O Divino existe como separado do mundo?
A Verdade existe como separada do ser humano? Da consciência?
Eles concordam em algumas questões, em outras nem tanto. “Este mundo é um mundo humano – a visão científica dele também é a visão do homem científico”, argumenta Tagore. “Esta é uma concepção puramente humana do universo”, contrapõe Einstein, em outro momento.
Essas e outras questões filosóficas e científicas estão nesse diálogo histórico entre o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) e o poeta, pintor e músico indiano Rabidranath Tagore (1861-1941), ambos sumidades nos seus campos e ambos premiados pelo Nobel. O encontro aconteceu em 14 de julho de 1930, em Berlim, quando foi registrado, além da foto acima, o diálogo abaixo, que depois seria seguido de outros diálogos igualmente registrados (há alguns livros onde há trechos em português, como “A (re) Descoberta do Ser”, de Moacir Costa, e .”A Religião do Homem”, de Luiz Greco). Algumas das questões ou respostas podem ser consideradas superadas por alguns, mas a maioria delas instiga à reflexão sobre a consciência humana no mundo, a Verdade universal e qual é de fato a relação entre elas.
Segue a reprodução do diálogo contido no livro “Science and the Indian Tradition: When Einstein Met Tagore” (Routledge, 2007), de David L. Goslin, traduzido pelo site Kryia Yoga Hariharananda Brasil. O livro ainda não possui edição brasileira, mas o diálogo em português consta na obra “Einstein Reflexões Filosóficas“, de Irineu Monteiro (Alvorada, 1985), disponível na Internet.
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EINSTEIN: Você acredita no Divino como separado do mundo?
TAGORE: Sem separação. A personalidade infinita do Homem compreende o Universo. Não existe nada que não possa ser absorvido pela personalidade humana, e isso prova que a Verdade do Universo é a Verdade humana.
Eu tomo de um fato científico para explicar isso – Matéria é composta de prótons e elétrons, com espaços entre eles; mas a matéria pode parecer sólida. Similarmente a humanidade é composta de indivíduos, ainda assim eles tem interconecções de relacionamento humano, o que dá unidade ao mundo humano. O universo inteiro está ligado a nós de maneira similar, é um universo humano. Eu tenho perseguido este pensamento através de arte, literatura e da consciência religiosa do ser humano.
EINSTEIN: Existem duas concepções diferentes sobre a natureza do universo: (1) O mundo como unidade dependente da humanidade. (2) O mundo como realidade independente do fator humano.
TAGORE: Quando nosso universo está em harmonia com o Homem, o eterno, nós conhecemos isso como Verdade, nós sentimos isso como beleza.
EINSTEIN: Esta é uma concepção puramente humana do universo.
TAGORE: Não pode haver outra concepção. Este mundo é um mundo humano- a visão científica dele também é a visão do homem científico. Existe um princípio comum de razão e apreciação que lhe confere Verdade, o princípio comum do Homem Eterno, cujas experiências se dão através de nossas experiências.
EINSTEIN: Isto é realização da entidade humana.
TAGORE: Sim, uma entidade eterna. Nós temos que tomar consciência disso através de nossas emoções e atividades. Nós realizamos em nós o Homem Supremo que não tem limitações individuais através de nossas limitações. Ciência ocupa-se daquilo que não está limitado aos indivíduos; é o mundo humano impessoal das Verdades. Religião realiza estas Verdades e as liga às nossas necessidades mais profundas; nossa consciência individual da Verdade adquire significação universal. Religião adiciona valores à Verdade, e nós reconhecemos essa Verdade como boa através de nossa própria harmonia com ela.
EINSTEIN: Verdade, então, ou Beleza, não é independente do Homem?
TAGORE: Não.
EINSTEIN: Se não houvessem mais humanos, o Apolo de Belvedere não continuaria sendo belo?
TAGORE: Não!
EINSTEIN: Eu concordo no que se refere à concepção de Beleza, mas não em relação à Verdade.
TAGORE: Por que não? Verdade é realizada através do ser humano.
EINSTEIN: Eu não posso provar que minha concepção está certa, mas esta é minha religião.
TAGORE: Beleza está no ideal da harmonia perfeita que está no Ser Universal; Verdade a compreensão perfeita da Mente Universal. Nós indivíduos nos aproximamos disso através de nossos próprios erros e desatinos, através de nossa experiência acumulada, através de nossa consciência iluminada – de que outra forma, se não essa, podemos conhecer a Verdade?
EINSTEIN: Eu não posso provar cientificamente que Verdade precisa ser concebida como a Verdade que é válida independente da humanidade; mas eu acredito nisso firmemente. Eu acredito, por exemplo, que o teorema de Pitágoras na geometria determina algo que é aproximadamente verdadeiro independente da existência do homem. De qualquer forma, se existe uma realidade independente do homem, também existe a Verdade relativa a esta realidade; e de certa forma a negação da primeira gera a negação da existência da seguinte.
TAGORE: Verdade, que é uma com o Ser Universal, precisa essencialmente ser humana, senão o que quer que nós humanos concebamos como verdadeiro não pode ser chamado de verdade – ao menos a Verdade que é descrita como científica e que pode apenas ser alcançada através do processo da lógica. Em outras palavras, através de um orgão de pensamentos que é humano. De acordo com a Filosofia Indiana, existe Brahman, a Verdade absoluta, que não pode ser concebida pelo isolamento da mente individual ou descrita por palavras, mas que pode apenas ser realizada pela completa fusão do individual em seu infinito. Mas tal Verdade não pode pertencer à Ciência. A natureza da Verdade que nós estamos discutindo é uma aparência – dito isso, o que aparenta ser verdadeiro à mente humana, e portanto é humano, e pode ser chamado de maya ou ilusão.
EINSTEIN: Então, de acordo o seu entendimento, que pode ser o entendimento indiano, não é a ilusão do indivíduo, mas da humanidade como um todo.
TAGORE: As espécies também pertencem a uma unidade, à humanidade. Portanto a mente humana inteira realiza Verdade; a mente indiana ou a européia encontram-se em uma realização partilhada.
EINSTEIN: A palavra espécies é usada em alemão para todos os sêres humanos, na verdade, até mesmo os macacos e os sapos pertencem a isso.
TAGORE: Em ciência nós aplicamos a disciplina de eliminação das limitações pessoais de nossas mentes individuais e assim atingir aquela compreensão da Verdade que é a mente do Homem Universal.
EINSTEIN: O problema começa se por acaso a Verdade é independente de nossa consciência.
TAGORE: O que nós chamamos verdade reside na harmonia racional entre os aspectos objetivos e subjetivos da realidade, ambos os quais pertencem ao homem supra-pessoal.
EINSTEIN: Até mesmo em nossa vida diária nos sentimos compelidos a atribuir uma realidade independente do homem aos objetos que usamos. Nós fazemos isso para conectar a experiência de nossos sentidos de uma maneira razoável. Por exemplo, se ninguém está em casa, ainda assim a mesa permanece onde está.
TAGORE: Sim, permanece fora da mente individual, mas não fora da mente universal. A mesa que percebo é percebida pela mesma forma de consciência que eu possuo.
EINSTEIN: Se ninguém estiver na casa, a mente continuará a existir da mesma forma – mas isto já está invalidado do nosso ponto de vista – porque nós não podemos explicar o que significa a mesa estar lá, independente de nós.
Nosso ponto de vista natural em relação à existência da verdade separada da humanidade não pode ser explicado ou provado, mas é uma crença da qual ninguém pode se abster – nem mesmo seres primitivos. Nós atribuímos à Verdade uma objetividade super-humana; é indispensável para nós, essa realidade que é independente de nossa existência e de nossa experiência e de nossa mente – apesar de não conseguirmos dizer o que isso significa.
TAGORE: A ciência tem provado que a mesa como um objeto sólido é uma aparência e no entanto aquilo que a mente humana percebe como mesa não existiria se essa mente fosse anulada. Ao mesmo tempo é preciso admitir que o fato, que a última realidade física é nada senão uma série de centros circulatórios de força elétrica separados, que também pertencem à mente humana.
Na apreensão da Verdade existe um conflito eterno entre a mente humana universal e a mesma mente confinada no indivíduo. O perpétuo processo de reconciliação tem sido levado adiante através de nossa ciência, filosofia, em nossa ética. Em todo caso, se existir alguma Verdade absolutamente não relacionada à humanidade, então para nós é absolutamente não-existente.
Não é difícil imaginar uma mente para a qual a sequência de coisas acontecem não no espaço mas apenas no tempo, como a sequência de notas em música. Para tal mente, tal concepção de realidade é igual à realidade musical na qual a geometria de Pitágoras pode não ter significado. Existe a realidade do papel, infinitamente diferente da realidade da literatura. Para o tipo de mente possuída pela traça que come aquele papel, literatura é absolutamente não existente, ainda que para a mente do Homem literatura tenha um valor maior de Verdade que a realidade mesmo do papel. De uma maneira similar, se há alguma Verdade que não tem sensorialidade ou relação racional com a mente humana, permanecerá como nada enquanto permanecermos seres humanos.
EINSTEIN: Então eu sou mais religioso do que você!
TAGORE: Minha religião é a reconciliação do Homem Supra-pessoal, o espírito humano universal, no meu próprio ser individual.
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Ao contrário do que acima é afirmado, existe um livro da editora Alvorada-São Paulo, Brasil, de Irineu Monteiro que se intitula “Einstein Reflexões Filosóficas” que reproduz o diálogo entre Einstein e Tagore, a edição é de 1985.
Obrigado Ricardo. A informação foi acrescentada ao post.
Obrigado Nando Pereira, por todo o trabalho produzido.
Bem haja
Bem haja, Carlos. Obrigado pela visita e pelas palavras.
Certamente a verdade e relativa, pois assim através da verdade de humano para humano envolve sentimentos, os quais não e exato . Porém existe e é verídica; sendo que a verdade científica usando as leis da fisica, nos humanos chegamos a fisão do átomo o que atualmente nos fez, descobrir as dobras cósmicas.
Em fim a verdade , verdadeira sempre muda pois há as descobertas constantes dos humanos, que utilizam de suas sensibilidades.
obrigada.
simplesmente fantástico.
O encontro se deu em 1930, mas Tagore, como pensador, deveria considerar que as Leis Universais fluem indiferentes ao tempo, e que o ser humano é um agente secundário no processo universal, sua personalidade é restrita ao meio em que vive, a absorção pela consciência vai além, mas é dependente do nivel evolutivo.
Em todo o diálogo fica claro o conceito sobre o ser humano como protagonista dos fenômenos universais, sob esse aspecto, um raciocinio ascensional mais abrangente não se sustenta…
Mas o que Tagore quer dizer é isso… Acho que frequentemente confundimos “realidade” com “verdade” (como Einstein). Veja, as Leis Universais não fluem indiferentes ao tempo… A realidade, a natureza sim, pode existir independente do ser humano. Mas só o homem atribui à natureza tais leis universais… que são “verdadeiras” no sentido que correspondem a ela, ou que o homem identifica como sendo algo intrínseco a ela… A realidade, a natureza, não é verdadeira nem falsa sem que o homem atribua algum sentido ou valor (ou uma lei) a ela.
Gostaria de vê-lo fazendo essa observação diante dele. Com certeza você compreenderia mais um aspecto dessa Verdade. Imagina: “… não se sustenta.”
legal.
Legal!