7 trechos de “O Lado Sombrio dos Buscadores da Luz”, de Debbie Ford (1955-2013), sobre a aceitação plena de nós mesmos

Um dos principais temas da vida e dos livros da escritora americana Debbie Ford (1955-2013) foi a popularização do tema da “sombra“, conceito criado pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung, e que ela explorou de várias maneiras no livro “O Lado Sombrio dos Buscadores da Luz” (The Dark Side of The Light Chasers, 1998). É uma obra introdutória mas bastante interessante e rica em exemplos de como nossa sombra aparece e se projeta no mundo (e nos outros principalmente), no relato das experiências pessoais da autora e na citação de outros autores que exploraram o tema. Em virtude do seu falecimento ontem, de câncer, aos 57 anos (veja nota da família, original em inglês, escrita pela irmã Arielle Ford), selecionei 7 trechos dessa obra que li há muito tempo, mas que lembro ter elucidado com simplicidade e facilidade esse tema absolutamente essencial para o crescimento de qualquer pessoa, sem exceções.

Seguem os trechos de “O Lado Sombrio dos Buscadores da Luz” (Cultrix):

[1] “Meu amigo Bill Spinoza, um instrutor de grupo de estudos superiores da Landmark Education, diz: “Aquilo com que você não consegue coexistir não o deixará existir ”. Você precisa aprender a deixar que tudo o que você é exista. Se quiser ser livre, antes de tudo tem de “ser”. Isso significa que precisamos parar de nos julgar. Devemos nos perdoar por sermos humanos, imperfeitos. Porque, ao nos julgar, estamos automaticamente julgando os outros. E o que fazemos com os outros fazemos com nós mesmos. O mundo é um espelho de nós mesmos. Quando conseguimos nos aceitar e nos perdoar, fazemos a mesma coisa com os outros. Essa foi, para mim, uma dura lição a ser aprendida.

[2] A maioria das pessoas tem medo de encarar e assumir o seu lado sombrio, mas é lá na escuridão que você encontrará a felicidade e a sensação de estar completo com que vem sonhando há tanto tempo. Quando você usa o seu tempo para se descobrir por inteiro, abre as portas do verdadeiro esclarecimento. Uma das armadilhas da Era da Informação é a síndrome do “já conheço isso”. Com freqüência, o conhecimento nos impede de viver a experiência em nosso coração. O trabalho com a sombra não é intelectual; é uma viagem da mente ao coração. Diversas pessoas que trilham o caminho do aperfeiçoamento individual acreditam que completaram o processo, mas são incapazes de enxergar a verdade sobre si mesmas. Muitos de nós almejam ver a luz e viver na beleza do seu eu mais elevado, mas tentamos fazer isso sem integrar todo o nosso ser. Não podemos ter a experiência completa da luz sem conhecer a escuridão. O lado sombrio é o porteiro que abre as portas para verdadeira liberdade. Todos devem estar atentos para explorar e expor continuamente esse aspecto do ser. Quer você goste ou não, sendo humano, você tem uma sombra. Se não consegue vê-la, pergunte a alguém da família ou às pessoas com quem trabalha. Elas vão indicá-la para você. Pensamos que nossas máscaras mantêm nosso eu interior escondido, mas, todas as vezes que nos recusamos a reconhecer aspectos nossos e quando menos esperamos, ele dá um jeito de erguer a cabeça e fazer-se conhecido.

[3] A projeção é um fenômeno fascinante que a grande maioria das escolas deixa de ensinar aos estudantes. É uma transferência involuntária do nosso próprio comportamento para outras pessoas, dando-nos a impressão de que determinadas características estão presentes nos outros. Quando sofremos de ansiedade no que diz respeito às nossas emoções ou partes inaceitáveis da nossa personalidade, atribuímos esses aspectos – como um mecanismo de defesa – a objetos exteriores a nós ou a outras pessoas. Quando somos intolerantes com as outras pessoas, por exemplo, estamos inclinados a atribuir nosso sentimento de inferioridade a elas. Evidentemente, há sempre um “gancho” que favorece nossa projeção. Alguma qualidade imperfeita em outra pessoa ativa uma parte de nós mesmos que quer nossa atenção. Dessa forma, tudo o que não assumimos em relação a nós mesmos projetamos em outras pessoas.

[4] Instintivamente, nós recuamos diante de nossas projeções negativas. É mais fácil examinar aquilo que nos atrai do que aquilo que nos causa aversão. Se fico aborrecido com sua arrogância, é porque não estou assumindo a minha própria. Isso também é arrogância, que agora estou demonstrando sem perceber, ou a arrogância que renego, a qual serei capaz de demonstrar no futuro. Se fico aborrecido com a arrogância, preciso examinar bem de perto todos os recantos da minha vida e me perguntar o seguinte: no passado, quando fui arrogante? Estou sendo arrogante neste momento? Pode acontecer que eu me comporte com arrogância no futuro? Com certeza eu estaria sendo arrogante se respondesse não a essas perguntassem me examinar com cuidado ou sem perguntar a outras pessoas se alguma vez me viram agindo com arrogância. O ato de julgar alguém é arrogante; portanto, evidentemente, todos temos a capacidade de ser arrogantes. Se eu incorporar minha própria arrogância, não me aborrecerei com a dos outros. Vou percebê-la, mas ela não me afetará. A tomada da minha arrogância estará envolvida por uma chapa de proteção. Só quando você mente para si mesmo ou odeia alguma característica sua é que recebe uma carga emocional originada do comportamento de outra pessoa.

[5] Nossa carapaça exterior é que enfrenta o mundo, escondendo as características que constituem sua sombra. Nossas sombras são tão bem disfarçadas que, muitas vezes, mostramos uma face para o mundo quando, de fato, é o extremo oposto que realmente está dentro de nós. Algumas pessoas usam uma camada de agressividade, que esconde sua sensibilidade, ou uma máscara de humor, para cobrir sua tristeza. As pessoas que “sabem tudo” normalmente estão disfarçando o fato de se sentirem burras, enquanto que as que agem com arrogância precisam ainda revelar sua insegurança. A pessoa gentil, esconde o canalha dentro de si, e a sorridente oculta a irritada. Precisamos olhar além de nossas máscaras sociais para descobrir nosso eu autêntico. Somos mestres do disfarce, enganamos os outros, mas nos enganando também. São as mentiras que contamos a nós mesmos que temos que decifrar. Quando nunca nos sentimos completamente satisfeitos, contentes, saudáveis ou realizando nossos sonhos, é porque essas mentiras estão no nosso caminho. É assim que reconhecemos nossa sombra, quando a trabalhamos.

[6] A maioria das pessoas almeja encontrar a paz de espírito. Essa é a busca de uma vida, uma tarefa que requer nada menos do que aceitar a totalidade do seu ser. Descobrir benefícios até nas qualidades que mais odiamos é um processo criativo que necessita apenas do desejo profundo de ouvir e aprender, da vontade de liberar crenças e juízos anômalos e da prontidão para se sentir melhor. Seu verdadeiro eu não julga. Somente o ego guiado pelo medo cria juízos para nos proteger – proteção essa que, ironicamente, nos impede de chegar à realização pessoas, Precisamos estar preparados para amar tudo aquilo de que temos medo. “Meus ressentimentos escondem a luz do mundo”, como está escrito em Um Curso em Milagres.

[7] Um velho mestre diz: “O mundo é um professor para o sábio e um inimigo para o tolo”. Nenhum acontecimento é doloroso em si e por si mesmo; tudo é uma questão de perspectiva. É importante compreender que tudo o que acontece no mundo é exatamente como deveria ser. Não há erros nem acidentes. O mundo é um céu paradisíaco e um abismo sem fundo. Quando compreendemos que não podemos ter um sem ter o outro, fica mais fácil aceitar o mundo como ele é. Olho para o meu passado cheio de mentiras e de ilusão, dor e mágoa, drogas e sexo, mas sei que, sem todas essas experiências e a escuridão que me acompanhou durantetanto tampo, eu não teria sido capaz de ensinar como faço hoje. Todos os incidentes do meu passado, as noites insones, as lágrimas derramadas me deixam um pouco mais perto de cumprir a jornada da minha alma. Ninguém diz aquilo que digo da mesma maneira que eu. Ninguém faz as coisas que faço do mesmo jeito que eu. Eu sou eu e você é você. Cada um de nós é único, e todos nós temos uma jornada própria especial.

/////

More from Nando Pereira (Dharmalog.com)
A eternidade de Erwin Schrödinger
“O presente é a única coisa que não tem fim.” Erwin Schrödinger.
Leia Mais
Join the Conversation

17 Comments

  1. Obrigada por postar, ainda não conhecia esta autora, mas os textos são de uma clareza e realismo poucas vezes visto. Poucas pessoas se dispoe e/ou tem coragem para tratar do
    tema “Sombra”…. e bem sabemos da importancia do mesmo. Afinal, somos luz/sombra, e negar uma parte de nós não é a melhor opção.

  2. says: norma7

    Oi Nando,
    Grata pela sensibilidade em assinalar a perda da Debbie.
    +++++++

    1) “Conhece-te a ti mesmo”, antes de qualquer coisa

    2) A Sombra faz parte da nossa personalidade e, quando compreendida, pode nos levar ao caminho da plenitude.

    3) O abaixo faz parte de um e-mail recebido de um contato de Lisboa e por achar tão ‘atual’, compartilho:
    Quote
    “Sombras”
    .
    – Um destes dias uma paciente (PAC) que entra indignada e ao mesmo tempo, a sentir-se impotente para fazer alguma coisa. Eu (PSI), depois de a convidar a acomodar-se, pergunto:

    PSI: Em que posso ajudar?
    .
    PAC: Já não sei, o que pensar, o que fazer, já não sei quem sou: só consigo ver desgraça, violência e medo. É muito inseguro sair á rua. Meto-me num cantinho e estou a deprimir.
    .
    PSI: E o que vê exactamente nessa desgraça, nessa violência que me está a reflectir?
    .
    PAC: Como assim, o que vejo?
    .
    PSI: O que sente quando vê?
    .
    PAC: Sinto raiva, desprezo por esta gente, vontade de fazer explodir tudo…
    .
    PSI: Exactamente, o que “essa gente” sente, já reparou? É assim que começa a violência: quem tem raiva, parte para a explosão interior ou exterior, nos outros. Você está a ver neles o que tem em si, que não quer admitir, olha-se ao espelho sem perceber.
    .
    PAC: Eu? Então eu que quero paz e harmonia, você diz-me que eu é que tenho violência e raiva?
    .
    PSI: Foi a Srª que disse, eu não invento nada. A Srª está a ser invadida pela sua própria sombra e como quer manter uma auto-imagem de “Paz e Amor” nem se apercebe que aquilo que vê nos outros está em si, se estivesse com compaixão apenas observaria o que se passa à sua volta e nada teria impacto desgastante, como tem. É tudo uma questão de espelhos.
    .
    PAC: Ora essa, nunca tinha visto por esse prisma…
    .
    PSI: Pois, nunca ninguém quer ver as suas sombras, e muito menos a sua própria luz, porque ninguém pode ter veleidade de chegar á luz sem passar pela própria escuridão. Quem diz o contrário, mente, não porque queira, mas por ignorância ou medo de se ver por dentro.
    .
    PAC: Então, e agora, o que faço com isto? O que faço com estas sombras, que , como diz estão dentro de mim?
    .
    PSI: Há várias maneiras de se lidar com elas, dependendo do seu grau de entendimento e empenho, mas posso dizer-lhe já, O QUE NÃO FAZER COM ELAS : Querer ver-se livre delas, empurrá-las para os outros ou odiá-las. Tente percebê-las como partes de si que precisam de ser entendidas e ouvidas. Só assim elas se tornarão suas aliadas, em vez de inimigas.
    .
    PAC: E quando estiver por exemplo a ver tv ou a ouvir conversas?
    .
    PSI: Observe o que sente, e diga para esses sentimentos que você não os despreza nem odeia, mas que os quer entender. Estará a caminhar para a compaixão e não para a impotência que sente.

    Depois disto fizemos um exercício demonstrativo.
    A própria impotência que sentia, diluiu-se e transformou-se em empenho e mudanças. Por dentro, claro, que por fora só se verão quando a perspectiva mudar de facto.
    Trabalhar com as nossas sombras é o caminho para atingirmos a nossa luz. O mundo está cheio da nossa própria escuridão.

    Unquote

    (1) Não é fácil. Fácil é carpir um terreno!
    (2) Espero que de alguma forma nos ajude. __/\__

    Boa Sorte, Norma

    1. Oi Norma,

      Interessante esse trecho da sessão de atendimento, me pareceu até “fácil demais”, nem sempre a percepção é tão rápida (“ora, nunca tinha visto por esse prisma”…).

      Qual é a fonte, Norma?

      Namastê,
      Nando

    2. says: norma

      Oi Nando,

      “O abaixo faz parte de um e-mail recebido de um contato de Lisboa e por achar tão ‘atual’,compartilho:”

      Como dito acima, é parte pinçada de uma mensagem pessoal, trocada entre mim e uma amiga.

      Isso não retrata nem uma terapia breve. É uma situação hipotética.

      Falávamos sobre Sombra X Violência no RJ/SC e o crescimento do Medo que surge daí – sobrepujando o Amor. (Você não está no mundo. O mundo está em você. – D.Choopra).

      Ela usou esse diálogo (não sei se de sua pp autoria – capacidade para tal ela tem – Pisc*) para ilustrar e agradecer o material que eu havia lhe indicado e livros sobre o assunto, que um portador recém lhe entregara: 1 pelo Natal (25/12) do D.Choopra e outro pelo niver (26/12) – do L.Gasparetto e Lucio Morigi.
      +++++++
      Quote
      “Nada é algo sem não ser outro algo.”
      _____________________________
      É a existência do outro que me dá consciência da minha pp existência e assim vou refinando e conscientizando através do ‘outro’, até me aproximar de quem realmente sou.
      “A alteridade é, portanto, categoria fundamental do pensamento humano.”
      Assim como a lapidação de um diamante só é conseguida através do atrito com um outro diamante.
      Lisi: Belo tema. Grata
      Fique bem, Norma
      Unquote

      Interessante você me perguntar pela Fonte da forma como fez (2a ou 3a vez?),pois a impressão que tenho é que sempre me preocupo bastante com isso (^.~)

      Nota: As frases entre aspas são da Lisiane Pohlmann.

      Boa Sorte, Norma

  3. says: henrique

    só se sabe de verdade o que é sofrer quem passou pela experiencia do sofrimento e ninguem melhor de que Debie ford para falar sobre este assunto pois ela viveu esta experiência. É no reconhecimento de nossas fraquezas(sombras) que nossa força(luz) se revela.

  4. says: luciana

    estou pasma hoje de manhã estava escrevendo exatamente sobre a minha resistencia em aceitar as minhas sombras e as desculpas esfarrapadas de justifica-las…..me tornando uma sádica perfeccinista……………jesus e agora este texto chega as minhas mãos…..tudo a ver…..universo conspirando a favor……….deus abençõe que eu consiga a humildade para trilhar o caminho da paz e do amor…………..

  5. Perfeito,eu estou já trilhando alguns anos depois de muito buscar mais estou bastante satisfeita com meus resultados,li muitos livros que ensina a mudar a si mesmo. O caminho infinito,o trovejar no silencio,o poder do agora praticando a presença etc Joel Goldsmith e todos do Joseph Marfine variosoutros.

Leave a comment
Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *