“A vida continuou previsivelmente para Vicky e Doug”…

Você está certo, isso é o que eu quero.”
~ Vicky, para Juan Antonio.

Revendo o filme “Vicky Cristina Barcelona” (2008), de Woody Allen, fiquei com uma nova impressão, muito além da tensão bem-humorada entre as vontades sexuais e o socialmente determinado: o filme é um discurso enérgico pró-vida, pró-liberdade (sem livrá-la de suas implicações) e contra o comum e o socialmente aceitável. Abaixo há o vídeo de uma cena e do roteiro original de Woody Allen onde a personagem Vicky se encontra extremamente entediada pela situação e fortemente atraída pela proposta de Juan Antonio (Javier Bardem) de um encontro. A cena começa no momento 1:06:45 (link), e termina com o narrador dizendo: “A vida continuou previsivelmente para Vicky e Doug“…

Se você perceber bem, esse talvez seja o principal drama do filme: a personagem de Vicky (Rebecca Hall) vacila do início ao fim, entre sua escolha previsível e socialmente herdada e a aceitação mais livre da energia que a desafia a viver algo mais. Não acredito que seja um discurso pró-polgâmico nem anti-compromisso, porque Woody Allen mostra várias cenas onde os conflitos dessas escolhas aparecem, e tampouco acredito que seja um discurso apenas sexual — é um discurso que usa esse tipo de força como símbolo. As tensões e as relações acontecem para demonstrar como a força da vida age sem se ater a estruturas sociais ou mentais. Ela simplesmente acontece. No início do filme, Vicky rejeita a energia usando sua condenação racional, mas desde esse início sente uma inclinação pela vontade mais livre de sua amiga Cristina (Scarlett Johansson). As cenas onde as dúvidas e o desejo “secreto” são infindáveis e nos fazem curtir as cenas de Cristina, Maria Elena e Juan Antonio ainda mais. No final do filme, após todos os desencontros com Juan Antonio, ela finalmente reconhece: “Você está certo, é isso que eu quero“.

Faz sentido?

O filme está passando na HBO HD em vários dias das próximas semanas: veja a programação.

Abaixo, uma das cenas que demonstram fortemente o manifesto de Allen está abaixo, onde mais uma vez a energia mais “viva” da vida (sic) é confrontada com uma situação social previsível e vazia. Vicky está num jantar com seu marido Doug e mais dois amigos dele, e conversam sobre trivialidades que poderíamos classificar de “insuportáveis” pela visão de Allen:

Abaixo, trecho do roteiro original de Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen (em inglês):

EXT. RESTAURANT TERRACE – NIGHT
Adam and Doug and Sally and Vicky sit at a table. A GUITARIST
sits in a chair and PLAYS a guitar. Adam, ignoring the
guitarist, gestures at Doug.

ADAM
Any program on T.V. Uh, obviously,
anything live, you can play it back
on your computer. So I’m on a
flight to Tokyo. I’m forty thousand
feet up in the air.

DOUG
Oh, my God.
As Sally, Adam and Doug chat with one another, Vicky,
ignoring them, looks raptly at the guitarist.

ADAM
And I am watching the Mets, live,
on my laptop.

SALLY
(chuckles)
It’s amazing. You’re never out of
touch.

DOUG
Well, we’re gonna have the new
house wired for everything. I’m,
I’m lookin’ at those new Japanese
high-definition T.V. screens.102.

ADAM
Yeah, well, you’ve got to have my
guy do your installation.

DOUG
Yeah.

ADAM
He’s just a genius with computers
and….

DOUG
I, I get it. I’ll get his card.

SALLY
(to Vicky)
We just did our place in Greenwich.
You have to see it.
Vicky turns to Sally.

SALLY (cont’d)
We have, we have this wonderful
decorator you should use. He’s, um,
he’s creative, but he knows when to
back off. We did it, uh,
modern…with just a splash of
antiques here and there. I love
combining the two, but God, the
prices. Do you have any idea what a
good size oriental rug costs?

DOUG
She’s right. She’s right. AActually, there’s an old joke. “A
hundred thousand for a Persian rug?
For fifty thousand, I can get….
Doug’s joke fades away as Vicky turns back to the guitarist.

EXT. NASH HOUSE – DAY
A group of GUESTS is at a party on the terrace of the Nash
House.

NARRATOR (V.O.)
Life continued predictably for
Vicky and Doug…

More from Nando Pereira (Dharmalog.com)
Ilusão, uma parábola da vida do homem perdido na felicidade temporária do desejo, por Narada Mahathera
A história abaixo é contada pelo venerável monge budista cingalês Nārada Mahāthera...
Read More
Join the Conversation

1 Comment

Leave a comment
Leave a Reply to ritaCancel comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *