Como são os dias e as noites dos andarilhos e dos filósofos livres da razão, na visão de Nietzsche

5794220100_a1f1d038a6_z“Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não pode se sentir mais que um andarilho sobre a Terra e não um viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo de errante, que tenha alegria na mudança e na passagem. Sem dúvida esse homem conhecerá noites ruins, em que estará cansado e encontrará fechado o portão da cidade que lhe deveria oferecer repouso; além disso, talvez o deserto, como no Oriente, chegue até o portão, animais de rapina uivem ao longe e também perto, um vento forte se levante, bandidos lhe roubem os animais de carga. Sentirá então cair a noite terrível, como um segundo deserto sobre o deserto, e o seu coração se cansará de andar. Quando surgir então para ele o sol matinal, ardente como uma divindade da ira, quando para ele se abrir a cidade, verá talvez, nos rostos que nela vivem, ainda mais deserto, sujeira, ilusão, insegurança do que no outro lado do portão e o dia será quase pior do que a noite. Isso bem pode acontecer ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as venturosas manhãs de outras paragens e outros dias, quando já no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de musas passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no equilíbrio de sua alma matutina, em quieto passeio entre as árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente coisas boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em casa na montanha, na floresta, na solidão, e que, como ele, em sua maneira ora feliz ora meditativa, são andarilhos e filósofos. Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é possível que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do sino, tenha um semblante assim puro, assim tão luminoso, tão sereno-transfigurado: – eles buscam a filosofia da manhã.”
~ Friedrich Nietzsche, Aforismo 638 do capítulo “O Homem Sozinho Consigo Mesmo”, de “Humano, Demasiado Humano” (1878).

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Foto de jaci XIII (licença de uso BY-NC-SA Creative Commons).

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14 Comments

  1. Muito bom o texto fiz uma transcendência com o video de Flavio Siqueira-Uma parábola sobre nós, nossos medos, nossas culpas, nossos caminhos. VEJA E SE RECONHEÇA- Insight
    http://www.youtube.com/watch?v=8XUcv653uz0
    Tudo fluir com a medida da consciência e do desperta é algo latente do ser pensamente que uma vez a sociedade-capitalista privá-nos de ser indivíduos-ativos e pensamentes desse mundo. Vibrarmos para a luz e paz para nova consciência.
    Namastê
    Geovane Novais

    1. says: Ieldo

      Geovane, não entendi o que você quer dizer com ” ser pensamente” , de inicio pensei ser um erro de type, mas como você repete logo adiante :indivíduos-ativos e pensamentes, fiquei no ar.
      Outra coisa é o que a sociedade-capitalista tem a ver com tudo isto ?
      No aguardo.

    2. oi boa tarde.
      Tudo bem!
      Explicando: ¹Ser pensante, ³Indivíduos-ativos,²Sociedade-capitalista
      ¹ser pensante= a consciência de si próprio e espaço, ou seja e que tudo está dentro de nós,só precisa ser despertado.
      ²Sociedade-capitalista= dos fatores da vida e grupo social nos deixar omissa ao seus deveres equivocados, ou seja dificultando a consciência de nossos valores.
      ³Indivíduos-ativos= Seria a metáfora do ser(pessoa) que tem essa clareza de seus atos e sabem usar esses valores.
      Mas se você ver o video que postei você dever ter essa ideia ou chegar perto, porque esse pensamento é pouco particular(risos),sobre esse dois tema.
      Mas qualquer coisa, entrar no meu face ou email.
      Abraços.
      Luz e paz para nova consciência.
      Namastê

  2. says: Anderson

    Apenas a primeira frase traz ao menos um dia inteirinho de boas reflexões. O exercício da liberdade do “pensar” é algo extremamente forte em Nietzsce. Sua filosofia, como ele mesmo assinalava não era para seu tempo, mas quem sabe, “para daqui a cem anos”. Creio que ele exagerou, data muito próxima, quem sabe em outros cem…

    1. Oi Vinícius, neste texto Nietzsche não se refere ao ser humano em geral como andarilho, mas apenas “quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão”. E é uma hipótese dele, uma conclusão que está explicada no texto. Como, por exemplo, “nele deve existir algo de errante” e “não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada em particular”.

      ABS.

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