Não é difícil compreender que, como diz Gandhi, “quanto mais se recorre à violência, mais longe se está da Verdade”, mas chegar a realizar o que ele define como a “paciência infinita” necessária para com aqueles que cometem atos violentos contra nós é uma outra história, um legítimo desafio e quebra de paradigma contemporâneo. Neste texto de suas “Cartas ao Ashram”, de 1930, o líder pacífico indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) explica como entender e realizar o princípio do ahimsa, não-violência ou não-agressão, e como enfrentar situações adversas e a nossa própria resistência interna – “Lutando contra o inimigo que se procura, no exterior, negligencia-se o inimigo interior”, diz ele. Autor do “Satyagraha“, princípio da manutenção da verdade que norteou seu movimento de resistência pacifista para a independência da Índia (1947), Gandhi desafia nosso senso comum e nosso status quo, e traz consigo o próprio exemplo que mudou a história de um país e que ainda hoje inspira e ecoa em movimentos de mudança pelo mundo.
O discurso de Gandhi pode ser visto como idealista, mas a necessidade do princípio do ahimsa é uma unanimidade na filosofia indiana, como, por exemplo, na sabedoria do Yoga, que entre seus preceitos fundamentais ensinados pelo mestre Patañjali, fala do ahimsa como um dos 5 yamas (controles) principais.
Obs.: Quem acompanha os posts do blog vai enxergar algumas semelhanças entre essas palavras de Gandhi e o embasamento que o advogado ativista americano David Row usa para analisar a situação da pena de morte nos Estados Unidos, no post “Uma análise pragmática que pode eliminar a pena de morte e salvar vidas, por David R. Dow [VÍDEO]“, publicado aqui na última quinta-feira (26/07).
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“Cartas ao Ahsram” (1930) [TRECHO] Por Mahatma Gandhi
O problema dianto do qual nos defrontamos é o seguinte: “Suporto os que me trazem dificuldades ou os destruo”? Compreende-se, então, que aquele que persiste em destruir os outros seres não vai avante, mas fica simplesmente, onde está, enquanto que aquele que suporta as criaturas que lhe criam entraves vai avante, e leva mesmo, às vezes, outras pessoas consigo. Consequentemente, quanto mais se recorre à violência, mais longe se está da Verdade. Pois lutando contra o inimigo que se procura, no exterior, negligencia-se o inimigo interior.
Castigamos os ladrões porque nos cremos perseguidos por eles, mas se eles nos deixassem tranquilos seria unicamente para atacar algum outro indivíduo. Ora, a outra vítima é também um ser humano, isto é, nós mesmos sob forma diferente, e assim caímos num círculo vicioso. O problema criado pelos ladrões continua a crescer, pois eles consideram o roubo como seu trabalho. Por fim, não percebemos que é preferível suportar os ladrões a persegui-los. Talvez nossa paciência os amenize nos sentimentos. Suportando-os, poderemos compreender que eles não são diferentes de nós, que são nossos irmãos, nossos amigos, e que não devemos puní-los. Mas enquanto suportamos os ladrões, não é preciso que nos resignemos ao que está errado. Isto seria indigno! É então que descobrimos um novo dever. Se consideramos os ladrões como membros de nossa família, é preciso mostrar-lhes tal parentesco. Devemos nos esforçar para encontrar os meios de fazê-los vir até nós. Eis o caminho da ahimsa. Este caminho pode provocar sofrimentos contínuos, e nos obriga a cultivar uma paciência infinita, mas se tais condições forem aceitas, o ladrão será forçado a renunciar a sua vida errada. E assim, passo a passo, chegaremos a estabelecer relações de amizade com o mundo inteiro; compreenderemos a grandeza de Deus, da Verdade. A paz de nosso espírito será mais profunda, apesar dos sofrimentos; tornar-nos-emos mais corajosos e empreendedores; compreenderemos mais claramente a diferença entre o que é eterno e o que não o é; aprenderemos a distinguir entre o que é nosso dever e o que não o é. Nosso orgulho cederá e nos tornaremos humildes. Nossos laços terrestres se relaxarão e o mal que há em nós diminuirá dia a dia.
O ahimsa não é uma coisa simples e grosseira que possa ser descrita. Não fazer o mal a nenhum ser vivente é, sem dúvidas, uma parte do ahimsa, mas isto não é mais que um pequeno aspecto. O princípio do ahimsa é uma luta contra todo pensamento mau, toda precipitação, injustificada, contra a mentira, o ódio, o fato de desejar o mal a qualquer pessoa. Violaremos tal princípio se retivermos conosco o que o mundo tem carência. O mundo precisa do que comemos a cada dia! Há milhões de microorganismos aos quais o lugar que ocupamos pertence, e nossa presença os faz sofrer. Então, que fazer? Suicidar-nos? Esta não é a solução, pois nós admitimos que o espírito, que é ligado à carne, torna-se um corpo novo assim que o antigo é destruído. O corpo somente cessará quando não tivermos com ele nenhuma relação. Esta libertação de todos os laços é a realização de Deus como Verdade. Tal realização não pode ser feita antes do seu tempo. O corpo não nos pertence. Enquanto durar, devemos servir-nos dele como uma coisa que nos foi confiada e da qual somos responsáveis. Considerando também o que pertence à carne, podemos esperar, um dia, a libertação do corpo. Compreendendo as limitações às quais a carne está sujeita, devemos, cotidianamente, esforçar-nos em direção ao ideal, com toda força que temos em nós.
O que foi dito terá, talvez, feito compreender que sem o ahimsa é impossível procurar e encontrar a Verdade. O ahimsa e a Verdade estão tão estreitamente ligados que é impossível separar um do outro. São como duas faces de uma medalha, ou de um disco de metal liso e sem impressão alguma. Quem poderá saber qual é o verso e qual o reverso? Entretanto, o ahimsa é o meio e a Verdade é o fim. Os meios, para serem meios, devem estar ao nosso alcance; o ahimsa é nosso dever supremo. Se aplicarmos os meios com prudência, estejamos certos de que, mais cedo ou mais tarde, chegaremos ao fim. Uma vez que compreendamos isto não pode haver dúvida quanto à vitória final. Quaisquer que sejam as dificuldades a defrontar, quaisquer que sejam as derrotas a que aparentemente nos submetemos, não nos é permitido abandonar a procura da Verdade, que somente é, pois que ela é Deus Ele-mesmo.”
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O (Ahimsa), preconizado por Gandhi, é o meio de alcançarmos a “Verdade”(Deus),através do contínuo esforço para combatermos nossos próprios erros,com paciência e perseverança.Só obteremos a paz e a libertação, quando compreendermos que “Somos todos em UM”.Não adianta procurarmos a Verdade no exterior. Ela é intrínseca a todos os seres.
Penso que é o mesmo que a máxima de Cristo:”Amai-vos uns aos outros.Só assim obtereis a Verdade e Ela, os libertará”.
Grata.
É bem assim:
http://25.media.tumblr.com/tumblr_lzg820cqwB1qdmz3oo1_500.jpg
Boa Sorte!
Norma
OI gente.
Nao estou convencida de que “tolerar ladroes, ou pior psicopatas soltos por ai” e trata-lo como irmaozinhos. Nao estou convencida que vao despertar consciencia, ou ter mais sensibilidade, se deixarmos espaco aberto; eles vao aprovietar mais e mais a dar prejuizos aos demais (essa e a verdade). Quem deve fazer exame de consciencia sao os ladroes e pessoas violentas e nao as vitimas.
A resposta com agressao nao e a solucao; mas obgriga-los a fazer uma reforma educacional para modificarem os maus comportamnetos, com certeza isso vai ajudar toda a sociedade.
Dina
Não se trata de combatermos nossos próprios erros, pois todo combate pressupõe violência.
Vejo que se trata de compreendermos nossa própria ignorância. Mas, não por meio do intelecto, da simples conclusão lógica e coerente, da ciência do pensamento.
A compreensão só e atingida por meio da ação. Da ação cotidiana, diária, feita e renovada a cada instante.
Para saborearmos a não-violência, temos inicialmente de compreender a violência que praticamos contra nós mesmos: se agimos contra nossos valores; se insistimos em fazer algo que nos traz sofrimentos; se alimentamos nosso egoísmo e vaidade; se negamos ajuda real a qualquer ser vivente; se agimos com irresponsabilidade diante da vida – e muito mais.
Por muitas vezes – e disso ainda não estou liberto, certamente – busquei a compreensão das coisas por meio do intelecto. E como é fácil convencer-se a si mesmo de que muitas barreiras já foram rompidas e degraus percorridos. Até mesmo no ponto de poder falar aos outros sobre caminhos para se chegar à tal Verdade. Pura ilusão, em grande parte das vezes.
Hoje, ainda muito longe de ser liberto de minha própria imagem, deste “eu” e “meu” que me circundam e dão nome e forma, felizmente começo a sentir diferente: que, sem a ação sincera, profunda, e mesmo silenciosa, não há qualquer possibilidade de transformação. E que todo pensamento, se apenas pensamento, é mais do que inútil: perigoso, melindroso, enganador.
Isso por hoje: amanhã, nem isso mais.
Bom Dia!
Bom Dia, Fabiano:,
‘Isso por hoje: amanhã, nem isso mais.’
Ver no coment. acima (no ‘ser’ que emite tal energia) o estado de Buda ou a face de Cristo, é fácil.
Aceitar, que o meu outro eu = você/o outro, transgressor, ou que eu julgue transgressor, possa ter inerente/latente esse ‘estado’ em si, aceito.
Anular do meu ‘sentir’ qualquer outra forma de vê-lo… será que eu realmente QUERO???
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Fabiano: Obrigada!
Boa Sorte.
Olá! Não podemos esquecer que todos nascem HUMANOS. Ninguém nasce assassino e por ai afora. Atuei enquanto educadora e ao descobrir que a MISÉRIA tem NOME e SONHOS fiquei muito triste e senti-me impotente dado os recursos que as instituições que cuidam das crianças advindas de lares desestruturados nos oferecem para cuidar dos necessitados. Oportuna e necessária reportagens como a do advogado.
SOMOS REALMENTE TODOS UMMMMMMMMMM!
Beijo a todos, aprendo muito com os comentários de vcs.
Dagmar