“Por favor, não construam uma stupa para mim. Por favor, não coloquem minhas cinzas em um vaso, não me prendam dentro e limitem quem eu sou.
Sei que isso será difícil para alguns de vocês. Se você tiver que construir uma stupa, por favor prometa que vai colocar uma placa nela que diz:
“Eu não estou aqui”.
Além disso, você também pode colocar outra placa que diz:
“Eu também não estou lá fora”.
E uma terceira placa que diz:
“Se eu estiver em algum lugar, é na sua respiração consciente e nos seus passos calmos”.
— Thich Nhat Hanh
Essa é uma das mensagens que monge zen vietnamita Thich Nhat Hanh expressou para esse que pode ser um dos seus últimos ensinamentos espirituais em vida: o de como morrer em paz. De como realizar a impermanência, o desapego, a gratidão e a alegria de viver. Aos 92 anos e quase 5 depois de sofrer um derrame cerebral, Thich Nhat Hanh foi o assunto de uma entrevista na revista VOX, publicada esta semana (Thich Nhat Hanh’s final mindfulness lesson: how to die peacefully), feita originalmente com o monge Phap Dung, discípulo de Thich Nhat Hanh e um dos coordenadores seniors da Plum Village, o principal comunidade monástica criada pelo mestre.
Como monge muito próximo a Thich Nhat Nhan, Phap Dung falou a respeito da decisão do mestre de retornar ao Vietnã, sua terra natal, no ano passado, e sobre sua última lição para seus alunos ao redor do mundo. “Ele está voltando pra casa”, diz Phap Dung. “Esse período de transição é sua última e mais profunda lição para nossa comunidade. Ele está mostrando como fazer a transição graciosamente, mesmo depois de um derrame e estando limitado fisicamente. Ele ainda desfruta de cada oportunidade que ele tem em cada dia”.
Além da mensagem que o próprio Thich Nhat Hanh escreveu traduzida acima, sobre o que fazer quando ele se for, traduzi também três trechos da entrevista abaixo. A entrevista completa, em inglês, está no site da VOX aqui. Quem conhece o Dharmalog há algum tempo sabe da imensa reverência e inspiração que ele é, e esses trechos das falas de Phap Dung também são para nosso aprendizado e prática.
DEIXAR IR É TAMBÉM DEIXAR VIR
Phap Dung: “Minha prática não é esperar pelo momento quando ele terá seu último suspiro. Cada dia eu pratico deixá-lo ir, ao deixá-lo estar comigo, dentro de mim, e com cada uma das minhas respirações conscientes. Ele esta vivo na minha respiração, na minha consciência. Inspirando, eu respiro com meu professor dentro de mim; expirando, eu o vejo sorrindo comigo. Quando damos um passo com gentileza, deixamo-lo andar conosco, e permitimos que ele continue dentro dos nossos passos. Deixar ir é também uma prática de deixar vir, deixar seu professor estar vivo em você, e ver que ele é mais do que apenas um corpo físico agora no Vietnã.”
APRENDER A MORRER
(O que você aprendeu sobre morte com seu professor?)
Phap Dung: “Há morrer no sentido de deixar esse corpo ir, deixar ir os sentimentos, emoções, essas coisas que chamamos de nossa identidade, e praticar deixá-las ir. O problema é que nós não nos permitimos morrer dia após dia. Ao invés disso, carregamos idéias uns dos outros e sobre nós mesmos. Algumas vezes é bom, mas outras vezes é prejudicial ao nosso crescimento. Nós nos marcamos e aprisionamos a uma idéia. Deixar ir é uma prática não só para quando chegarmos aos 90 anos. É uma das práticas mais nobres. Ela pode lhe mover para a equanimidade, um estado de liberdade, uma forma de paz. Acordar cada dia como um renascimento, essa é a prática. Na dimensão histórica, praticamos aceitar que chegaremos ao ponto em que o corpo estará limitado e ficará doente. Há nascimento, velhice, doença e morte. Como vamos lidar com isso?”
CORPO ESPIRITUAL
Phap Dung: “Estamos conscientes que dia após dia todos vamos nos deteriorar e morrer – nossos neurônios, braços, carne e ossos. Mas se nossa prática e nossa consciência for forte o suficiente, podemos ver além do corpo que morrer e prestar atenção também ao nosso corpo espiritual. Nós continuamos através do espírito da nossa fala, do nosso pensamentos e das nossas ações. Esses três aspectos de corpo, fala e mente continuam. Essa consciência também nos ajuda a termos mais atenção em nossa vida diária, e celebrar cada momento e cada pessoa em nossa vida”.
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A maioria das pessoas não querem paz. Querem satisfação de desejos específicos que fazem parte do seu caminho existencial. Honestamente, acredito que nem uma planta quer paz.
Lindíssimo texto, quanta inspiração
Muito inspirador, mesmo. Obrigada por compartilhar tanto com a gente. Adoro seu trabalho… Sigamos, seguimos…