Mais um grande discurso desmistificando a meditação, explicando em termos simples sua prática e significado, enfatizando sua importância para nós em meio ao tumulto da vida contemporânea, e mais uma vez citando Buda. Agora trazendo também o exemplo Zazen, a prática central de meditação do Zen-Budismo, e citando Ashtavakra, sábio hindu não tão conhecido no Ocidente, autor do Ashtavakra Gita e citado no épico Mahabaratha. O texto é intitulado “Apenas sente-se” (sentar é uma expressão que em muitos contextos significa “parar e meditar”) e foi publicado originalmente no site oshobrasil.com.br.
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“Apenas sente-se”
Por Bhagwan Shree Rajnesh (Osho)
“Muitas vezes você percebe que está correndo desnecessariamente, mas como parar? Não que você não tenha percebido que esta é uma corrida de ratos sem significado. Você sabe. Mas, como parar? E o treinamento para essa corrida foi muito profundo. Você se esqueceu de como parar; suas pernas tem o hábito de correr, a mente tem o hábito de correr. Seu treinamento é tal que você não pode se sentar. O treinamento para se sentar desapareceu”.
Um poeta diz:
Uma queixa veio aos meus lábios,
Mas a quem dizê-la, será sem sentido
Engolindo a dor, eu continuo me movendo,
Recusando-me a sentar, recusando a derrota.
E as pessoas ainda pensam que se sentar é derrota. Caso elas se sentam, elas pensam que estão derrotados, que é escapismo, uma fuga! Caso elas apenas se sentam, milhares de passantes as olharão com condenação. . . assim as pessoas continuam se movimentando.
Reclamações de que tudo é inútil vem freqüentemente à mente, mas para quem reclamar? Quem vai entender? Aqui todo mundo é como você. Ninguém conta para ninguém. E as pessoas continuam se movendo, cada um escondendo sua própria ferida.
Uma queixa veio aos meus lábios, mas a quem dizê-la, será sem sentido.
Se você encontrar um ‘Ashtavakra’ ou um ‘Buda’ fará sentido dizer. Mas aqui, para quem você pode falar?
Engolindo a dor, eu continuo me movendo.
As pessoas engolem a dor e continuam.
…recusando-me a sentar, recusando a derrota.
E isso se tornou a idéia do ego: ‘Sentar significa estar derrotado. . . acabado, caído, morto. Continue andando, continue fazendo uma coisa ou outra. Continue tentando executar alguma coisa ou outra. Senão você estará perdido’.
E aqueles que apenas se sentam atinge. Aqueles que param atingem.
O divino não é alcançado correndo; parado é que se alcança.
Ashtavakra diz, no máximo de facilidade, alcance.
Apenas sente-se, por algum tempo. Encontre um tempo, só para sentar-se, e nada fazer. Os monges Zen têm uma técnica de meditação: o Zazen. Zazen quer dizer apenas sentar-se e nada fazer. É um método muito profundo de meditação. Chamar isto um método nem está certo, porque não existe método algum, somente sentar-se, enquanto nada se faz. O Zen diz o mesmo que Ashtavakra está dizendo: Sente-se! Sente-se durante algum tempo e relaxe. Deixe este tumulto por um tempo. Deixe toda a ambição por um tempo. Deixe a mente correr ao redor, deixe-a na corrida de ratos. Simplesmente sente-se um tempo, e mergulhe dentro de si mesmo.
Gradualmente uma luz começará a se espalhar dentro de você. Talvez no inicio você não a veja. É como voltar para casa sob o sol luminoso da tarde. Inicialmente a casa parece escura por dentro. Os olhos foram usados no sol. Sente-se um pouquinho, e os olhos se ajustam, e o aposento se ilumina. Muito lentamente a luz penetra nele. É o mesmo dentro de você. Você tem estado fora, fora por muitas vidas, daí parece que dentro está escuro. Na primeira vez que você entrar, nada será visível. . . nada, exceto escuridão. Não se apavore. Sente-se. . . e deixe os olhos se ajustarem ao interior. As pupilas desses olhos só foram usadas no sol luminoso.
Você sempre soube que ao sol a pupila do olho fica pequena. Se você olhar no espelho logo depois de estar ao sol a pupila aparecerá muito pequena, porque muita luz solar não pôde ser trazida para dentro, ela é excessiva, desta forma as pupilas têm contrações. Contrair é automático. Então quando você entra na escuridão as pupilas têm que se expandir, elas têm que aumentar. Depois de se sentar durante algum tempo na escuridão, olhe novamente no espelho e você verá que elas aumentaram.
Com o terceiro olho acontece exatamente igual aos olhos externos. Ao olhar para fora as pupilas devem ser pequenas; e ao olhar para dentro as pupilas devem ser grandes. Houve um antigo e longo treinamento. Para destruir esse treinamento nenhuma prática nova é necessária, apenas fique sentado.
As pessoas perguntam, ‘O que nós faremos sentados? Dê-nos algum ‘Ram-Ram’, algum mantra para entoarmos, nós o repetiremos — dê-nos algo para fazer’. As pessoas dizem, ‘Nós queremos muletas, nós queremos ajuda’. Assim que você pratica, a escravidão começa. Apenas sente-se!
Por sentar-se, eu não quero dizer se sentar; você pode permanecer de pé, também pode se deitar. Sentar-se quer dizer nada fazer. Nas vinte e quatro horas apenas dedique algum tempo a fazer nada. Torne-se livre da ação. Permaneça vazio. Deixe o que está acontecendo, acontecer. O mundo está fluindo, deixe fluir. Ele está movendo, deixe mover. Sons vêm, deixe-os vir. Um trem parte, um avião passa voando, o barulho existe – deixe acontecer, você continua sentado. Não se concentre – você apenas se senta. O Samadhi começará gradualmente a ficar mais forte dentro de você. Você entenderá o que Ashtavakra quer dizer – o significado de estar livre das práticas e rituais.
Sabendo que o que tem forma é falso, e conhecendo o sem forma como inalterável e perpétuo. Aprendendo esta verdade não é possível nascer no mundo novamente.
Então você é o que o Buda chamou de ‘anagamin’ – uma pessoa que nunca retorna depois da morte. Nós voltamos por causa de nossos desejos, por causa de nossas políticas; nós voltamos por causa de desejos e esperanças. Aquele que morre sabendo, ‘Eu sou o conhecedor’, não volta novamente. Ele é libertado desta roda inútil – de ir e vir.
Sabendo que o que tem forma é falso, e conhecendo o sem forma como inalterável e perpétuo. Aprendendo esta verdade não é possível nascer no mundo novamente.
Sabendo que o que tem forma é falso… Dentro de nós o que tem forma é ilusório, e o que não tem nenhuma forma é a verdade. Algum dia olhe para um remoinho d’água. O que é um remoinho, a não ser ondas surgidas na água? Quando ele fica calmo, para onde elas foram? Não havia nenhum remoinho, era apenas uma onda na água, uma forma que surgiu na água. Da mesma maneira, nós somos apenas ondas do divino. Quando a onda se for, nada é deixado para trás. Nem mesmo cinza é deixado, nem mesmo os rastros permanecem. É como escrever na água: desaparece enquanto você escreve – da mesma maneira, tudo o que acontece em nossa vida são apenas ondas.”
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