5 meditações de Marco Aurélio: sobre a ordem no universo, na Natureza, a morte e a semente do nascer [LIVRO]

As cinco meditações abaixo foram escritas em 167 d.C. pelo então imperador romano Marco Aurélio (Marcus Aurelius Antoninus Augustus, 121-180), em um caderno de escritos pessoais que ele havia intitulado apenas como “Para Eu Mesmo” (To Myself) e que seriam reunidos postumamente com o nome “Meditações“. É um conjunto de 12 livros que trazem máximas a respeito do auto-conhecimento e desenvolvimento pessoal de Marco Aurélio, onde ele afirma, por exemplo, que “a única maneira em que um homem pode ser dominado por outros é permitir que sua reação tome conta de si”, e também diz que “uma ordem ou logos permeia o universo”, e ainda que “a racionalidade e a mente clara permite viver em harmonia com esse logos”.

Dono de um governo com fama de bem-sucedido e pacífico, apesar de ter enfrentado guerras e ter realizado perseguições, e considerado um dos “Cinco bons imperadores” de Roma (junto de Nerva, Trajano, Adriano e Antonino Pio), Marco Aurélio era considerado um filósofo estóico e muito culto. Esse livro “Meditações” é comparado a obras como as “Confissões” de Santo Agostinho, e também às “Confissões” de Jean-Jacques Rousseau. Foi um dos livros preferidos do escritor, biólogo e físico alemão Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832), e, mais recentemente, do ex-presidente americano Bill Clinton.

As meditações abaixo fazem parte do Livro 4 e seus números estão indicados no início de cada uma.

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“MEDITAÇÕES” (5 selecionadas)
por Marco Aurélio, 167 d.C.

[ 27 ] Ou um universo que é todo ele ordem, ou então uma balbúrdia atirada ao acaso, mas formando um universo. Mas, poderá subsistir alguma ordem em ti próprio e ao mesmo tempo a desordem no Todo mais amplo? E isso quando existe unidade de sentimentos entre todas as partes da natureza, apesar das suas divergências e dispersão?

[ 36 ] Vê como todas as coisas estão sempre a nascer da mudança; ensina-te a ti próprio a ver que a mais elevada felicidade da Natureza reside em mudar as coisas que existem e formar novas coisas da mesma espécie. Tudo aquilo que existe é, em certo sentido, a semente do que irá nascer de si. Não há nada menos próprio de um filósofo do que imaginar que a semente só pode ser alguma coisa que se deita à terra ou no útero.

[ 44 ] Tudo o que acontece é tão normal e já esperado como a rosa na primavera ou o fruto no verão; isto é verdade para a doença, para a morte, para a calúnia, para a intriga e para todas as outras coisas que deliciam ou incomodam os tolos.

[ 45 ] O que acontece a seguir está sempre intimamente relacionado com aquilo que o precedeu; não é um desfile de acontecimentos isolados que obedecem simplesmente às leis da sequência, mas uma continuidade racional. Além disso, tal como as coisas que já existem, estão todos coordenados harmoniosamente, os que se encontram em processo de nascimento exibem a mesma maravilha de concatenação, e não o facto nu e cru da sucessão.

[ 48 ] Lembra-te sempre de todos os médicos, já mortos, que franziam as sobrancelhas perante os males dos seus doentes; de todos os astrólogos que tão solenemente prediziam o fim dos seus clientes; dos filósofos que discorriam incessantemente sobre a morte e a imortalidade; dos grandes chefes que chacinavam aos milhares; dos déspotas que brandiam poderes sobre a vida e a morte com uma terrível arrogância, como se eles próprios fossem deuses que nunca pudessem morrer; de cidades inteiras que morreram completamente, Hélice, Pompeia, Herculano e inúmeras outras. Depois, recorda um a um todos os teus conhecidos; como um enterrou o outro, para depois ser deposto e enterrado por um terceiro, e tudo num tão curto espaço de tempo. Repara, em resumo, como toda a vida mortal é transitória e trivial; ontem, uma gota de sémen, amanhã uma mão cheia de sal e cinzas. Passa, pois, estes momentos fugazes na terra como a Natureza te manda que passes e depois vai descansar de bom grado, como uma azeitona que cai na estação certa, com uma bênção para a terra que a criou e uma acção de graças para a árvore que lhe deu a vida.

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6 Comments

  1. says: norma

    Obrigada Nando pela escolha.

    Acho-o uma personalidade muito interessante:

    Marco Aurélio usou o Hino de Cleanthes como Introdução (Livro I).
    (O Hino é em honra a Zeus e o seu objetivo é mais louvar e contemplar do que pedir)

    O HINO DE CLEANTHES

    ALTÍSSIMA GLÓRIA DA COMPANHIA DOS CÉUS,
    SENHOR DE VARIADO NOME
    ETERNO E PERPÉTUO SEJA O TEU PODER!
    ABENÇOADO SEJAS,
    Ó GRANDE ARQUITECTO DA CRIAÇÃO,
    QUE ORDENAS TODAS AS COISAS SEGUNDO AS TUAS LEIS!
    EVOCAR O TEU NOME
    É PRÓPRIO E JUSTO PARA O MORTAL,
    POIS SOMOS NASCIDOS DE TI;
    SIM, E A NÓS, SÓ A NÓS
    DE ENTRE TUDO O QUE VIVE E SE MOVE SOBRE A TERRA,
    É CONCEDIDA A VOZ E A PALAVRA.
    CANTAR-TE-EI, POIS, LOUVORES, AGORA!
    GLORIFICAREI, POIS, AGORA E PARA SEMPRE, O TEU PODER!
    +++++++++

    “Ele usa o hino escrito por Cleanthes que viveu entre 331-232 A.C. que considerava o universo como um SER VIVO e o SOL como o coração desse Ser. A leitura desse hino lembra um Deus Único e sua indicação como Arquiteto é a forma como os maçons se referem a Deus como Arquiteto do Universo. É também muito interessante a indicação dos variados nomes deste Deus pois tanto os Judeus como os Árabes indicam nos seus livros sagrados, a Bíblia e o Alcorão, que Deus tem muitos nomes.”
    Fonte: Portucália

    Há tb um trabalho publicado na WEB, de um aluno da UFF que vale uma olhada:
    Deus e o Estoicismo em Marco Aurélio
    Uma experiência,uma escolha e a busca da excelência.

    Fiquem Bem!

  2. says: marcio rodrigues

    Acho interessante que um homem como Marco Aurélio, um imperador filósofo tenha sido sucedido por seu filho Cômodo, nem de longe um filósofo como seu pai. O que pensava Marco Aurélio se realmente nomeou Cômodo como seu sucessor? Não haveria escolha melhor? Pelo que sei Cômodo era um ser violento, admirador das lutas entre gladiadores, um pessoa futil e de modo algum um sábio. Teria Marco Aurélio visto nele um comandante para o exército romano? Mas e os aspectos morais? Um estóico como Marco Aurélio permitir um sucessor de caráter tão duvidoso? Ou Cômodo não se revelava a Marco Aurélio como realmente era? Tivesse sido Cômodo um sábio como Marco Aurélio o que poderia ter sido diferente na história do Império Romano naqueles tempos? São questões que às vezes me veem à cabeça. Márcio Rodrigues

  3. says: Alexandre

    Muito bom o comentário do amigo! Marco Aurélio era um homem Sábio, como ele seria capaz de colocar seu filho cômodo sabendo de seu temperamento e caráter para ser seu sucessor??? Aí é que está gente!!! A gente não consegue conhecer nem nosso próprio filho. Vc pode plantar uma batata, mas não sabe o formato que ela irá vir…

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