O mestre tibetano Chögyam Trungpa Rinpoche (1939-1986) falou muito sobre isso, sobre as artimanhas do ego, e disse certa vez que “o ego é capaz de converter tudo para seu uso próprio, inclusive a espiritualidade” — mas como podemos saber se está convertendo ou não? O americano Ram Dass, autor de “Be Here Now“, recentemente lançou essa pergunta, de outra forma: “Como você sabe que o que você está fazendo é de um nível da consciência evoluindo e não apenas uma viagem do ego?“.
Antes de ler a resposta dele abaixo, por um momento tente parar e pensar o que é o que na sua própria vida. Quais ações você tem certeza que são feitas a partir de um nível da consciência evoluindo e quais são viagem do ego. E então leia:
“Como você sabe que o que você está fazendo é de um nível da consciência evoluindo e não apenas uma viagem do ego? Até o momento final antes da iluminação, posso lhe garantir que tudo é uma viagem do ego. Mesmo as práticas espirituais são todas viagens do ego. São todas viagens do ego porque é você sendo alguém pensando que está fazendo alguma coisa. Isso é uma viagem do ego.”
— RAM DASS
Uma forma de receber essa frase, que soa forte, é como um convite a perceber a largura e domínio das atividades do ego como se fosse algo mais. Assim, gostaria de deixar pela menos duas observações sobre essa resposta de Ram Dass, duas leituras sobre essa afirmação — talvez ambíguas, mas não necessariamente. A primeira é que a frase guarda sua verdade (e surte seu efeito) se entendida como é, em todo seu contraste e absolutismo. De uma forma ou de outra, como diz Ram Dass, se há alguém fazendo alguma coisa com esse pensamento de que é alguém e está fazendo alguma coisa, então é viagem do ego, e só acaba quando isso muda. A segunda é que a consciência pode estar evoluindo em qualquer situação, ou de fato está, e as experiências e viagens do ego podem fazer parte disso, ou de fato fazem. Isso estaria em concordância com a teoria de que a consciência individual surge da consciência “coletiva”, e assim evolui. “Através dos seus tropeços, o mundo evolui“, como disse certa vez o filósofo Sri Aurobindo.
Afinal, se aqui e agora não conseguimos perceber as coisas como iluminadas, o que fazer? Não fazer nada não significa que vamos passar a perceber as coisas como são. Parece inevitável que tropecemos por nos percebermos como “agentes”. Até que superemos isso.
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Advaita-Vedanta explica isto muito bem . Nunca há “alguém” que faz ! Uma vez que só existe ação após o surgimento do pensamento e não há controle do próximo pensamento , então não existe ninguém que age, tudo acontece sem controle de “alguém” e compreender isto é estar livre de ser o fazedor de qualquer ação! Compreender a origem, a fonte, dos pensamentos e testemunhar a aparição destes , sem identificar-se , é Despertar para a Natureza Real.
Hilati Prem, realmente é assim após a dissolução do ego, contudo antes desta iluminação toda a ilusão de maya é experienciada como real pelo indivíduo, sentindo sofrimento e prazer através do vai e vem das conquistas e derrotas “obtidas”.
Uma coisa é compreendermos a ilusão, outra é nos imolarmos pelo caminho que leva a dissolução do ego e realização da verdade única e absoluta
Porque o Ego pensa que vai experimentar essa realização, na sua tolice
Quando na verdade ele precisa “acabar” para que isso aconteça
Na medida em que vai acabando, o absoluto vai se manifestando através dele
E isso é algo realmente raro e maravilhoso
É incrível a forma como uma simples leitura nos faz questionar toda uma realidade. Obrigada mais uma vez…Adoro questionar as coisas.
A própria questão colocada e o desejo de solução é uma atividade do ego. Só o ego deseja obter resposta a tal interrogação. Desejar saber se determinada atividade está livre de motivação egóica, é como querer limpar o reflexo da própria imagem num espelho. Por mais que esfreguemos a sua superfície, sempre que olharmos iremos ver a nossa imagem refletida. Só quando há renuncia total, quando nos rendemos à nossa impotência e nos retiramos, é que a nossa imagem desaparece do espelho. Mas então nós já não estamos aí para conhecer essa ausência.
O ego passa a ser um instrumento de apoio, visto que é utilitário nessa densidade.
Assim como escreveu, é a amarga realidade para o ego
O “eu” não pode ser dissolvido por um acto da vontade, porque a própria vontade é o “eu”. Travar uma batalha contra o “eu” apenas o alimenta, pois é o “eu” querendo eliminar o “eu”. Não há solução para este problema. Apenas uma rendição total que advém desta compreensão. No instante em que o “eu” desaparecer não vai haver ninguém para ficar a saber disso.
então como professores ou mestre iluminados sabem que “dissolveram o eu pessoal na consciência”?
Uma boa pergunta é sempre um ótimo começo.
Mas é difícil (e talvez inútil) tentar descobrir como qualquer outra pessoa pensa. Ou sabe. O melhor talvez seja buscar saber.
Porque a própria frase que você usa, “dissolveram o eu pessoal na consciência”, entre outras, eu mesmo uso algumas assim, são repetições de conceitos que ouvimos ou lemos mas não realmente experimentamos (ainda) e realizamos. Se sentimos que há um caminho aí, então vamos em frente.
De qualquer maneira, para não parecer que estou fugindo pela tangente, e realmente a frase acima é a resposta que gostaria de lhe oferecer, poderia repetir o trecho final do post, onde não há mais uma ilusão de que somos agentes iludidos forçando a realidade pra direita ou pra esquerda, ao nosso bel prazer e vontade. Se alguém realmente se sabe fora dessa ilusão, então há algo como iluminação, talvez.
Um abraço, Julio. Obrigado.
Obrigado por responder nando! mas o que apontei com a pergunta, é que na minha experiencia, as nossas mentes acabam criando “conceitos” sobre o que é a “iluminação”, e gerando uma expectativa como se fosse uma experiencia que ainda vá acontecer.. do tipo, quando eu me comportar assim ou agir assim, vai existir a “iluminação” ou o exemplo que o pedro citou acima, “quando não existir ninguem pra constatar que há “iluminação”, ai sim ela existe.. e como disse na minha experiencia, todas essas duvidas e incertezas acabam reforçando o sentido de eu separado, conforme o sentido de separação vai se dissolvendo e perdendo força esses pensamentos vão se desfazendo.
Nesse video do rupert spira https://www.youtube.com/watch?v=8mWq4OjkZ6I “a Iluminação não é uma experiencia extraordínária” ele nos mostra sobre isso, e acaba dissolvendo essas nossas duvidas. Mas como disse só posso falar e ter certeza da minha experiencia, e só um ponto de vista entre os milhoes que existem.
Obrigado por compartilhar todos esses ensinamentos no teu blog.
Oi Julio,
Não sei se as mentes “acabam”. O que seria acabar? Mente ou ego? Ou ilusão de agente?
Mas, então, sua pergunta teria sido retórica?
Um abraço,
A mente como entidade de um “eu separado” é vista só como mais uma modulação que surge e é feita da consciência, assim como os outros demais “objetos” corpo/mente/mundo. talvez fosse isso que quis dizer. obrigado
Não retórica, mas sempre é bom ouvir outros pontos de vista.
Ótima observação, não deixa de ser uma tentativa de controle.
Teus textos são demais! Mas tu podia fazer mais referências sobre os conceitos de Consciência Individual e Coletiva (e os arquétipos de Jung). Valeu.
se houver expectativa, é viagem do ego
só o ego atua esperando resultado
Mas se preocupar com isso é somente o ego querendo ser espiritual, querendo ser correto
O que realmente é importante, é que se viva sendo autêntico, pois somente agindo como naturalmente sente vontade de agir é o que te trará as experiências certas para você, porque é o seu caminho
Não se preocupe em ser correto, se preocupe em ser autêntico
E vá refletindo sobre os resultados de suas ações e seguindo naturalmente seu caminho
Dito isto, volto sempre ao mesmo ponto, onde como já foi dito por Ramana Maharishi “não importa o que eu diga, as coisas acontecem quando e como tem de acontecer” por isso ele foi confundido diversas vezes com um “Mouni” (quem fez voto de silêncio)
O próprio fato de estar aqui procurando ajudar, é uma atividade do ego, que espera ajudar, tentando ser relevante, ter importância
Então vivo mais essa experiência egóica (por mais admirável que seja) e volto para o silêncio
E desta vez atento, para que o ego não se aposse dessa atitude também como algo admirável e digno de orgulho.
Porque de fato, não há ninguém precisando de ajuda, tudo acontece de dentro para fora, no seu tempo
Olá..ando visitando seu site e está sendo esclarecedor..Mas algo que me trás certa dúvida é o fato de diferenciar o ego da busca pelo autoconhecimento. Li em alguns lugares que temos que nos olhar de fora pra dentro e que somos o universo internamente e tal..Minha pergunta é meio solta mas se puder falar algo sobre. Obrigado.
Oi Dalvio,
Se temos que começar onde estamos, como diz a monja Pema Chodron, é inevitável que comecemos com ego, busca, o divino e tudo junto, sem nenhuma distinção clara nem experiência definitiva a respeito. Portanto, diferenciar é dificil e ao mesmo tempo é uma intenção que mantemos: a de querer entender mais profundamente. Tudo misturado, aparentemente ambíguo, complicado, confuso. Mas é de onde partimos.
O monge Yongey Mingyur Rinpoche tem um livro relativamente recente intitulado “Transformando Confusão em Claridade” (Turning Confusion Into Clarity). É um caminho, e de transformação.
De dentro pra fora. _/\_
“..temos que nos olhar de fora pra dentro..” Corrigindo, quis dizer de dentro pra fora.