“O domínio da própria mente está dentro das nossas possibilidades”, por Sri Aurobindo

Trecho do livro “Letters on Yoga“, volume 2, do filósofo indiano Sri Aurobindo (1872-1950), no capítulo onde ele fala sobre as conquistas graduais da liberdade da mente, começando pelo sossego e passando pela calma e paz até chegar ao silêncio. Não poderia concordar mais com a importância desse domínio, não só para o que chamam de prática espiritual, mas para nossa vida diária e para a sobrevivência da nossa alma. “O fato de controlar nossos pensamentos é tão necessário como o domínio de nossas paixões e de nossos desejos vitais e o controle dos movimentos de nosso corpo“, diz Aurobindo. O título do capítulo é “Os fundamentos do Shadana” (prática).

A liberdade progressiva e o domínio sobre a própria mente estão perfeitamente dentro das possibilidades de todo aquele que tenha a fé e a vontade de empreender esta conquista. As possibilidades do ser mental não são limitadas; pode ser a livre testemunha e o Senhor em sua própria casa.

O primeiro passo é ter uma mente sossegada. O silêncio é um passo interior, porém, se faz necessário obter previamente o sossego. E por mente sossegada entendo uma consciência mental interior que vê os pensamentos acercar-se dela e mover-se em torno, porém, não se sente a si mesma pensando, nem se identifica com os pensamentos, nem os considera sujos. Os pensamentos e os movimentos mentais podem passar através desta consciência mental interior tal como os caminhantes aparecem procedentes de qualquer parte e passam através de uma campina silenciosa; a mente sossegada os observa e nem sequer se incomoda de observá-los, porém, em nenhum caso participa na ação ou perde sua tranqüilidade.

O silêncio é mais que o sossego. Pode obter-se desterrando completamente os pensamentos da mente interior, mantendo-os mudos e completamente a parte. No entanto, se estabelece com maior facilidade por uma descida procedente do alto; quando sucede assim, se percebe como desce o silêncio, como penetra e ocupa e rodeia a consciência pessoal, que tende então a submergir-se neste vasto silencio impessoal.

As palavras “paz, calma, sossego, silêncio”, têm cada uma delas sua própria matiz significativa, porém, não é fácil defini-lo exatamente.

O “sossego” é um estado no qual não há inquietude nem perturbação.

A “calma” é um estado de sossego inquebrantável que nenhum barulho ou inquietude podem alterar, é um estado menos negativo que o sossego.

A “paz” é um estado ainda mais positivo que comporta uma estabilidade e harmonia e um sentido de liberação e de repouso.

O “silêncio” é um estado no qual não há movimentos mentais ou vitais de nenhum gênero, e no qual existe uma profunda imobilidade que nenhum movimento na superfície pode penetrar ou alterar.

Não é possível construir os fundamentos de yoga se a mente está agitada. O primeiro que se requer é sossego mental. Ademais, a dissolução da consciência pessoal não é o objetivo primordial da yoga; seu propósito fundamental é abrir esta consciência a uma consciência espiritual superior, e para isso também é de primeira necessidade ter uma mente sossegada.

O primeiro que há que se fazer é estabelecer na mente uma paz e um silêncio estáveis (sadhana). Se não fazê-lo assim, será possível ter experiências, porém nada terá de caráter permanente. Somente numa mente silenciosa pode formar-se a verdadeira consciência. Ter uma mente sossegada não significa a ausência total de pensamentos ou de movimentos mentais, mas sim, que estes permanecem na superfície e que o interior se sente o ser verdadeiro separado, observando-os sem deixar-se arrastar, capaz de vigiá-los e de julgá-los, de recusar todo aquele que tem que ser realizado, e de aceitar e de conservar todo aquele que é verdadeira consciência e experiência verdadeira.

Aspire que a Mãe te conceda este sossego e essa calma bem estabelecidos na mente e esta percepção constante do ser interior dentro de ti, separado da natureza exterior e dirigido até a Luz e a Verdade.

As forças que criam obstáculos no caminho da sadhana são forças da natureza inferior mental, vital e física. Por detrás delas se encontram os poderes adversos dos mundos mental, vital e físico sutil. Tão somente a partir do momento em que a mente e o coração tenham logrado adotar uma orientação unidirecional e se tenham concentrado numa aspiração exclusiva para o Divino se poderá conseguir lutar com êxito contra estes poderes adversos.

O silêncio é sempre uma boa coisa; porém, ao dizer sossego mental não me refiro a um silêncio completo. Quero dizer uma mente livre de desordem e inquietude, firme, ligeira e contente, para que possa se abrir para a Força que tem que mudar sua natureza. O importante é livrar-se da invasão habitual dos pensamentos perturbadores, dos sentimentos falsos, da confusão de idéias e dos movimentos nocivos. Tudo isso altera a natureza e a obscurece e cria obstáculos para a ação da Força; quando a mente está sossegada e em paz, a Força pode trabalhar mais facilmente. É necessário que se possam ver as coisas que temos que modificar sem experimentar nenhum transtorno nem depressão; a mudança se efetua assim com maior facilidade.

A diferença entre uma mente vazia e uma mente calma é esta: quando a mente está vazia não há nela pensamentos, nem concepções, nem ação mental de nenhum tipo, salvo uma percepção essencial das coisas sem formação de idéias; no entanto, quando a mente tenha conseguido a calma, a mesma substância de ser mental é a que permanece tranqüila, tanto que nada a perturba. E si se produzem pensamentos ou atividades, em nenhum caso surgem da mente, senão que vêem de fora e cruzam a mente como um vôo de pássaros cruza o firmamento quando o ar está imóvel. Passam sem alterar nada, sem deixar nenhum traço. Uma mente que tenha alcançado esta calma pode começar a atuar, inclusa, intensa e poderosamente, porém conservará seu sossego fundamental, sem produzir nada de si mesma, porém dando forma mental ao que recebe do Alto sem somar nada seu, com calma e imparcialidade e, sem dúvida com o gozo da Verdade e o poder e a luz feliz de sua transmissão.

Não é uma coisa indesejável para a mente desaparecer no silêncio, estar imóvel e livre de pensamentos, uma vez que, ao silenciar-se a mente, é quando se produz a descida completa de uma vasta paz procedente do Alto e, nesta vasta tranqüilidade, a realização do Eu silencioso que está em cima da mente estende-se por todas as partes da sua imensidão. O que ocorre somente, é que, quando há paz e silêncio mental, a mente vital trata de precipitar-se para ocupar o lugar, se bem que a mente mecânica tenta, ao mesmo tempo, com o mesmo propósito, fazer surgir sua gama de pensamentos habituais e triviais. O que se deve fazer é ter o cuidado de recusar e calar esses intrusos de modo que, ao menos, durante a meditação, a paz e o sossego da mente e do ser vital estejam completos. A melhor maneira de conseguir fazê-lo é mantendo uma vontade forte e silenciosa. Esta vontade é a vontade da alma detrás da mente; quando a mente está em paz, quando permanece em silêncio, pode perceber-se a presença da alma, também silenciosa, separada da ação da natureza.

Manter a calma, ser firme e arraigado no espírito, possuir este sossego da mente, esta separação entre a Alma interior e a energia é muito útil, quase indispensável. Porém não é possível manter a calma e estar centrado no espírito enquanto o ser está sujeito ao turbilhão de pensamentos ou dos movimentos vitais. Desapegar-se, apartar-se deles, senti-los separados de si, é indispensável.

Uma grande onda (ou um mar) de calma e a consciência constante de uma vasta luminosa Realidade, tal é precisamente o caráter da realização fundamental da Verdade suprema em seu primeiro contato com a mente e a alma. Não se pode pedir um melhor começo nem melhor fundamento; é como uma grande pedra sobre a qual se pode construir o resto. Isso significa certamente, não só uma presença, senão “a Presença”, e constituirá um grande erro debilitar a experiência por uma falta de aceitação ou por alguma dúvida sobre seu caráter. Não é necessário defini-la, nem é conveniente tratar de configurá-la numa imagem; porque esta Presença é infinita em sua natureza. Tudo aquilo que tenha que manifestar ou exteriorizar a si mesma, o fará inevitavelmente pelo seu próprio poder, se houver uma aceitação consistente.

Em verdade, sem dúvida alguma, que é uma graça enviada, e a única maneira de responder a uma graça tal é aceitá-la com gratidão e, mantendo-se aberto, permitir ao Poder que tenha tocado a consciência desenvolver o ser no que tenha que ser desenvolvido. A transformação total da natureza não pode fazer-se num momento; requer necessariamente muito tempo e se produz por etapas; a experiência atual é somente o início, um fundamento para a nova consciência na qual será possível a transformação. A espontaneidade automática da experiência deve demonstrar por si mesma que não tem nada que ver com uma construção da mente, da vontade ou das emoções; que procede de uma Verdade que está mais além dessas coisas.

Recusar as dúvidas implica, com toda certeza, haver alcançado o controle de nossos próprios pensamentos. Porém, o fato de controlar nossos pensamentos é tão necessário, na yoga e fora da yoga, como o domínio de nossas paixões e de nossos desejos vitais e o controle dos movimentos de nosso corpo. Não é possível sequer alcançar o nível de um ser mental plenamente desenvolvido se não se é capaz de dominar os próprios pensamentos, se não se é sua própria testemunha, seu juiz e seu amo, da alma mental.

Não é menos inconveniente ao ser mental do que ser como uma bola de tênis submetida ao impacto dos pensamentos desordenados e incontroláveis, que ser como um barco a deriva em meio a tempestade das paixões e dos desejos, ou um escravo da inércia ou dos impulsos do corpo. Já sei que controlar os pensamentos é mais difícil, porque o homem, por ser primordialmente uma criatura de energia mental, se identifica a si mesmo com seus movimentos de sua mente e não pode, de repente, dissociar-se e permanecer a margem e livre dos redemoinhos e turbulências da torrente mental. É relativamente fácil para ele exercer um controle sobre seu corpo, ao menos sobre uma certa parte de seus movimentos. É-lhe menos fácil, porém, ainda que perfeitamente possível por meio duma luta efetiva, estabelecer um domínio mental sobre seus impulsos e desejos vitais; porém, sentar-se em cima do torvelinho de seus pensamentos, como o Iogue Tântrico sobre o rio, é menos fácil. Não obstante, também é possível.

~ Sri Aurobindo

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12 Comments

    1. says: Yuri

      Isso não é exatamente algo incomum… até mesmo humanos que se tornarão grandes santos tiveram suas ”tempestades sexuais”, que pareciam-lhes atrapalhar a camijnhada!

      Estais então diante de uma decisão – não se trata de negar o sexo mas de ver o que vem depopis dessa necessidade ‘louca’ de extravasar a energia!

      è como disse Osho a respeito do habito de dormir. Dormir é bom, faz bem e sentimos necessidade.
      Mas quando deixamos deliberadamente de dormir certa noite e estamos plenamente dispostos a vencer a batalha do hábito de dormir, do corpo que começa a ‘pedir” o sono, então temos uma grande surpresa: este desaparece e ao amanhaecer estamos cheios de energia, e uma energia bem harmoniosa – é uma pratica interessante!!

      Então tudo se trata de reter uma cadeia de dispersão enertgetica…
      E a meditação, os metodos do yoga procuram fazer isso: manter o foco da conciencia até que tenhamos plena consciencia do que somos ante as situações!

      Se ao comer seguras a energia em vc e não permites a gula, comes com calma,. Veras que o alimento sera mias agradavel pq alimenta o copro, mas tu podes ,durante o se alimentar, sentir que falata algo, certa insatisfação. è decisão sua resitir ou não. Mas se manteres a mente focada vias ver que com o tempo, dias, ou na hora mesmo, cokmeçaras a sentir uma predisposição maior por analisar a vida mais plenamente : bbuscando as reais implicações por traz das necessidades culturasi (shows, comidas gostosas, conversas).. E é então que entras pouco a pouco, a passos naturais, no ambito misteirosos da realidade.. Cada situação adquire certa contextura especial, e tudo parece refletir um ralo de espiritualidade, num plenamente mágico, belo!!!

      ENtão, necessidade intermente de sexo é, no fundo, falta de algo maior, que estamos buscando – e que não costuma vir pelo sexo simplesmente!!!!

      è uma dica…
      Medite mais sabiamente em momentos do ida,..
      Geralmente a vontade vem quando chegamos em casa e relaamos num ambiente mais acolhedor,.. se, no entanto , antes de chegares em casa, sentares num banco silencuiosos na rua, em frente a casa,ou ao predio, ou mesmo no sofá, logo de cara, talcvez o conteudo da experiencia se desenvolva num efluvio emoicional mais amplo, ligando não somente ao sexo mas a um amor auto expansivo…

      è interessante faze-lo….

      Dispersar enerrgia é uma profunda crise, fazemos isto sempre que pensamos em problemas, em fatos druins ou mesmo em desejos, no que poderiamos fazer e ter feito: vem de uma profunda falta decorrente do modo errado/alienado de ver a vida…
      Bom espero que tenho contribuido ,, Boa noite. E sorte. Os estados de dispersão sexual podem ser plenamente utilizados para desenvolver um maior potencial de espirituail!

    2. says: Yuri

      Algo muito bom seria ,nestes momentos, exercitar-se. Ajhuda muito e desenvolve emoções positivas>..
      Existe um exercicio famosso dos gnosticos: pular fazendo scrch scrach iguakl um sapo, deixando que as pernas agachem até lá em baixo, de cocoras e subindo, até soar e cançar um pouco e buscnado fazer com que a energia, junto com a respiração, subam para cima – se conheces tecnicas de Pranayma tb é otimo, inclusive conclomitante a este exercício!!!

      Sorte!
      Yuri

      “Mais puros e atentos, nos tornamos canais do infinito…” Prem Baba – O Voo Do beija Flor

    3. Assino embaixo desse comentário do Yuri. O sexo não é só algo incomum, mas muito comum e natural. Temos que parar de atribuir aos santos e mestres uma anulação da atividade sexual, isso é uma projeção de nossa própria visão distorcida, e mesmo que parte deles vivam pacificamente em celibato, não significa que temos que adotá-lo no estágio que estamos (entendo que o conceito do “Brahmacharya” é algo mais nobre do que simples evitação ou anulação patológica – eu recomendaria um artigo realista do Pedro Kupfer sobre isso: http://goo.gl/Fb19s). Não há que se negar nem reprimir isso, acho que já conhecemos muito bem os efeitos devastadores que isso causa; há que se integrar e compreender, esse é um passo essencial antes de tudo. Novos sentidos e atitudes brotam daí. Depois, a principal atitude é a atitude magnânima: trazer a consciência para o ser-aqui. Isso traz o equilíbrio, pra tudo.

    4. says: Re.nato

      Sobre o controle desses turbilhões interiores hoje lí duas histórias muito bacanas, vindas de contextos diferentes, mas que tratam do mesmo tema de forma complementar. Deixo-as aqui e gostaria de ouvir suas opiniões e associações, pois não conheço nada dos conceitos e palavras tão significativas do hambito do yoga e que imagino também traduzam o que se conta nessas duas histórias.
      Primeiro link:
      http://9gag.com/gag/aqmK5wQ?ref=fb.s
      Segundo link:
      http://www.antroposofy.com.br/wordpress/simbologia-oculta-o-2o-trabalho-de-hercules/

  1. says: Re.nato

    Sobre o controle desses turbilhões interiores hoje lí duas histórias muito bacanas, vindas de contextos diferentes, mas que tratam do mesmo tema de forma complementar. Deixo-as aqui e gostaria de ouvir suas opiniões e associações, pois não conheço nada dos conceitos e palavras tão significativas do hambito do yoga e que imagino também traduzam o que se conta nessas duas histórias.
    Primeiro link:
    http://9gag.com/gag/aqmK5wQ?ref=fb.s
    Segundo link:
    http://www.antroposofy.com.br/wordpress/simbologia-oculta-o-2o-trabalho-de-hercules/

  2. says: Guebo

    Meu querido irmão Nando Pereira, saudações! Há algumas semanas tenho conhecido tanta sabedoria, luz e amor que colocaste aqui nessa página, as palavras de seres maravilhosos e também além delas. Gratidão por seu serviço. Paz, Bem, Amor, Luz. Sejamos Um.

    1. Saudações, Guebo, seja bem-vindo, irmão.
      Saúdo tamanha generosidade e confiança. Fazemos o possível, teu comentário traz alegria e luz.

      Volte sempre, e se quiser ajudar com sugestões, que obviamente tens, tenho certeza que mais pessoas como eu levarão com gratidão.
      Paz, bem, Amor, Luz,
      Nando

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