É engraçado, mas nem tanto né. É como correr da situação, ou inventar um outro

É engraçado, mas nem tanto né.

É como correr da situação, ou inventar um outro problema para resolver o anterior. Exceto que não resolve.

Afinal, qual é o problema de se distrair com um filmezinho sobre um futuro distópico depois de um dia difícil? Depois de uma semana pesada na distopia da própria vida? A distração parece ter um lado sensato e compreensível.  

O que pode ser meio insensato é escolher justamente uma distopia do futuro para distrair da atual. A quantidade de perturbação e caos que há num filme desses pode ser ainda mais estressante para alguém que já está atordoado. 

Sigmund Freud tem uma tese interessante sobre isso: ele diz que vamos tentar “viver” na ficção o que não conseguimos viver na vida real. Num ensaio de 1915, ele diz que “resta então apenas procurar no mundo da ficção, na literatura, no teatro, a compensação do que na vida minguou. (…) No campo da ficção, deparamos com a pluralidade de vidas de que necessitamos”.

Mal desconfiava ele da quantidade de ficção que teríamos hoje, e de quantos recursos elas oferecem.

No caso de escolher uma ficção distópica futurista, a busca seria por “viver” possibilidades que não viveremos na nossa própria distopia presente. Viver a coragem de um protagonista, por exemplo. Tomar uma grande decisão, vencer uma batalha importante, falar o que se pensa, dar-se conta de limites e de sacrifícios necessários, etc.

“Nós morremos no filme, identificados com o herói, mas o superamos, pois sobrevivemos sem danos, prontos para o próximo”, adiciona Freud.

É possível que também, ao assistir uma distopia do futuro no cinema, seremos presenteados com a sensação gostosa que nossa distopia atual é bem menos grave. Afinal, nenhum filme faria uma distopia meia boca, certamente será uma distopia fantástica insuperável. Perto dela, nossa própria realidade distópica é uma brisa leve. Embora continue exatamente a mesma. E o filme não resolva absolutamente nada dela.

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PS: Fazendo um contraponto, se a distração não for habital e trouxer alívio real, talvez possa servir para melhor lidar com a distopia atual, a tempo de resolvê-la.

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