Espiritualidade numa almofada confortável num ambiente agradável com aroma de incenso, ou numa silenciosa sala de yoga, é fácil; quero ver encarar oito horas de trabalho (ou mais) nas atuais condições de temperatura e pressão das exigências do mercado. Para isso temos esse precioso texto do lama tibetano Tarthang Tulku Rinpoche, um dos atuais líderes da escola Nyingma de Budismo Tibetano (cada vez mais presente no Brasil), sobre o atual empobrecimento de nossa atitude no trabalho, nossa alienação e o caminho para resgatar a realização através dele – não num futuro longínquo, não depois de uma grande transformação ou algo assim, mas já, aqui, agora, no expediente de amanhã, nas atuais circunstâncias. O texto faz parte do livro “Ensinamentos Que Vem do Coração“, de 2001, publicado no Brasil pela Editora Dharma, que possui um capítulo inteiro dedicado a “uma nova maneira de trabalhar” – o trecho abaixo foi originalmente emitido em dezembro de 1993.
Não é só uma questão de resolver o “problema” do trabalho, que ocupa tantas horas de nossas vidas às vezes de maneira bem insatisfatória, mas de realmente usá-lo como caminho espiritual, semelhante até mesmo à meditação. O que o trabalho ensina? Como usá-lo espiritualmente? Na verdade, como ele diz, “a escolha de não usar o trabalho como um campo de treinamento não é uma opção real“.
É um tema complexo, talvez por isso a simplicidade que traz Tarthang Tulku seja especialmente valiosa. Todo ambiente tem um determinado tipo de dificuldade “externa”, seja empresa familiar, negócio iniciante, grande corporação, repartição pública, etc. Além da quantidade variável de possíveis problemas, a maioria de nós às vezes se convence quase que irreversivelmente de que não há jeito de se realizar num ambiente assim ou assado. Mas há luz, como nesse texto.
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“A EXCELÊNCIA DA REALIZAÇÃO NO TRABALHO”
do livro “Ensinamentos que vem do coração” (Editora Dharma, 2001), pgs 96, 97, 105
Por Tarthang Tulku
“A maioria das pessoas trabalha basicamente por causa do salário. É certo que o trabalho preenche também outras necessidades: a possibilidade de uma identidade profissional, a aprovação dos outros, uma sensação de domínio e poder, a interação social e a simples satisfação de manter-se ocupado. O que todas estas recompensas têm em comum é que são extrínsecas ao processo do trabalho em si. Trabalhamos para realizar metas específicas, mas raramente encontramos valor no próprio processo de trabalhar.
Esta maneira de trabalhar gera empobrecimento em um nível muito profundo. Quando o trabalho como uma atividade não é valorizado por si, raramente trabalhamos com real satisfação ou com um sentido de profunda realização. Momentos como estes existem, mas logo passam, ficando apenas a lembrança de um bem-estar.
(…) Quando trabalhamos sem real satisfação, o trabalho é basicamente pouco compensador. temos que nos obrigar a fazer o que fazemos e este conflito interno conduz à exaustão do espírito e da mente, amortecendo nossos sentidos e privando-nos de encontrar prazer em outras áreas de nossa vida. Trabalhando com resistência, somos naturalmente ineficientes e nosso trabalho tende a caminhar em direção à mediocridade e ao fracasso, e não ao sucesso e à excelência.
(…) Nós em geral pensamos que trabalhamos para nosso próprio benefício, mas de fato não somos muito hábeis em satisfazer nossas necessidades e desejos. Conformamo-nos com um estilo de vida no qual a maior parte do nosso tempo é dedicada a uma atividade que achamos apenas parcialmente compensadora. Buscamos a verdadeira satisfação fora do trabalho, deixando nossas vidas em suspenso durante o tempo em que estamos nos dedicando a ele. Buscando a alegria às margens da nossa vida, acabamos sustentando padrões negativos como vícios e escapismos. O trabalho pode nos dar formas temporárias de gratificação do ego, mas há uma outra parte de nós, mais profunda, que não está sendo nutrida. Não é à toa que tantas pessoas sentem que alguma coisa está desequilibrada em suas vidas.
(…) A escolha de não usar o trabalho como um campo de treinamento não é uma opção real. Quando as pessoas deixam de aprender com as lições que o trabalho ensina, elas lançam as sementes para o fracasso e a insatisfação na vida prática e perdem a oportunidade de encontrar o verdadeiro significado e a profunda realização no campo espiritual. Talvez muitos de nós vivamos exatamente assim, mas não há motivos para que isto continue.
Quando o trabalho torna-se um caminho de realização e satisfação, nossas ações tornam-se cada vez mais significativas. Ultrapassamos a sensação paralisante que o tempo despendido no trabalho roubou-nos de nossos verdadeiros interesses, e readquirimos o controle sobre a metade de nossas vidas. Podemos então realmente tomar conta de nós mesmos. Em vez de nos preparar para decepções e frustrações, podemos satisfazer nossos melhores interesses em tudo o que fizermos.
(…) As lições que aprendemos com o trabalho geralmente têm a ver com nossos erros e falhas, mas estas podem ser, de todas, as lições mais importantes. Talvez, o que percebamos sejam as maneiras pelas quais nos tapeamos ao trabalhar: as desculpas e a preguiça, a tensão e a preocupação, as desistências e os adiamentos. Se isto acontecer, podemos aprender muito com estas experiências. Conscientes do que estamos fazendo, podemos criar a intenção de mudar e desenvolver a disciplina necessária para isto. Neste ponto, o trabalho torna-se nossa tábua de salvação para a transformação – o meio através do qual podemos desenvolver nosso modo de pensar, nossas atitudes, relacionamentos e ações.
(…) O trabalho tem valor em todos os aspectos do ser humano. Através do trabalho, podemos encontrar um modo de viver rico e sadio, fundamentado na abundância da atenção plena, concentração e energia. A riqueza que surge com este modo de ser elimina para sempre a sensação de que nossas vidas estão empobrecidas. Sejam quais forem as circunstâncias externas, estamos prontos para prosseguir, caminhando firmemente para nossa realização.”
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O trabalho como bem explica o texto, é fonte de energia, inspiração e realização, no trabalho ao lado de nossos parceiros aprimoramos a visão e importancia do diferente, a tolerancia e a paciencia, a troca tão importante de conhecimentos, a amizada, ainda o exercio de servir ao próximo ato tão importante para nosso aprimoramento. Obrigado pela reflexão.
Engraçado vários pseudos mestres dizem exatamente o contrário:
Afirmam que o trabalho embrutece e entorpece o espírito do homem, mas acho que isso como diz o texto acima, depende do tipo de trabalho e a maneira como a pessoa se conduz nele. Tartung tá certo.
Amei esse blog, passarei alguns momentos da minha vida nele, lendo e aprendendo! obrigado
Bom texto. Encaro a minha vida como um aprendizado, onde trabalho dia e noite, a todo instante e a qualquer hora. Trabalho é estar em movimento,se comunicando, se desenvolvendo como ser humano, se conectando com o mundo.. seja indo à padaria ou estando no seu ambiente de trabalho você não deixa de trabalhar nunca. Não tento separar meu trabalho da minha vida pessoal. Prefiro agregar minha vida com um todo. Só respeito à atividade que tenha que ser feita nos horários e dias que precisam ser feitos. Estou trabalhando sempre, seja levando o cachorro na rua ou estando exercendo uma atividade no emprego, o trabalho da comunicação é o mesmo. Estamos servindo, se movimentando, se desenvolvendo como ser humano no trato com o todo. Quero estar sempre em comunhão a todo momento, nem que seja comigo mesmo.
Excelente texto!!!
Alguns fatos de tão óbvios passam desapercebidos pra nossos ouvidos e em consequencia consciências:
Porquê a maioria dos humanos de temos em algum momento sérios conflitos na nossa relação com o “trabalho'” e quase todas suas definições?
Porquê em muitas atividades incluindo as espirituais há em alguns uma sensação de escravidão?
A Palavra bem ouvida no ocidente deriva de TriPaLium. Literalmente Os três paus onde eram açoitadoos escravos. Um Palanque no meio e dois paus laterais onde eram amarrados ambos braços e pernas.
Isto aconteceu desde faz milhões de anos ou séculos. Os “Conquista Dores” submetiam a “seus” fámulos (família) Esta crítica mais recente e de Sócrates quando denúncia os “amigos” que corriam “auxiliar” seus fámulos quando doentes pra que continuassem traba-lhando.
O quê são as leis “trabalhistas”?
“Te dou um pouquinho pra que não morras enquanto produzes”.
“quando não me serves mais te encerro no apo-sento”.
Qualquer referência com atualidade e mera co-incidencia.