Quando “todos os neurônios do cérebro estão unidos, aí somos o que somos”: a alma, por Alejandro Jodorowsky

O que é a alma? É possível descrever em termos científicos?

O escritor, terapeuta, psicomago e artista chileno Alejandro Jodorowsky respondeu provocativamente a essa pergunta numa entrevista realizada em Santiago (Chile), em agosto de 2011, que foi gravada em vídeo e o trecho onde ele responde segue abaixo, do original em espanhol. Um pouco mais abaixo, está a transcrição da pergunta sobre a alma e outra sobre a consciência, que ele considera serem a mesma coisa, ambas contidas no mesmo trecho em vídeo. Antes de dizer qualquer coisa a mais, segue o vídeo (7min).

Obviamente Jodorowsky responde provocativamente pois, apesar de dizer estar “estudando muito o cérebro“, ele é essencialmente um artista do inconsciente, um tipo de psicólogo fantástico que fala ricamente através de símbolos e imagens. A “união de todos os neurônios” no cérebro que ele menciona é assim, claramente (pra mim, pelo menos), uma evocação à integração psíquica e à integração total do ser humano, integração esta que é considerada por algumas escolas de psicologia e psicoterapias como um dos ápices da sanidade humana. Embora, neurologicamente, possa de fato haver algum tipo de efeito equalizador.

Igualmente, quando fala em ego como sendo uma rede de apenas cem neurônios, ele está definindo imageticamente o ego como algo muito limitado dentro de um campo astronomicamente enorme como o céu. A quem ele assemelha à alma. E não em termos neurocientíficos.

Essa parte está na segunda metade do vídeo, sendo a primeira mais polêmica, pois Jodoroswky tece uma crítica a um trecho do “Livro Vermelho” de Carl Jung. Segundo Jodorowsky, Jung teria escrito do ponto de vista de um “ego delirante” ao se mostrar superior à alma, ao dizer que “a alma ascende a ele de um poço”. Defensores de Jung apareceram nos comentários do YouTube com diversas críticas, possivelmente procedentes (os argumentos variam). Apesar disso, e de um possível problema de contextualização usada do ego, Jodorowsky tem um ponto além da reação à Jung, que é o de elaborar sua própria definição de alma como algo acima, e não abaixo, do ego. “Não há encontro com a alma se não há dissolução do ego“, pontua.

O trecho sobre a alma segue transcrito abaixo:

Pergunta: Pode-se dizer em termos científicos o que é a alma?
ALEJANDRO JODOROWSKI: Sim, claro. Nós temos um cérebro maravilhoso. Tenho estudado o cérebro e o cérebro tem sete aberturas. Tem uma aqui na base por onde entra a coluna vertebral, certo? E para os chineses, sair da coluna vertebral e entrar no crânio era subir aos céus. Aí estão os neurônios. Temos milhões e milhões de neurônios, tantos quanto há estrelas no céu. Então esses neurônios vão se unindo uns com os outros e formando redes, e vão criando o Eu. Então nós temos algumas redes que incluem um mooooonte exagerado de, digamos, cem neurônios, não mais. Teu ego e o meu não tem mais de cem neurônios.

 

P: Pouquinhos.
AJ: Mas em todas as religiões, yug, Yoga, yoguismo, religião é união. Então nós temos que unir todos os neurônios do cérebro, todos, e quando todos os neurônios do cérebro estão reunidos, aí somos o que somos. Aí somos a alma.

 

P: Aí somos consciência? Porque falas de consciência.
AJ: Isso. Consciência, alma, é o mesmo. Ser o que um é. É a luta. Porque eu tenho estado sendo, desde que nasci, desde que o espermatozóide entre no óvulo, estou sendo o que os outros querem que eu seja, o que a família quer que eu seja, o que a sociedade quer que eu seja, o que a cultura quer que eu seja, o que a História quer que eu seja. E eu estou lutando para ser o que eu sou autenticamente. Parar a mim mesmo e ver o que há nesse esqueleto. O que há nesse corpo. O que há nesta centro sexual criativo. O que há nesta centro emocional. O que há neste intelecto. Como isso funciona, certo? Me vejo na beira do abismo, mas um abismo que vai pra cima. (…)

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2 Comments

  1. says: Davi

    Entrevista interessante, só me desanimou a total falta de rigor do Jodorowsky nos comentários ao falar (de forma despreparada) sobre a psicologia analítica e esse desrespeito pela epistemologia de um autor como o Jung.

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