Mesmo para quem não tem ou nunca passou por uma experiência de pensamentos obsessivos (?), essa resposta do autor americano Adyashanti a uma pergunta sobre como lidar com eles é iluminadora, pois fala a todos que tem obsessões (e quem não tem?). O pensamento obsessivo a que se refere a pergunta não é necessariamente relacionado (só) a quem tem o TOC, ou o diagnóstico de Transtorno Obsessivo Compulsivo, e sim a todos que passam por ondas de obsessões de pensamento, e também está relacionado à ansiedade, que talvez seja uma das condições psicológicas mais presentes na civilização atual. O pesquisador budista Alan Wallace chega a dizer que “nosso estado mental normal é um “distúrbio obsessivo compulsivo delusório”.
Além de recomendar a meditação, Adyashanti elimina os atalhos e fala em encarar as causas de frente, “começando do começo”. “Do que você está fugindo?” é uma das perguntas que faz, entre outras que compõem um caminho de enfrentamento e auto-observação — duas ações que estão implícitas na jornada do auto-conhecimento.
Num dos trechos que contém verdadeiro brilho de esclarecimento, Adyashanti fala de dois equívocos graves que a mente comete — ou que nós cometemos ao lidarmos com nossa mente desse jeito — na criação e indulgência em pensamentos obsessivos. O primeiro é achar que pensar e entender o máximo possível vai trazer paz. Quando é justamente o contrário que acontece: enquanto sobrecarrega o organismo com pensamentos, a paz vai pelo ralo. O segundo é mais profundo: é ignorar que a paz que procura, em seu estado mais amplo, já está presente, sem que nenhum pensamento seja necessário. Esse pode ser (bem) mais complicado de compreender, e se assim for, merece a contemplação justa para que seja compreendido. Perceber a grande paz que já está aqui, e perceber que ela é de um tipo que a mente jamais vai conseguir alcançar, é um passo e tanto. Pode ser o passo todo.
Apenas como uma nota complementar, mas não menos importante, vale observar que apesar de aparentemente “normal” o pensamento obsessivo tem a capacidade de ser um estado mental bastante perturbador em crises. Receio que Adyashanti não esteja falando especificamente das crises. Nestes casos a meditação e a contemplação podem não ser suficientes, e uma intervenção mais terapêutica pode ser necessária. De qualquer maneira, o pensamento obsessivo requer uma decisão e atitude afirmativas de quem está passando por essa condição, seja em crise ou não, para que consiga percorrer o caminho da cura — da cura da obsessão e dos medos e motivações que o criaram.
A resposta é parte de um curso intitulado “The Way of Liberating Insight”, ministrado em 2015, de onde foi reproduzida e traduzido por este blog. O tema é “Como lidar com o pensamento obsessivo?”.
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Pergunta — Como você sugere lidar com os pensamentos obsessivos que nos consumem como fogo vinte e quatro horas por dia, como aquela sua obsessão inicial com o pensamento que você precisava alcançar a iluminação? A liberdade desses pensamentos vem só quando atingimos um ponto de completo desespero e fracasso que a mente desmorona e o indivídio cai na real?
Adyashanti — “Vamos começar do começo. O pensamento obsessivo surge do medo, da ansiedade e da luta. Esses são os guias do pensamento excessivo. Por isso, além da prática de meditação, você pode querer começar a contemplar o que você tem medo, do que você está fujindo, o que você não quer lidar dentro de você ou na sua vida. Por contemplar quero dizer identificar exatamente que medos estão lhe guiando. Sobre que suposições eles estão construídos? De que você está correndo?
Igualmente, o pensamento descontrolado é sua mente buscando paz — como se, se você pudesse pensar o suficiente e entender o suficiente, sua mente poderia estar em paz. Mas a mente nunca consegue pensar o suficiente até chegar à paz duradoura. Na verdade, na corrida da mente para encontrar paz e segurança, ela ignora a paz que já está presente dentro da presença da consciência.
Então contemple do que sua mente está tentando fugir, e o que está procurando. E comece a mostrar à sua mente que a paz está disponível no presente. Literalmente traga a atenção da sua mente para a paz maior da consciência. E dê a sua mente algo para fazer na forma de seguir sua respiração. Apenas siga a respiração sempre que você puder durante o dia, porque isso irá acalmar seu sistema nervoso e dará à sua mente algo para fazer diferente de pensar obsessivamente. Claro, os pensamentos podem vir, mas ancore-os na respiração. Seja paciente e gentil consigo mesmo. Muito paciente e muito gentil.”
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