espanhol). Se não o excesso de medos e projeções vai trazer de volta a necessidade de controles e escravidões…

      Mas outra coisa que você também diz é a transição de uma coisa pra outra, porque não temos preparo nem educação. Não sei de onde você escreve, mas a educação e a cultura brasileiras são muito direcionadas-ao-exterior, como é muito normal na cultura ocidental. Cultura, educação, entretenimento, tudo leva a discutir o problema que o exterior nos inflige, o drama do outro, a fixação no passado, a expectativa do futuro, quase que eximindo o papel autoral de nós mesmos, de modo que essa mudança na percepção é não só um esforço individual mas uma batalha para não deixar que nossa identificação com o exterior sabote todo o processo.

      São temas preciosíssimos mesmo. Se alguém tiver fontes que tratam disso, ou tiver escrito algo a respeito, adoraria conhecer e se possível compartilhar aqui.

      Um abraço grande,
      Nando

  3. says: Monica Facó

    Quanto maior a consciência maior a possibilidade de liberdade, sempre condicionada a uma existência não-livre: como a flor, também não escolhemos nascer e morrer.
    O medo nos torna distantes das possibilidades de liberdade e hábeis em nos transformarmos em escravos das piores situações: as eletivas. Não sabemos lidar com a impermanência de tudo (inclusive a nossa)e raramente conseguimos sermos aptos a liberdade em nossa individualidade e sabedores de bem nos conduzirmos na compreensão do todo que somos junto aos demais.
    Vejo o Osho como tendo sido condutor de idéias “certeiras” mas sem explicar muito bem ou questionar bastante os limites de cada um e do outro; não há comprovação de que alguém exerça sua liberdade sem esbarrar ou utilizar-se da escravidão de alguém menos avisado. Vejo assim.

  4. says: Thiago Mori

    Eu adoro esses conceitos, simpatizo com eles, e é tão gostoso deixar a vida fluir… A liberdade não precisa ser um fardo, assim como a responsabilidade que acarreta. Mas como conciliar esses conceitos com outros como família? Um casal não deve conviver sem amor, mas e quando desse amor autêntico, resulta a maior forma de expressão que é a vida?

    Abs

  5. says: cicero

    Em algum momento já li uma máxima que dizia que “liberdade é perfeição”, dito de outra forma;a todo momento que nos encontramos alinhado com a dignidade, tendo consciência do dever cumprido, organizado com nossas finanças, com nossas responsabilidades tendendo a ordem; com a oportunidade de pensar coerentemente em relação as ambiguidades, incoerências e poder construiu um conhecimento novo e universal ético. Fundamentado no conceito inicial,sinto assim, momentos de liberdade, momentos de perfeição e até de orgulho, não vaidade e tendo como companheiro, momentos de ter admiração por mim mesmo, algo que sinto também, quando observo meus amigos próximos, pessoas de vulto, artistas, descobertas que levarão ao bem estar de pessoas. vivenciarem tamanhas oportunidades.Sei que é muito mais.

  6. says: Graça

    A liberdade,na verdade, não existe. Ou melhor, existe como possibilidade.Deverá ser continuamente conquistada.
    Nossas decisões, via de regra, são dirigidas pelos mais diversos condicionamentos a que somos submetidos: culturais, sociais, religiosos, familiares e outros. E pior, sequer nos damos conta disto.
    Sair desta condição é um processo que exige um grande esforço no sentido de se autoconhecer.Processo este, infindável pois demanda uma contínua escuta do próprio coração. O que exige uma imensa coragem e honestidade para sermos capazes de admtir nosso narcisismo hercúleo e egoismo crasso, fundamento básico de nossa natureza animal-eu primeiro, não é assim que funcionamos?Daí resulta a tendência de atribuir a outros todo tipo de mazela nossa.
    Enfim, ser livre não é tarefa fácil!

  7. says: cicero

    Amigos,

    Me dou conta conceitos e coisas afins guarda relação com a evolução da langui e, nesse particular as línguas no mundo e provavelmente por meio do processo democrático(condições favorecedoras de” liberdade de expressão”) isto posto favorecem a plasticidade do pensar mais afetivo,apurado, sensível. Diante do exposto, me dou conta que em tais condições a inteligencia recebe mais assessoramento de outros fatores internos e externos, até então adormecidos; melhor dizendo, ou simplificando; só a inteligencia é pouco, o homem tem que colocar a ansiedade a serviço da inteligencia,a beleza e a fúria na natureza,as sutilizas do conhecimento inesperados, as surpresas que a imaginação nos brinda. E por ai vai, o entusiasmo pela vida pela porta do entrada do sentido da vida, muito bem elaborado por Emil Frankl, que veio ao mundo só para doar muito mais do que lhe tomaram.

  8. São mentes brilhantes,mas, prefiro a mais brilhante de todas, prefiro concordar com a mente de Jesus Cristo que afirma: … E CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE VOS LIBERTARÁ…andar com Jesus é ser totalmente livre…

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