O poder maior do desprendimento, de “querer apenas ser”, por Mestre Eckhart

Para o místico cristão e frade dominicano Mestre Eckhart von Hochheim (1260-1327), o desprendimento é maior virtude que a humildade, que a misericórdia e inclusive que o amor. Julgado por ter escritos hereges pelo Papa João 22 (1329), e cujos ensinamentos foram considerados por Arthur Schopenhauer como, em essência, “os mesmos de Buda Shakyamuni“, Mestre Eckhart explica seus conceitos a respeito de desapego no livro “Sobre o Desprendimento” (Martins Fontes, 2004), valor que é central em toda sua filosofia. No trecho abaixo, Eckhart fala especificamente de como o desprendimento é mais valioso que a humildade, tão venerada no meio cristão.

De início, pode parecer um pouco confuso quando ele elogia o “aniquilamento do próprio eu” e, logo depois, enaltece o “não curvar-se” perante outras criaturas, julgando como positivo o desprendimento por “permanecer dentro de si mesmo”. O que Eckhart parece dizer é que apenas com o esvaziamento do ego do homem ele alcança algo maior, algo como seu preenchimento natural pela existência de Deus.

“(…) Mais do que muitas outras virtudes, os mestres elogiam também a humildade. No entanto, eu tenho mais elogios para o desprendimento do que para a humildade, e este é o motivo: a humildade pode existir sem desprendimento, mas não pode haver desprendimento perfeito sem humildade perfeita, uma vez que a humildade perfeita visa ao aniquilamento do próprio eu. Ora, o despredimento estão tão próximo do nada que entre o desprendimento perfeito e o nada não pode haver nada. É por isso que o desprendimento perfeito não pode existir sem humildade. Mas duas virtudes são sempre melhores do que uma. A segunda razão pela qual elogio mais o desprendimento do que a humildade é o fato de que a humildade perfeita curva-se diante de todas as criaturas e, ao curvar-se, o homem, saindo de si mesmo, dirige-se às criaturas, enquanto o desprendimento permanece dentro de si mesmo. Ora, nenhuma saída pode ser tão nobre quanto a permanência em si mesmo. Por isso o profeta Davi afirmou: “Omnis gloria ejus filiae regis ab intus”, o que quer dizer: “Toda a honra da filha do rei vem de seu interior.” O desprendimento perfeito nào visa a sujeitar-se a nenhuma criatura nem a elevar-se sobre a criatura nenhuma — não quer estar abaixo nem acima de ninguém, antes quer estar em si mesmo, não fazendo bem nem mal a ninguém, não querendo ser igual nem desigual m relação a nenhuma craitura, nem isto nem aquilo: quer apenas ser. O desprendimento não quer ser isto nem aquilo porque quem quer ser isto ou aquilo quer ser algo; ele, porém, não quer ser nada. Por isso dispensa todas as coisas.”
~ Mestre Eckhart

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