Essa é a história do primeiro encontro entre o Dr. Larry Brilliant, um médico conhecido da Organização Mundial da Saúde e ex-diretor do Google, e o guru indiano Neem Karoli Baba (data de nascimento incerta – 1973), mestre de Ram Dass, Daniel Goleman (“Inteligência Emocional”), Krishna Das e outros nomes conhecidos da espiritualidade americana (dizem que Steve Jobs tentou encontrá-lo uma vez, na Índia). Quem conta a história é Ram Dass, o psiquiatra, líder espiritual e autor do livro onde está registrado o caso, que segue traduzido abaixo, junto do vídeo de uma das palestras onde ele conta pessoalmente e bem-humoradamente essa história para uma platéia. “Conto essa história para dar-lhes um gosto da diversão de estar com alguém que você não consegue decifrar“, diz Ram Dass.
Primeiro gostaria de convidar para ler a história, traduzida mais abaixo, e depois faço mais um blá-blá-blá sobre ela. Se preferir, o caso está contido no vídeo abaixo, apenas em inglês, a partir do momento 4:23 (o vídeo tem 58 minutos no total, mas a história toma apenas quatro minutos).
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VOCÊ ESTAVA FALANDO COM DEUS?
Por Dr Larry Brilliant (via Ram Dass)
Minha esposa tinha encontrado Maharaji (Neem Karoli Baba) e tinha vindo me pegar nos Estados Unidos para me levar e conhecê-lo. Quando fomos ver Maharaji pela primeira vez eu fiquei desconcertado com o que vi. Todos aqueles ocidentais loucos vestindo roupas brancas e se prostrando em torno daquele homem velho e gordo num cobertor! Mais do que tudo, eu odiava ver ocidentais tocando os pés dele. No meu primeiro dia lá ele me ignorou totalmente. Mas depois do segundo, terceiro, quarto, quinta, sexto e sétimo dias, em que ele também me ignorou, comecei a ficar mais irritado. Eu não sentia amor nenhum por ele, na verdade, eu não sentia nada. Concluí que minha esposa tinha sido capturada por algum culto maluco. No fim daquela semana eu estava pronto para ir embora.
Estávamos hospedados num hotel em Nainital, e no oitavo dia eu disse à minha esposa que eu não estava me sentindo bem. Passei o dia andando em volta do lago pensando que se minha esposa estava tão envolvida em algo que claramente não era pra mim, deveria significar que nosso casamento estava chegando ao final. Olhei as flores, as montanhas, os reflexos no lago, mas nada podia amenizar minha depressão. E então fiz algo que eu realmente nunca tinha feito na minha vida adulta. Eu rezei.
Pedi a Deus, “O que estou fazendo aqui? Quem é este homem? Essas pessoas estão todas doidas. Eu não pertenço a este lugar”. Neste momento me lembrei da frase, “Se você tivesse fé não precisaria de milagres”.
“Okay, Deus, eu não tenho nenhuma fé. Me mande um milagre”. E continuei buscando um arco-íris, mas nada aconteceu, então decidi ir embora no dia seguinte.
Na manhã seguinte pegamos um táxi de Kainchi até o templo, para nos despedirmos. Apesar de eu não gostar do Maharaji, achei que seria honesto ir lá e falar com ele. Chegamos a Kainchi antes de todos os outros e sentamos na frente da sua varanda. Maharaji ainda não tinha saído de dentro do seu quarto. Havia algumas frutas na mesa e uma das maçãs tinha caído no chão, então eu me prostrei para pegá-la. Exatamente neste momento Maharaji saiu do seu quarto e pisou na minha mão, fixando-a no chão. Então estava eu lá, ajoelhado e tocando os pés dele, naquela posição que eu odiava. Que ridículo! Ele me olhou de cima e me perguntou, “Onde você estava ontem?” E então me perguntou, “Você estava no lago?” (ele disse “lago”, lake, em inglês). Quando ele falou a palavra “lago” para mim eu comecei a sentir essa sensação estranha na base da minha espinha, e meu corpo inteiro tremeu. Foi muito estranho. Ele me perguntou, “O que você estava fazendo no lago?”.
Comecei a me sentir muito tenso. Ele me perguntou então, “Você estava andando a cavalo?”.
“Não”.
“Você estava passeando de barco?”.
“Não.”
“Você foi nadar?”
“Não.”
Então ele se abaixou e disse baixinho, “Você estava falando com Deus? Você pediu alguma coisa?”
Quando ele fiz aquilo eu desmoronei e comecei a chorar feito um bebê. Ele se aproximou e começou a puxar minha barba e a repetir, “Você pediu alguma coisa?”… Aquilo realmente pareceu minha iniciação. Mas então outras pessoas chegaram e ficaram ao meu redor, me acariciando, e eu percebi então que quase todos ali tinha passado por alguma experiência como aquela. Uma pergunta trivial como “Você estava no lago ontem?”, que não tinha nenhum significado pra ninguém, balançou minha percepção da realidade. Ficou claro pra mim que Maharaji viu através das ilusões, ele sabia tudo. Falando nisso, a próxima coisa que ele disse pra mim foi, “Você vai escrever um livro?”.
Aquela foi minhas boas-vindas. Depois daquilo eu só queria tocar nos pés dele”.
(Dr. Larry Brilliant)
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Comentário:
Essa história é valiosa e engraçada, e há duas coisas especialmente marcantes nela. A primeira é o incômodo significativo de Larry ao adentrar as proximidades de Neem Karoli Baba, um incômodo repleto de julgamento direto e indireto, e crescente em emoção negativa. Note que também há um elemento afetivo no relato, quando ele diz que o mestre “me ignorou totalmente”. Isso ajuda a entendermos como projetamos e nos defendemos, e como o que está fora está sendo visto a partir do que está acontecendo dentro (de nós). A segunda coisa é a entrega. Começa com a atitude sutil e relativamente inconsciente, mas fundamental, de Larry ir se despedir do mestre. Isso abre uma porta para o desfecho que acabou acontecendo. Mas tem seu ápice quando Larry sente a intervenção do Baba, física e espiritual, e reconhece imediatamente a comunicação que se estabelece e conhecimento do mestre a respeito do seu momento, da sua busca e suas necessidades espirituais latentes.
Larry Brilliant passou alguns anos no ashram de Neem Karoli Baba, na Índia, e recebeu o nome de Sumbramanyum. Depois de um ano, o mestre pediu que Larry se envolvesse na cura definitiva da varíola, projeto que Larry acabou se dedicando durante anos, junto da Organização Mundial da Saúde (OMS), e que erradicou a doença oficialmente em 1980. Essas informações estão contidas em detalhe, inclusive com detalhes dos diálogos de Baba e Brilliant, no livro de Ram Dass “Miracle of Love: Stories about Neem Karoli Baba” (1995).