Há uma história contada pelo monge Zen Thich Nhat Hanh que mostra como Buda Shakyamuni ensinou a um conhecido assassino traiçoeiro de sua época, chamado Angulimala, o valor de perdoar e de não causar sofrimento a outros seres vivos. Intitulada “O Caminho do osso do dedo de Angulimala“, a história está num pequeno livreto eletrônico sobre o Perdão (“Forgiveness“) organizado ano passado pela revista americana Tricycle, dedicada a uma visão plural do Budismo, sem afiliação a nenhuma de suas escolas em particular. Um trecho da história adaptada do livro “Old Path White Clouds, Walking on the Footsteps of the Buddha” (Paralax Press, 1991), segue traduzido mais abaixo.
É curioso que, se você for perceber, o maior pedaço do diálogo de Buda com Angulimala não é sobre o perdão em si, mas sobre as justificações de Angulimala para não perdoar, para manter sua prática de ódio e violência. De fato, acho que é bastante fácil para qualquer pessoa reconhecer o valor de viver sem acusações, sem peso do ódio, sem ressentimento, sem amarras internas, mas é difícil convencer a si mesmo de fazer isso. Antes de tudo, Angulimala mostra sua visão de ódio e frustração com a humanidade em geral, que é a visão que norteia sua violência e falta de compaixão – uma visão que é fácil ter do mundo ainda hoje, com suas guerras, corrupção e individualismo extremo. Mas ao reconhecer sua vontade mais profunda de perdoar e adotar o caminho da bondade, Angulimala primeiro diz que “é tarde demais” e depois argumenta que mesmo que voltasse atrás, ninguém lhe permitiria viver em paz “depois de tudo que fez“. Angulimala acaba virando monge e ganhando o nome de Ahimsaka, que significa “O Não Violento“.
O contexto é o seguinte: ao ser advertido do perigo de andar nas ruas com Angulimala à solta, o Buda Shakyamuni resolve continuar sua caminhada mesmo assim, e assim que foi de fato abordado pelo assassino, que o ordenou que parasse de caminhar, Buda simplesmente disse a ele que havia parado há muito tempo, e que era ele, Angulimala, que ainda não havia parado. “O que você quer dizer com isso?“, perguntou Angulimala. A resposta de Buda segue a partir do trecho abaixo:
“Angulimala, eu parei de cometer atos que causam sofrimento a outros seres vivos há muito tempo. Aprendi a proteger a vida, as vidas de todos os seres, não apenas humanos. Angulimala, todos os seres querem viver. Todos temem a morte. Devemos nutrir um coração de compaixão e proteger as vidas de todos os seres”.
“Seres humanos não se amam. Porque eu deveria amar outras pessoas? Humanos são cruéis e enganadores. Não descansarei até que tenha matado todos eles”.
O Buda então falou gentilmente, “Angulimala, eu sei que você sofreu profundamente nas mãos de outros humanos. Às vezes os humanos podem ser muito cruéis. Essa crueldade é resultado da ignorância, do ódio, do desejo e da inveja. Mas os humanos também podem ser compreensivos e compassivos. Meu caminho pode transformar crueldade em bondade. O ódio é o caminho em que você está agora. Você deveria parar. Ao invés, escolha o caminho do perdão, da compreensão e do amor”.
Angulimala ficou mexido com as palavras do monge. Ainda assim sua mente estava mergulhada em confusão. O monge olhou para Angulimala como se ele uma pessoa íntegra e digna de respeito. Angulimala perguntou: “Você é o monge Gautama?”.
O Buda consentiu.
Angulimala disse, “É uma pena não encontrei você antes. Já fui longe demais no meu caminho de destruição. Não é mais possível voltar atrás”.
O Buda disse, “Não, Angulimala, nunca é tarde demais para fazer um ato bom”.
“Que ato bom eu seria capaz fazer?”
“Pare de viajar pela estrada do ódio e da violência. Esse seria o maior ato de todos. Angulimala, embora o mar do sofrimento seja imenso, olhe para trás e você verá a margem”.
“Gautama, mesmo que eu quisesse, eu não poderia voltar atrás agora. Ninguém me deixaria viver em paz depois de tudo que fiz”.
O Buda pegou a mão de Angulimala e disse, “Angulimala, eu o protegerei se você fizer o voto de abandonar sua mente de ódio e se dedicar ao estudo e prática do Caminho. Tome o voto de começar de novo e de servir aos outros. E fácil ver que você é um homem de inteligência. Não tenho dúvida que você poderia conquistar o caminho da realização”.
Angulimala se ajoelhou perante Buda. Ele removeu sua espada de suas costas, colocou-a na terra, e se prostrou aos pés do Buda. Cobriu seu rosto com as mãos e começou a soluçar. Depois de um bom tempo, ele olhou pra cima e disse, “Faço votos de abandonar meu caminho maligno. Seguirei você e aprenderei compaixão de você”.
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Imagem: Buddhist e-Library.
Belo post!
Somos tao pequenos!
Não somos pequenos, amigo. Somos Deuses!
Há um texto maravilhoso de Osho, em que ela apresenta este conto, ele foi editado, traduzido e animado em português, a animação é amadora e muito simplória, mas capaz de nos emocionar profundamente. Segue o link da animação! http://www.youtube.com/watch?v=v_ofQKBUBDA
Obrigado Nando.
Que todos os seres sejam felizes e superem o sofrimento_/\_