A ‘superstição’ do mitólogo Joseph Campbell: “as portas se abrirão, lá onde você não sabia que havia portas”

Será que chegaremos a saber a verdade? E o que ela tem a ver com isso que se chama de “bem-aventurança“? Essas perguntas são feitas pelo jornalista americano Bill Moyers ao célebre mitólogo Joseph Campbell (1904-1987), na aclamada série da PBS nos EUA “O Poder do Mito”. Autor do famoso adágio “follow your bliss“, ou “siga sua bem-aventurança“, Campbell foi um estudioso de mitologia comparativa, de religiões e se envolveu com o trabalho de Sigmund Freud e Carl G. Jung, assim como ajudou a traduzir obras de escolas espirituais orientais como os Upanishads o “O Evangelho de Sri Ramakrishna“. Nestre trecho, Campbell revela sua crença na constante cooperação de forças invisíveis e prega uma vida aberta e verdadeira para si mesmo: “persiga a sua bem-aventurança e não tenha medo, que as portas se abrirão, lá onde você não sabia que havia portas“.

O trecho abaixo faz parte do capítulo “Sacrifício e Bem-Aventurança”. A entrevista completa contém 474 minutos e está disponível em um DVD duplo, à venda em sites como a Livraria Cultura e Fnac.

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O PODER DO MITO [TRECHO] Por Joseph Campbell e Bill Moyers

MOYERS: Será que chegamos a saber a verdade? Será que chegamos a encontrá-la?

CAMPBELL: Cada um possui a sua própria profundidade, a sua própria experiência, e alguma convicção quanto a estar em contato com sua própria sat chit ananda, seu próprio ser, através da consciência e da bem aventurança. Os religiosos dizem que não chegamos a experimentar verdadeiramente a bem aventurança antes de morrermos e irmos para o céu. Mas eu acredito em atingir o máximo possível dessa experiência enquanto estamos vivos.

MOYERS: A bem aventurança é agora.

CAMPBELL: No céu, você terá um enlevo tão maravilhoso contemplando Deus que nem terá condições de se dedicar à sua própria experiência. O céu não é o lugar para se ter essa experiência – o lugar para ela é aqui.

MOYERS: Você já teve a sensação, como eu tenho às vezes, ao perseguir a sua bem-aventurança, de estar sendo ajudado por mãos invisíveis?

CAMPBELL: O tempo todo. É milagroso. Tenho até mesmo uma superstição, que se desenvolveu em mim como resultado dessas mãos invisíveis agindo o tempo todo, a superstição, por exemplo, de que, pondo se no encalço da sua bem aventurança, você se coloca numa espécie de trilha que esteve aí o tempo todo, à sua espera, e a vida que você tem que viver é essa mesma que você está vivendo. Quando consegue ver isso, você começa a encontrar pessoas que estão no campo da sua bem aventurança, e elas abrem as portas para você. Eu costumo dizer: Persiga a sua bem-aventurança e não tenha medo, que as portas se abrirão, lá onde você não sabia que havia portas.

MOYERS: Você já sentiu simpatia pelo homem que não dispõe desse tipo de apoio invisível?

CAMPBELL: Quem não tem esse tipo de apoio? Bem, esse é o tipo que evoca compaixão, o pobre coitado. Vê-lo tropeçando, desajeitado, quando todas as águas da vida estão exatamente ali, ao alcance da mão, realmente desperta piedade.

MOYERS: As águas da vida eterna estão exatamente ali? Onde?

CAMPBELL: Onde quer que você esteja, se estiver no encalço da sua bemaventurança, você estará desfrutando aquele frescor, aquela vida intensa dentro de você, o tempo todo.

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10 Comments

  1. says: Norma

    Muito bom. Ele é um equipamento presente em várias caixas de ferramentas: Astrologia, Psicologia, Dramaturgia Grega.A Jornada do Heroi sem o seu auxilio vai, mas vai claudicante…
    Grata

  2. A “bem aventurança” simboliza a maior de todas as forças – O AMOR. Sentimento que permite brotar a “pobreza de espirito” buscando exteriorizar a luta contra o EGOÍSMO e o INDIVIDUALISMO. Cresce e permeia permanentemente o conhecimento, a reciprocidade, a coletividade e a riqueza interior. Plenitude da vida, mas conhecida por poucos.

    1. says: Norma

      Oi, Amauri:

      Puxa, como gostei do seu movimento!
      O pensamento do JC é visto por mim como matéria de estudo, também. “Me inclua dentro” se for conveniente
      No momento,’namoro’ o abaixo, com firmes propósitos de vida futura profícua e iluminada. Contudo, costumo agregar valores / conhecimentos (insuficientes, confesso!) de pontes percorridas, deixando-as intactas, para eventuais retornos saudosistas e/ou referências para suporte. (rs).
      Sirvo, ao menos, como ouvinte?

      Fique bem, Norma
      (o Dharmalog ‘surgiu’com os seus toques, como um bônus do processo, num momento mais inspirado)

      Demita seus gurus

      Por: Tijn Touber

      É hora de acabar com a dependência e nos tornarmos tão grandes quanto os mestres que seguimos – tão autênticos, peculiares e obstinados quanto eles.

      Gurus, professores espirituais, terapeutas: eu costumava segui-los com devoção. Devorava seus livros, não perdia um seminário e me sentava a seus pés.
      Durante anos viajei para a Índia, sem dúvida o país com maior índice de gurus por habitante. Todo professor que eu encontrava prometia algum tipo de libertação: um dizia que seria pelo compartilhamento do conhecimento, outro por meditação, Yoga ou recitação de mantras.
      Havia os que eram a própria encarnação do amor; outros eram rudes e investiam sem piedade contra seus seguidores até lhes despedaçar o ego.
      Contudo, comecei a questionar se a relação entre um guru e seus seguidores seria mesmo a melhor maneira de atingir a libertação. Afinal, pouquíssimas vezes encontrei um seguidor que houvesse alcançado a iluminação. A maioria dos seguidores era gente devota, mas que duvidava muito de si mesma.
      Percebi também que algumas vezes eu parecia encolher na presença de um guru que inspirava admiração em todos. Seria um sentimento de respeito ou seria medo?
      O mestre zen chinês Lin Chi chamava a atenção para o perigo dos gurus. Ele via como seus contemporâneos transferiam a responsabilidade por seu bem-estar espiritual para outros. Com isso as pessoas abriam mão de SEU poder.
      Essa observação levou-o a fazer uma declaração que se tornaria célebre: “Se o Buda cruzar seu caminho, mate-o”.
      Se você acha que vai encontrar a iluminação fora de si mesmo, está no caminho errado.
      Os ensinamentos de Lin Chi se mantêm atuais ainda hoje. Apesar da extrema individualização do mundo ocidental, as pessoas continuam em busca de algo em que se apoiar. Hoje há mais gurus do que nunca com os nomes de conselheiro mental, “terapeuta”, assistente social.
      O cientista social americano John McKnight há mais de 40 anos estuda o efeito dos conselheiros profissionais sobre a sociedade.
      “Todas as vezes que procuramos um especialista, abrimos mão de uma parte de nós mesmos. Com sua atuação, os conselheiros profissionais esvaziaram a alma da comunidade”, diz ele em The Careless Society (A Sociedade Negligente).
      Gurus e conselheiros profissionais não são os únicos que tendem a tornar as pessoas dependentes. Pais e educadores muitas vezes fazem o mesmo.
      Quantos deles veem o “Buda” nas crianças? Quase nunca perguntamos às crianças quem elas são, e sim o que desejam ser. A mensagem subjacente é a seguinte: vocês não são coisa alguma, mas se fizerem o que recomendamos, poderão se tornar alguém no futuro. A ideia de que temos de nos tornar alguma coisa para sermos bem-sucedidos, livres ou felizes é um enorme mal-entendido.
      A convicção de que um caminho externo pode nos guiar a algo melhor é a razão pela qual praticamente ninguém jamais chega a seu destino. Se estamos sempre a caminho, jamais chegaremos a parte alguma.
      Os gurus também prometem a iluminação para mais tarde, condenando seus seguidores à eterna dependência. O que seria do guru se ele não tivesse seguidores?
      Naturalmente, alguns personagens não ficaram encurralados nessa mútua dependência. Esses são os mestres radicais, que não toleram seguidores nem tietes, porque sabem que a liberdade espiritual só pode ser alcançada por aqueles que ousam se apresentar nus perante a verdade, sem lealdade prévia a uma doutrina ou guru.
      Jesus jamais teria se tornado cristão, tampouco Buda seria budista. Esses mestres eram rebeldes que seguiam antes de tudo a si mesmos.
      O analista Carl Gustav Jung é mais um exemplo.
      Certa vez, ele disse: “Graças a Deus não sou junguiano”.
      Jung referia-se ao que considerava um problema de relações desiguais em todas as formas de terapia. Ele acreditava que a cura só poderia acontecer se houvesse espaço para a pessoa em toda a sua inteireza. Uma relação desigual implica a existência de uma muralha que o seguidor dificilmente terá condições de atravessar.
      Superar o mestre é difícil, sobretudo se aprendemos a não confiar em nossa própria sabedoria. O seguidor não percorre uma trajetória própria, e sim a de um outro, porque se trata de um caminho já palmilhado. Portanto, não há necessidade de muito esforço para segui-lo. A conclusão a que o mestre chega – o resultado do trabalho espiritual – não é a mesma a que chega seu seguidor.
      O mestre experimentou tanto a trajetória quanto o destino. O discípulo conhece apenas o destino, conforme descrito pelo mestre.
      Esta é a razão pela qual os discípulos quase sempre são mais santos do que o papa e mais radicais em suas opiniões do que o mestre. Tais opiniões, não raro, podem ser reduzidas a cápsulas de fácil digestão. Afinal, quanto mais inseguras forem as pessoas, mais se apegarão à “verdade”. Além disso, a maior parte dos discípulos não entende totalmente os ensinamentos do mestre, por isso insights sutis e complexos são pasteurizados em conceitos de fácil entendimento.
      O paradoxo que muita gente encontra em sua busca por iluminação se deve ao fato de que esse estado de consciência não corresponde ao apego a “verdades” e “fatos”. Um fato não é uma verdade, e sim uma criação.
      Portanto, não perdemos nossa “natureza búdica” por causa daquilo que não sabemos, e sim por causa daquilo que estamos convictos de saber porque outras pessoas assim nos disseram.
      No momento em que nos convencemos de que alguma coisa é fato, perdemos contato com a realidade.
      Talvez os gurus não sejam mestres a ser imitados. Talvez sejam exemplos que podem nos servir de inspiração. Eles nos mostram que é possível atingir um estado superior de consciência, mas cabe a nós chegar lá.
      Portanto, é hora de mandar embora os gurus (fatos, verdades, crenças, princípios, dogmas) para que o guru dentro de nós aflore. É hora de nos tornarmos tão grandes quanto os gurus que seguimos – tão autênticos, peculiares e obstinados quanto eles.
      O tratamento deu certo: o guru morreu.
      http://www.yogajournal.terra.com.br

  3. Não precisamos demitir ninguém se nossa força estiver conosco, acesa, se nossa capacidade de discernimento estiver atuando e n’so comprometidos com seu desenvolvimento. Com a força ali, e um pouco de humildade, não há problema, pelo contrário.

    A gente precisa saber a diferença entre dependência e ascendência, entre obediência e reverência.

    Esse blog é muito feito “se apoiando nos ombros dos gigantes”. Esse próprio post é. Não lembro agora o nome de um dos que reverenciamos e aprendemos que tenha se levantado sozinho, ainda que, quando de pé, tenha sido com sua própria força.

  4. says: Norma

    Ooops! Concordo que não precisamos! (possível má escolha do título pelo autor, pela qual lamento à inadequação).

    A ideia-mãe para ilustrar o momento/caminho, talvez esteja melhor contida na “Revolução Humana” do Sensei D.Ikeda – (Budismo Nitiren)

    Esta Revolução é uma grande transformação que tem início a partir de uma pessoa, começa em seu EU, no seu interior.(A pessoa mudando tudo se transforma e jamais haverá destino imutável). É isso que estudo/aprendo no Budismo, onde o ponto primordial é a partida chamada “levantar-se só”.

    ou aqui:

    Hajime Nakamura. Gotama Buddha. Los Angeles: Buddhist Books International, 1987, págs. 113-14. Outra passagem similar diz: “Por conseguinte, Oh, Ananda, sejam as lâmpadas para vocês mesmos. Sejam um refúgio para vocês mesmos. Não se entreguem a nenhum refúgio externo. Sujeitem-se à Verdade como uma lâmpada. Sujeitem-se à Verdade como um refúgio. Não procurem refúgio algum fora de vocês mesmos”. Dialogue of the Buddha (Diga Nikaya). Traduzido por T. W. Y C. A. F. Rhys Davids. 5ª edição. Londres: Luzac and Co., 1971, pág. 108.
    Grata (sempre).

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