Para quem tem pressa e não quer perder mais nenhum tempo na vida, a recomendação espiritual “final” da autora americana Gangaji é bem simples: “Pare e desista!“. Num texto autobiográfico intitulado “O Fim de Todas as Desculpas“, publicado em seu site gangaji.org, ela conta resumidamente sua inspiradora história de vida e de busca espiritual, que culmina com o encontro com o mestre indiano Sri H.W.L. Poonjaji, o “Papaji“, que lhe disse exatamente a mesma coisa que ela recomenda agora a todos que lhe procuram por auto-conhecimento: pare e desista. Ela conta sobre seu encontro com o mestre:
“Eu não queria perder nenhum tempo e (quando encontrei Papaji pela primeira vez) imediatamente disse, “Papaji, me diga o que fazer. Estou pronta pra fazer”. Ele ouviu a honestidade com a qual eu falava e riu, dizendo “Excelente. Você está pronta pra não fazer nada?”. Da primeira vez, não entendi o que ele quis dizer. Eu disse, “Sim, ok, estou pronta pra fazer nada, mas agora o que eu faço?”. Ele disse, “Não, eu digo que não faça nada”. Ainda assim implorei a ele, “Ok, entendo não fazer nada, mas o que eu faço?”. Ele riu de novo, batendo nas minhas costas, e disse, “Estou lhe dizendo para parar tudo. Pare todas as técnicas para alcançar o que quer que seja. Reconheça todas as suas estratégias para conquistar algo, e pare-as”. Claro que quando ouvi isso pela primeira vez, ouvi um nível relativamente superficial.”
— Gangaji, “The End of All Excuses”
Provavelmente vai acontecer algo parecido quando você ler o texto abaixo, que é apenas um trecho do artigo completo dela — que apesar de ser um relato autobiográfico breve, é um texto longo. O texto é muito rico e inspirador, não somente porque é um convite importante e porque tem frases significativas e simples como “dedique esse momento a parar de fazer“, ou “esse não é um caminho que leva a algum lugar“, ou ainda, “finalmente, não há mais desculpas“, mas também porque Gangaji é uma “pessoa normal”, que tem marido, uma filha, vai ao cinema, gosta de caminhar etc. “Não tive nenhum nascimento auspicioso, (…) não fui criada por pais espiritualmente avançados nem em uma sociedade iluminada”. Tem uma vida “bem normal“, como ela mesma diz.
Gangaji nasceu no Texas em 1942 (tem 75 anos), com o nome de Merle Antoinette Roberson – o nome “Ganga” foi dado por seu mestre em 1990. Foi iniciada no Budismo, praticou meditação Zen e Vipassana, ajudou a administrar um Centro de Meditação de Budismo Tibetano, teve Kalu Rinpoche como um de seus mestres, e finalmente encontrou Papaji. Parece uma vida espiritual intensa, mas lendo o texto dela você vai ver que ela percorreu de maneira também “normal”, teve sua recaídas, até que finalmente encontrou o “fim da linha”. Vale a pena ler o texto inteiro, porque ler sobre a vida dela parece nos aproximar do nosso próprio parar e desistir (embora isso seja só um pensamento).
Para quem quiser ler o texto inteiro, em inglês, está neste link.
Gangaji também escreveu um livro autobiográfico, intitulado “Just Like You“, que pode ser adquirido (em inglês) na Amazon.
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O Fim de Todas as Desculpas
Por Gangaji*
Estou lhe mostrando o que meu professor me mostrou, que é parar de fazer. Dedique esse momento a parar de fazer. Se você for agraciado com a capacidade de verdadeiramente ouvir essa profunda mensagem, mesmo que por um instante, você poderá reconhecer que isso já está feito. Qualquer pensamento de separação, com qualquer sofrimento que venha junto, ainda é apenas um pensamento. A separação deve ser mantida, deve ser pensada, deve ser provada e deve ser praticada para existir. Sem essa manutenção, a experiência da separação desaparece.
Seja como for que a vida diária se apresente, seja ela devotada à tarefas monásticas ou uma vida no meio do mundo, cada momento é uma oportunidade para perceber quem você é. A investigação profunda revela que quaisquer limitações prévias que você sente lhe impedem de ser quem você é, grande ou pequeno, são apenas conceitos, conceitos que, quando não mantidos pela atividade mental, não podem causar sofrimento. Esses conceitos podem ser liberados para que você, como você é, possa brilhar plenamente. Este é o convite que estendo a você.
Esse não é um caminho que leva a algum lugar. Esse é um caminho onde você reconhece que a tendência de ir a algum lugar é a tendência de seguir o pensamento. É o caminho que lhe pára na sua rota para que você possa descobrir diretamente quem você é.
Finalmente, não há mais desculpas. Exatamente como você, sou uma criatura deste planeta. Não tive nenhum nascimento auspicioso, sob nenhuma grande estrela. Certamente não fui criada por pais espiritualmente avançados nem em uma sociedade iluminada. Sou casada. Tenho uma filha. Tenho vivido uma vida bem normal.
Gastei a maioria dessa vida procurando por felicidade de todas as maneiras que pude, até que encontrei uma força gigantesca que disse “Pare! Desista!”. Por alguma graça eu disse, “Okay”. Essa é a sua graça. Não é diferente. Desista de tudo e você verá imediatamente o que nunca pode ser perdido. Então você saberá onde é sua verdadeira casa, e finalmente você pode descansar.
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Tradução: Dharmalog.
Muito bom!
Nada a fazer, nenhum lugar a ir…
Obrigado por compartilhar esse belo texto, Nando. Abç
Gratidão por este texto!
Esperamos por mais textos desta magnitude, pois tudo o que lemos e acessamos é que temos que fazer coisas o tempo inteiro, gerando mais stress.
Precisava algo assim…que me falasse pra parar, simplesmente parar de buscar e me encontrar…
Namaste
Namaste Erica! _/\_
Quando se fala em parar, isso quer dizer também parar de ler, como os conteúdos aqui nesse site e livros inspiradores? Parar de fazer “práticas” de meditação?
Rowena, boa pergunta. Sim e não. Sim, parar seria parar de fazer tudo, os conteúdos aqui, livros etc. Toda forma de busca, que reafirma um engano de achar que não se é. E não, não parar nada disso se ainda não se compreendeu o que está implicado em parar. Parar com todas as dúvidas, abandonar as práticas, e permanecer em confusão não me parece muito frutífero. A meditação, dependendo da escola, é um treinamento na arte de parar. Então precisa ser praticada.
Desculpe se mais confundi do que esclareci. Seguimos juntos.
namasTe
rs, obrigada Nando!
Mas aí questiono..E todas essas pessoas que não estão nessas buscas (espiritualidade, autoconhecimento), se “parar” é a “resposta”, então, estes que nao tem essa ânsia, curiosidade, interesse, e estão mais “a toa” sem talvez nem saber o que é iluminação..Pq a grande maioria não se realiza assim?
Nada disso serve para quem não busca. Isso pressupõe a busca. Eu diria que a resposta é até mais dirigida à sua pergunta, Rowena, ao que você questionou. Mas, de qualquer maneira, quem não busca não está preocupado com nada disso.
Muito bom! Obrigada pela tradução!