Escrito com espirituosidade e riqueza por Christopher Isherwood (1904-1986), romancista inglês que se dedicou ao Vedanta ao lado de grandes nomes como Aldous Huxley, Bertrand Russell e John Yale, esse trecho do prefácio do livro “A Meditação e Seus Métodos”, de Swami Vivekananda, traz uma bela reflexão sobre auto-conhecimento. Com bom humor, Isherwood encarna a característica forte e assertiva de Vivekananda, misturando seu próprio texto com as palavras do mestre, invocando nossa iludida (e algumas vezes risível) identificação com nossos papéis e nomes terrenos, e questionando como podemos ver a realidade absoluta – que, no Vedanta, é comumente denominada de “Brahman”.
Acho particularmente geniais as afirmações a respeito de nossas idéias de si mesmo que Vivekananda cita usando um sobrenome qualquer, neste caso, “Jones“. Como na seguinte parte, onde tira a importância da imagem externa que temos de nós mesmos para nossa evolução: “Você pode andar pavoneando pela vida como o Imperador Jones ou arrastar-se pelo chão como Jones, o escravo; não faz diferença”. Ou então quando despreza a redução do amor a uma pessoa, dizendo (como se fosse um “Jones” qualquer): “Eu aprovo totalmente a palavra “amor”. Mas, para mim, “amor” significa Jane ou John, e ela ou ele é a mais preciosa de todas as minhas posses”. Leitura preciosa.
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PREFÁCIO de A MEDITAÇÃO E SEUS MÉTODOS (Swami Vivekananda)
Por Christopher Isherwood
“É melhor que você escute, diz Vivekananda, porque você não sabe quem é. Você pensa que é o Sr. ou a Sra. Jones. É o seu erro fundamental e fatal. Sua opinião a respeito de si mesmo, seja boa ou ruim, é também equivocada; mas isto é de importância secundária. Você pode andar pavoneando pela vida como o Imperador Jones ou arrastar-se pelo chão como Jones, o escravo; não faz diferença. O Imperador Jones, se existisse tal criatura, teria súditos; o escravo Jones teria um capataz. Você não tem nem um nem outro. Pois você é Brahman, o Deus Eterno e, para qualquer lugar que olhe, você nada vê a não ser Brahman, utilizando os muitos milhões de disfarces que são chamados por nomes tão absurdos como o seu próprio – Jones, Juarez, Jinnah, Jung, Jocho, Janvier, Jagataí, Jablochov; nomes que significam todos a mesma coisa, “eu não sou você”.
Você não sabe quem é porque vive na ignorância. Esta ignorância pode parecer agradável, em certos momentos mas, essencialmente, é um estado de escravidão e, portanto, de sofrimento. Seu sofrimento deriva do fato de que Jones, como Jones, tem de morrer – enquanto Brahman é eterno; e que Jones, com o Jones, é diferente de Juarez, Jinnah e todos os outros – enquanto Brahman, dentro de todos eles, é um só. Jones, em sua ilusão de separatividade, é atormentado por sentimentos de inveja, ódio ou medo em relação a estes seres, aparentemente separados, ao seu redor. Ou, então, ele se sente atraído por alguns deles por desejo ou amor e se atormenta por não poder possuí-los e unir-se completamente a eles. A separatividade, diz Vivekananda, é uma ilusão que pode e deve ser afastada pelo amor do Brahman Eterno dentro de nós e de todos os seres. Portanto, a prática da religião é uma negação da separatividade e uma renúncia aseus objetivos: fama, riqueza e poder sobre os outros.
Eu – o Sr. ou a Sra. Jones – sinto-me embaraçado com estas declarações .Trabalho para possuir bens e não quero abrir mão deles. Sinto-me orgulhoso de ser Jones e odiaria ser Jablochov; além disso, suspeito que ele esteja planejando arrebatar meus bens de mim. E então eu não sou somente um Jones qualquer, eu sou “o Jones”, o famoso, e assim não estou inclinado a julgar-me uma pessoa totalmente exposta e sem personalidade. Eu aprovo totalmente a palavra “amor”. Mas, para mim, “amor” significa Jane ou John, e ela ou ele é a mais preciosa de todas as minhas posses, nas quais só posso pensar em exclusiva relação para comigo.
Por outro lado, a prudência aconselha-me a não rejeitar o ensinamento de Vivekananda. Meu próprio mal estar é uma confirmação de que o que ele diz é, pelomenos em parte, verdadeiro. Fico tenso e deprimido quando penso no futuro. Meumédico receitou-me tranqüilizantes, mas eles não me acalmam, somente fico zonzoe sonolento. Por que, então, não dedicar alguns minutos do dia para essa meditação? É, realmente, uma espécie de seguro de vida. Eu faço seguro hospitalar na esperança supersticiosa de que ele me livrará de ter de ir ao hospital. Por que não fazer o seguro Vivekananda, na esperança de que livrará Jones demorrer e perder sua identidade?
Isto é bom, diz Vivekananda com um sorriso indulgente. De qualquer maneira comece – mesmo que for por uma razão errada. Ele é de um bom humor e de uma paciência inesgotáveis. Nunca fica desesperado com a gente porque sabe – sabe com a extrema certeza da experiência direta – que Brahman, nossa natureza real, nos atrairá gradualmente até Ele: Assim não importam essas falhas, esses pequenos deslizes. Mantenha o ideal por mil vezes e, se você falhar e, se você falhar mil vezes, faça mais um vezuma tentativa… Há uma vida infinita diante da alma. Vá com calma e cumprirá seu objetivo.
Isto soa seguro demais, demasiadamente reconfortante. Será que ele está zombando de nós? Não e sim. Ele quer dizer exatamente o que diz, mas fala nos termos da doutrina da reencarnação. Quando ele nos diz que devemos ir com calma, quer dizer que temos liberdade de ficar na escravidão da ignorância por outros milhares de vidas; liberdade para continuar morrendo e renascendo repetidamente até que nos fartemos de nossa separatividade e fiquemos firmemente decididos a acabar com ela. Se achamos que as palavras de Vivekananda renovam nossa segurança – bem, seremos a própria piada.
Mas, o que dizer a respeito desta vida? Vivekananda observou certa vez: Ao tentar praticar a religião, oitenta por cento das pessoas são logradas ecerca de quinze por cento enlouquecem; somente os restantes cinco por cento alcançam o conhecimento imediato da Verdade Infinita. Isto o choca? Se choca, imagine como você reagiria se o instrutor de ginástica de uma academia lhe dissesse que “ao praticar esses exercícios, oitenta por cento dos meus discípulos fracassam – por não fazerem corretamente os difíceis exercícios – e que quinze por cento fazem exercícios em excesso, como loucos, até que se machucam e têm que desistir; somente os cinco por cento restantes, realmente, transformam seus corpos físicos”. Você ficaria surpreso? Certamente não, embora você pudesse ficar deprimido. Você deveria decidir-se, reconhecendo sua própria fraqueza, a não matricular-se na academia de forma alguma.
Mas não há desculpa mais miserável para a inação do que a justificativa desermos fracos, indignos, não espirituais. Quando falamos isso, a voz de Vivekananda ressoa como um trovão dizendo que somos leões e não ovelhas; que somos Brahman e não Jones. Então ele torna-se gentil de novo e nos diz para fazer alguma coisa pelo menos, para fazer um pequeno esforço, mesmo se formos idosos, doentes, sobrecarregados de dependentes e de deveres mundanos, desesperadamente pobres ou desesperadamente ricos.
Ele nos lembra que a verdadeira renúncia é mental e não necessariamente física. Não é necessário repudiarmos nossos maridos ou esposas e expulsarmos nossos filhos, porta afora. Devemos somente compreender que eles não são realmente nossos; amá-los como moradas de Brahman, não como meros indivíduos. Devemos compreender que nossas assim chamadas posses são simplesmente brinquedos que nos foram emprestados para brincarmos com eles por breve tempo. Um colar de contas pode ser bonito. Da mesma forma, um colar de diamantes. Não há perigo em usar o colar quando ignoramos sua diferença de preço. Repetidamente, Vivekananda nos faz rir, quando nos pede para não perdermos tempo em arrependimentos, para não gemermos e soluçarmos sobre nossos pecados; quando nos pede para secarmos nossas lágrimas e vermos como é engraçado este mundo de farsa que vimos encarando tão seriamente. Assim, pelomenos por algum tempo, ele nos enche de coragem.”
MARAVILHOSO!!!!
grata….
Verdadeiro!!!
Grato.