“Quem sou eu?“, uma das questões essenciais do trabalho de auto-investigação proposta pelo sábio indiano Sri Ramana Maharshi (1879-1950), é um caminho aparentemente simples e direto mas difícil, que gera inúmeras dúvidas como as do devoto Sri Yalamanchili, neste diálogo abaixo transcrito do blog de David Godman, um dos mais conhecidos especialistas sobre a vida de Ramana Maharshi, e traduzido para o português. A frustração é uma das indagações de Yalamanchili, que diz entre suas perguntas que tem praticado sadhana (disciplina espiritual), “mas em vão“, e depois que afirma que segue as indicações de Maharshi, “mas não obtendo resposta“. Maharshi sorri: “parece que você veio aqui para me testar”. E, então, descreve mais detalhes da sua proposta sobre a descoberta do “Eu” verdadeiro dentro da miríade de enganos de identificação do ser humano, e responde também a perguntas sobre alma, Deus, pensamentos, gurus e a interiorização necessária para a auto-descoberta.
Segue o texto.
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DIÁLOGO SOBRE A AUTO-INVESTIGAÇÃO, Sri Ramana Maharshi & Sri Yalamanchili
Por David Godman [tradução Cristiano Richers]
“A seguinte conversa vem do diário de um devoto chamado Sri Yalamanchili que conheceu Bhagavan em 1928 e teve uma discussão com ele sobre auto-investigação. Foi publicado no Arunachala Ramana em fevereiro de 1982:
Pergunta: Como realizar o Atman?
Bhagavan: O Atman de quem?
Pergunta: Meu.
Bhagavan: Então você mesmo tem que fazê-lo.
Pergunta: Não estou conseguindo fazê-lo e sabê-lo.
Bhagavan: Para quem isto não é conhecido?
Pergunta: Para mim mesmo.
Bhagavan: Tente saber quem é esse “eu mesmo”.
Pergunta: Isso é o que você tem que dizer.
Bhagavan: [Sorrindo] Parece que você veio aqui para me testar. Realmente iria beneficiar você se eu lhe disser o que você é? Você ficará satisfeito se eu apenas lhe disser? Pergunte a si mesmo: “Quem sou eu?” Depois de questionar você vai ter a resposta dentro de si mesmo, e isto irá satisfazê-lo.
Pergunta: Tenho praticado sadhana por um longo tempo, mas em vão.
Bhagavan: Você vai ter que procurar o “Eu” [aham]. Em seguida, o “eu” aparente irá desaparecer.
Pergunta: Por favor, me dê os detalhes do processo.
Bhagavan: A mente é, na realidade, um conjunto de pensamentos. E cada pensamento surge do “Eu”. Então, ele é o primeiro pensamento. Em vez de deter-se sobre os pensamentos secundários, o buscador tem que se concentrar no pensamento primário, que é este “Eu”.
Pergunta: Qual é a diferença entre um pensamento e o “Eu”?
Bhagavan: Os pensamentos não são independentes. Eles existem só quando estão associados com o “Eu”. Mas o “Eu” pode existir por si só. Na verdade, esse “Eu” também não é independente. Por sua vez é sustentado pelo Atman. Repetidas vezes ele surge a partir do Ser e mergulha lá. Ele desaparece durante o sono profundo e surge novamente durante a fase desperta. Temos que descobrir o local de seu nascimento com uma visão introvertida.
Pergunta: Tenho questionado desta forma, mas não obtendo resposta.
Bhagavan: Se você fizer essa pergunta com zelo e prosseguir para dentro, o falso “eu” desaparece e o verdadeiro “Eu” emerge.
Pergunta: O que é o verdadeiro “Eu”?
Bhagavan: Isso é o que chamamos de “alma” ou “Deus”.
Pergunta: Quando eu inicio o inquérito inúmeros pensamentos se interpõem no caminho e me obstruem. Quando eu elimino um, outro aparece em seu lugar. Parece que não há fim.
Bhagavan: Eu não estou dizendo para você brigar com os pensamentos. Não haverá fim, se você fizer dessa maneira. Aqui está o segredo: existe o “Eu”, a fonte de todos os pensamentos, e nós temos que pegá-lo e ver de onde ele surge. Isto é absolutamente necessário. Como um cão busca seu mestre, seguindo a trilha de seu cheiro, você tem que seguir o desenvolvimento interior do “Eu” para chegar à sua fonte, que é a [verdadeira] alma.
Pergunta: Com base nestas explicações entendo que se pode alcançar a fonte através de seu próprio esforço.
Bhagavan: É pela graça de Deus que você começa a desejar a conhecer a si mesmo. Este desejo de conhecer a si mesmo é em si um sinal claro da graça do Atman. Assim, já existe graça trabalhando como a fonte de seu esforço. A graça não é uma qualidade externa do Ser, mas a sua própria natureza. Ele habita em seu Coração, puxando-o para dentro de si mesmo. A única tarefa que você deve executar é virar a sua atenção para dentro e procurar a fonte do “Eu”. Este é o único esforço pessoal que temos que fazer. É por isso que [se pode dizer que] onde não há graça, não há nenhum desejo pela busca do Self.
Pergunta: Não existe necessidade de um Guru, então?
Bhagavan: Quando for necessário, o próprio Self tomará a forma de um guru externo e iniciará você no processo. Ele vai empurrá-lo para dentro e entregá-lo ao Guru interior que já está lá. Por fim, o Atman que habita no coração, irá abraça-lo lá.
Pergunta: Agora, gostaria de saber, senhor, qual é a característica distintiva deste método?
Bhagavan: A sensação do “Eu” está sempre presente em nós. Assim, é relativamente fácil encontrar o Ser através deste “Eu”, que é uma emanação do Ser. Além disso, se, antes de o “Eu” se ramificar em várias formas, colocarmos nossa atenção através deste método sobre a forma-pai do “Eu”, isso provoca a dissolução direta do “Eu” em sua fonte. Caso contrário, se você começar o inquérito quando o “Eu” já tiver tomado muitas formas, você será arrastado pelo seu poder ilusório e nunca chegará à sua origem.
Pergunta: O Ser é sem nome e sem forma. Como, então, podemos encontrá-lo através do questionamento deste “Eu” que tem um nome e uma forma?
Bhagavan: O falso “Eu” ou ego fica entre a alma e o corpo, e os conecta. Agora, a alma é consciente, enquanto o corpo é inerte. O falso “Eu” os conecta um ao outro. Por isso ele também é chamado de nó entre a matéria e o espírito [chit-jada-granthi]. Daí se vê que ele tem seus pés no Ser e sua cabeça no corpo. Portanto, através da indagação sobre a origem do ego, podemos facilmente continuar e chegar ao Ser sem forma.”
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Obrigado pelo texo. É gratificante entender realmente o que Mararshi diz. Dificil eliminar essas cascas grossas que absorvem toda materia deste mundo denso, parece que nossa alma está revestida por um casaco bem grosso e molhado. A vontade é tirar essa roupa humida e suja e encontrar aquela verdadeira luz que somos. Que usemos nossos corpos como ferramenta de comunicação de nossa alma neste mundo, usando nossos sentidos para elevar cada vez mais nosso espirito.