Todo mundo sabe que “ano” é uma convenção de tempo humana, assim como em que número estamos, “2015“, mas no dia-a-dia isso parece não ser apenas uma convenção, mas a própria realidade. Junto com isso, há algumas suposições que fazemos e que são endereçadas nesse discurso de um ano atrás, do dia 29 de dezembro de 2013, às vésperas de entrar em 2014, do monge zen Thich Nhat Hanh, que hoje (no momento de publicação deste post) ainda encontra-se em coma em recuperação em um hospital da cidade de Bordeaux, na França. Esse post é uma lembrança e uma homenagem ao mestre através de um discurso onde ele mesmo explica que o ano que se foi não pode ter morrido, assim como o ano que chega já tinha nascido muito antes de ter nascido. “Podemos mesmo dizer que o ano morreu e que o outro nasceu?“, nos pergunta Thay, buscando uma resposta mais profunda.
Com os votos de plena recuperação, seguem alguns trechos traduzidos do discurso, que está na íntegra no vídeo mais abaixo (“Winter Retreat Dharma Talk 29 Dec 2013“, 1h25min), em inglês. Apenas os primeiros 15 ou 20 minutos e se referem mais diretamente ao tema da “virada do ano”, os trechos depois disso incluem outros assuntos, como instruções de Mindfulness. atitudes e práticas de saúde, renovação e felicidade para si mesmo e para os outros.
TRECHOS DO DISCURSO DE THICH NHAT HANH
29 de DEZEMBRO de 2013
“WINTER RETREAT DHARMA TALK”
– Quando focamos nossa atenção em nossa inspiração e expiração, trazemos nossa mente para casa, para o corpo. E estamos realmente lá, aqui e agora. A respiração com atenção produz consciência, respirando conscientemente sabemos que estamos vivos. E estar vivo é uma coisa maravilhosa. Temos um corpo, temos pés para andar, pulmões para respirar, olhos para ver, todas essas coisas são maravilhosas. Então apenas inspirando e expirando e tocamos essas maravilhas da vida, que estão em nós e ao nosso redor.
– Quando sentamos juntos e meditamos juntos podemos ouvir o som da chuva. O som da chuva também é uma maravilha da vida. Em nós e ao nosso redor existem maravilhas da vida. Com consciência, podemos entrar em contato com elas. E isso pode nos ajudar a nos curar e nos nutrir. Por isso a atenção consciente é uma fonte de cura e de alimento. E a atenção consciente não vem de fora. Podemos fazer tudo conscientemente.
– Nós pensamos que temos dois dias a mais (para acabar o ano) e aí o ano de 2013 vai-se embora. Isso é verdade? O ano vai morrer? O ano de 2013 vai embora? Podemos falar em termos do nascimento de um ano e da morte de outro ano? Isso é um objeto para meditação. Sabemos que as noções de mês, dia e horas foram inventados por nós. Eles são designações de convenções, como o dólar, o euro, que são inventados pela nossa mente, e o valor dessas coisas dependem muito do nosso jeito de pensar. Então a noção de ano também é uma noção que fabricamos, também é uma designação convencional, o ano.
– O que significa morrer? Significa que vamos do Ser para, de repente, o não-Ser. Isso poderia acontecer com o ano de 2013? Em dois dias não mais haverá o ano de 2013. E sobre o ano de 2014, pensamos que ele ainda não está lá ainda, e que vai acontecer em dois dias. Pensamos que podemos falar do nascimento de um ano… onde ele está agora? O ano de 2014? Podemos tocá-lo? E o ano novo pode ser realmente um novo ano? Ou é apenas uma repetição do ano velho? Depende bastante da gente.
– Agora que o ano está acabando, devemos ser capazes de nos fazer essas simples perguntas: o que eu fiz no ano de 2013? Fui capaz de produzir sentimentos de alegria e felicidade durante meus dias? Aprendi a produzir um sentimento de alegria, um sentimento de felicidade? Todos os dias, durante o ano de 2013? Aprendemos que através da atenção consciente conseguimos produzir um sentimento de alegria, um sentimento de felicidade quando quisermos (…). Você fez isso em 2013? Temos mais dois dias (risos).
– E então podemos nos perguntar: fui capaz de cuidar dos sentimentos ou emoções dolorosas durante o ano de 2013? De tempos em tempos um sentimento de dor aparece, uma emoção forte e desconfortável surge, e fomos nós capazes de lidar com elas? De acalmá-las, de maneira que não nos tornemos uma fonte de sofrimento para nós e para os outros? (…) Ou até mesmo de transformá-las em algo melhor, como compaixão? Amizade? Perdão? Porque a dor e o prazer são orgânicos. É como amor e ódio, são de natureza orgânica. Se você não sabe lidar com o amor, pode se tornar outra coisa, como raiva ou ódio. E se você souber como lidar com a raiva e o ódio, você pode transformá-los em entendimento e amor. E todas essas coisas podemos aprender, como praticantes da atenção plena. E se não dominamos a prática de gerar alegria e felicidade, você não aprende a lidar com sentimentos e emoções dolorosas, e você vai repeti-los, no novo ano. E o novo ano não vai ser muito novo. Só uma repetição do velho. Então para que o ano novo seja novo, você tem que renovar a si mesmo, você tem que se fazer novo.
– O ano que vai terminar é uma invenção nossa, uma fabricação nossa, um produto nosso. O valor do ano depende da consciência no agir, de nosso jeito de viver nossas vidas. O valor do ano depende da nossa consciência da vida.
O vídeo do discurso, na íntegra (em inglês):
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