Amor de Mãe e Amor de Buda

“(…) Tinha já 34 ou 35 anos quando compreendi que o amor de minha mãe era como o amor de Buda. Nessa época, trabalhava em Hiroshima, em um escritório do Ministério dos Correios. Eu instruía os empregados. Um dia recebi um telegrama de casa informando que minha mãe estava em agonia, em seu leito de morte. Não existe nada mais terrível, principalmente para quem está longe. Imediatamente solicitei a meus colegas que me substituíssem e, quando consegui finalmente partir, era tarde da noite. Não havia mais trens; o último já havia partido. Caminhei durante toda a noite e ao nascer do dia finalmente cheguei ao portão da minha casa. Vi algumas flores violetas caírem de uma árvore, sob chuva fina. Depois vi o médico da família sair da casa, pisando as flores que tinham caído.
Como está minha mãe? – perguntei com pressa.
Ela teve uma hemorragia cerebral. Eu a tratei imediatamente, mas até agora ela permanece em coma. Entre rápido, vá logo para perto dela.
Corri para a cabeceira de minha mãe, que roncava muito. Por mais que a chamasse, ela não me respondia. Meu pai, que a observava imóvel, disse-me que em hipótese nenhuma se devia tocá-la. Deitei-me o mais próximo possível de seu corpo. Enquanto a olhava, senti sua temperatura aumentar de maneira anormal. Neste momento, me lembrei de coisas terríveis, de quantas vezes eu a havia feito sofrer. Sem comer nem dormir, continuei a esperar, rezando intensamente para que ela acordasse.
Passaram-se muitas horas e, na noite seguinte, quando o relógio anunciou as novas horas, minha mãe saiu do estado de coma. Eu continuava a seu lado. Quando me viu deitado assim, ela chamou uma mulher que tinha chegado depois de mim e disse com uma vozinha suave e cheia de dificuldade, interrompendo-se várias vezes:
O ombro de Sumita… está descoberto… não pode… vai se resfriar… por favor… pegue… outra coberta…
Quando ouvi isto, explodi em lágrimas, contorcendo-me todo. Como me envergonhava de chorar em frente a outras pessoas, sufoquei os soluços cobrindo minha cabeça com as cobertas.
O problema que naquele momento angustiava a todos era se ela, que tinha estado em coma por mais de um dia, conseguiria se recuperar ou se morreria. Mas quando saiu do coma, em vez de se preocupar com a própria saúde, continua a pensar apenas em mim, que estava fisicamente ótimo. Quando vi minha mãe se preocupar apenas com o próprio filho, sem ligar para si mesma, compreendi a profundidade e o altruísmo de seu amor e tomei minha decisão. Posso dizer que minha postura de vida se definiu naquela ocasião. Se não fosse à cabeceira de minha mãe, e não tivesse tido aquela experiência, talvez nunca houvesse compreendido a intensidade do seu amor. Pensando assim, a doença de minha mãe deve ter sido causada pelo próprio Buda, para fazer-me conhecer a verdadeira compaixão. Sou realmente grato a Buda por me ter revelado seus projetos por meio da doença da minha amada mãe”.
Foi em 1969 que o Mestre Sumita nos contou as lembranças de sua velha mãe com muitas saudades. Dentre mais de cem pessoas que o escutavam, quase todas estavam a ponto de chorar. Todas pensavam nas mães. Algumas, ao ouvir a história do professor, experimentaram a mesma sensação de respeito reverente pela própria mãe. Outras sentiram remorso por fazê-la sofrer, outras ainda se angustiaram por não terem uma mãe respeitável. Todas as pessoas, com suas diversas recordações, escutaram a história imersas nos próprios pensamentos.
A primeira pessoa que uma criança que chega ao mundo aceita, com seu corpo e mente ainda puros, é a própria mãe. Quem está sempre fisicamente próximo à criança no período mais importante de seu crescimento é a mãe. Um provérbio japonês diz: “Aquilo que se aprende com três anos é lembrado até os cem anos”.”
~ da Monja Shundo Aoyama Rôshi em “Para Uma Pessoa Bonita“, contos de uma Mestra Zen (capítulo III, “Amor de Mãe e Amor de Buda”). Obrigado Monja Coen e Mario AV

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