O aparecimento de uma força maior que o Karma: a visão do filósofo indiano Sri Aurobindo sobre livre-arbítrio

Mais uma perspectiva sobre a liberdade e o livre-arbítrio, que incluem outras questões como determinismo, pré-determinismo, controle, individualidade, destino e mesmo o paradigma quântico. O autor é o filósofo indiano Sri Aurobindo (1872-1950), célebre autoridade indiana de Yoga e autor de livros como “The Synthesis of Yoga“, “Life Divine” e “Letters on Yoga“. O pequeno trecho abaixo, que não contém grandes explicações mas é uma amostra concisa da importante visão de Aurobindo, é desta última obra, “Letters on Yoga”, um compêndio das cartas que o professor escrevia em resposta a seus alunos, principalmente nos Anos 30 — a transcrição está no volume 1, seção 9 – “Fate and Free-Will, Karma and Heredity, etc”.

Destino no sentido rígido se aplica apenas ao ser exterior enquanto ele vive na Ignorância. O que chamamos de destino é na verdade apenas o resultado da condição presente do ser e da natureza e das energias que foram acumuladas no passado agindo umas nas outras e determinando o esforço presente e os resultados futuros. Mas assim que se entra no caminho da vida espiritual, esse velho e predeterminado destino começa a regredir. Aí aparece um novo fator, a Graça Divina, a ajuda de uma Força Divina mais alta que a força do Karma, que pode elevar o buscador para além das possibilidades presentes da sua natureza. O próprio destino espiritual é então a eleição divina que sedimenta o futuro. A única dúvida está sobre as vicissitudes do caminho e o tempo que leva na passagem. É aqui que as forças hostis agindo sobre as fraquezas da natureza passada lutam para evitar a rapidez do progresso e postergam a realização. Aqueles que caem, caem não por causa dos ataques das forças vitais, mas porque eles mesmos se alinham com as forças hostis e preferem a ambição ou o desejo vital (cobiça, vaidade, luxúria, etc) ao avanço espiritual.
~ Sri Aurobindo, em “Letters on Yoga” Vol. 1

Posts anteriores trazem perspectivas diferentes e/ou complementares desses assuntos e abaixo seguem três deles como recomendação:

» Você não está no controle: pesquisador explica impossibilidade de prever até sua decisão de vida mais importante [VíDEO]

» Uma visão budista do Livre Arbítrio, para além do determinismo e do indeterminismo, segundo Alan Wallace

» “Liberdade e destino talvez sejam apenas duas fantasias nossas”: Agostinho da Silva, o livre arbítrio e a vida real [VÍDEO]

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5 Comments

  1. says: Marcos

    Acredito fielmente em cada palavra,por em prática é possível se tiveres paciência,humildade, desapego total da matéria, no mundo capitalista e mundano que vivemos,o moral é questão de evoulução, a busca por diferença, esperança, melhorias ao próximo, ao mundo, á si… está na nossa mente, alma, espírito, a busca por melhora, por perguntas por vontades e desejo de vencer e ser um herói com toda sua existência, esse é o destino, fazer a diferença mesmo que seja apenas para a sua consciência, tente fazer, tente ser totalmente desprendido dessas leis e sonhos materiais.
    Busque o irreal a vida o inexplicável, e se acrescentará como pessoa, como cosmo, como parte do universo, viva, sinta o amor, a paixão, a amizade, memórias, momentos, rir, chorar, brincar, correr, esperar, trabalhar, aprender, aceitar! plenamente,assim será sua vida completa, pronta para outro ”destino…” poéticamente, artisticamente, alegremente, libertariamente, sua!

  2. says: Adilson

    Saudações a todos!

    Nando nos recomenda três textos recentemente postados que abordam o assunto. Um deles é de um pesquisador (cientista) e outro é de um filósofo. Os cientistas e filósofos têm sua importância e valor, mas sua contribuição em assuntos transcendentais, como é o caso do “Livre Arbítrio”, é extremamente limitada, porque estão presos à mente comum e, portanto, não têm competência para falar do que transcende o intelecto.

    Mas, o texto de Alan Wallace é muito pertinente e compará-los pode ser muito proveitoso e elucidativo.

    “Quando alguém se liberta da consciência ordinária em direção à atenção primordial, transcende a dimensão do intelecto e da causalidade, e é aqui que a liberdade verdadeira e primordial é descoberta. Isso não é algo que possa ser provado com a lógica, mas pode ser percebido através da experiência direta que nasce de uma prática de meditação rigorosa e regular.”

    Alan Wallace (trecho da matéria publicada no Dharmalog em 11 SET 13)

    “Mas assim que se entra no caminho da vida espiritual, esse velho e predeterminado destino começa a regredir. Aí aparece um novo fator, a Graça Divina, a ajuda de uma Força Divina mais alta que a força do Karma, que pode elevar o buscador para além das possibilidades presentes da sua natureza”.

    Sri Aurobindo

    Confrontar diferentes abordagens como Mestres yogues e Mestres budistas é complexo, porque as “linguagens” não têm muitos pontos em comum. Naturalmente, Sri Aurobindo fala de “divindade” e “Graça Divina” – termos que fazem parte da linguagem de um yogue, mas não é uma linguagem “aceita sem reservas” pelo budismo.

    Todavia, com um pouco de boa vontade, penso ser possível conciliar a aparente contradição. O Buddha, até onde pude conhecer, evitou o quanto pode pronunciar-se sobre questões metafísicas. Ele nos trouxe uma abordagem, um Caminho direto e objetivo que independe de crenças e rituais. Justamente porque estas crenças religiosas e metafísicas, em geral, tendem a tornar-se “muletas” que engessam a mente e nos impede de avançar no Caminho e, tornam-se também, fonte de distrações, discórdias e desentendimentos sem fim e, portanto, constituem-se em obstáculos intransponíveis para o Despertar (Espiritual). (no Budismo, evita-se este termo: “Espiritual”).

    Por outro lado, Sri Aurobindo, certamente, não está “preso” a conceitos e crenças infantis sobre Divindades – ele simplesmente utiliza com maestria estas palavras sem se deixar “prender” a especulações sobre elas, como fazem os que ainda não atingiram o Despertar da Mente Incondicionada.

    Em resumo, penso que suas palavras são complementares e totalmente conciliáveis.

    As Leis Cósmicas são Sábias, Justas e Amorosas, portanto, o nosso “livre arbítrio” é proporcional ao grau de Consciência que atingimos. Semelhante ao que nós fazemos (ou deveríamos fazer) com nossos próprios filhos – lhes damos maior autonomia e responsabilidades na medida em que amadurecem, se desenvolvem e se mostram capazes de cuidar de si mesmos.

    Nós, humanos, estamos sob a influência de duas forças de polaridade contrárias – “as forças vitais” nos puxam para a materialidade, – revelando nossa propensão à “ambição e desejos (cobiça, vaidade, luxúria, etc.)” enquanto que a “Força Divina mais alta que a força do Karma, pode elevar o buscador para além das possibilidades presentes da sua natureza” (Aurobindo).

    O livre arbítrio não é tão “desejado” quanto se apregoa, pois muitas vezes preferíamos que os Céus ou as Leis cuidassem de “tudo” para nós – como crianças mimadas não queremos “crescer” e assumir a responsabilidade total por nós mesmos.

    Mas, devido ao fato de que não podemos atender e satisfazer prontamente a todos os nossos desejos e ambições, ficamos profundamente frustrados e, assim contrariados, dizemos que não temos “livre arbítrio algum” – porque frequentemente confundimos “livre arbítrio” com onipotência. É natural que os “tutelados” estejam sempre pleiteando maior autonomia, pois isto faz parte de seu “crescimento”.

    Mas, certamente somos amparados por “mecanismos” (Leis Espirituais) que nos impedem, até certo ponto, de nos autodestruirmos devido a nossa imaturidade espiritual.

    Da mesma forma, devido à inércia e a “Tamas”, somos “naturalmente” indolentes e temerosos, de modo que a nossa mente condicionada não tem muita dificuldade em nos enganar e nos convencer de que não temos “forças” para iniciar ou seguir um Caminho Espiritual com a seriedade e empenho compatíveis com o nosso real estado de Consciência.

    “Crescer exige esforço”, é mais fácil descer do que subir, por isto buscamos mil distrações para evitar e adiar a nossa “entrada no caminho da vida espiritual”. No entanto, esta é uma condição absolutamente necessária para recebermos “a Graça Divina”, ou seja, alcançarmos a Mente Incondicionada, onde se dará o “nosso” encontro com a Verdade que nos libertará (Cristo).

    Paz a todos os seres!

    Namastê!

    1. Saudações Adilson!

      Detalhada explicação do seu ponto, obrigado.

      Apenas como esclarecimento sobre as intenções dos posts sobre esse assunto, não há objetivo direto de confrontar visões — embora isso possa acontecer em algum momento dentro das pessoas. As visões são trazidas por suas capacidades de levantar um ponto de maneira coerente e rica, talvez provocativa, talvez habilidosa, nesse sentido. Geralmente tomamos um caminho que nos ressoa melhor e por aí vamos. Mas às vezes a visão traz apenas um face da questão, então precisa que outras partes sejam adicionadas. Como isso aqui é um blog e não uma disciplina universitária, essa emenda tem que ser feita pelas pessoas, ou, eventualmente, eu tentarei fazer isso ao escrever.

      Os pontos trazidos pelo Gary Weber, a quem você classifica como desprovido de competência pra falar do assunto, embora seja um praticante além de pesquisador, não expressa simplesmente um ponto, mas o baseia amplamente na sua interpretação da mensagem de Sri Ramana Maharshi e do Bhagavad Gita (além de Einstein, mas em menor medida). Mas mesmo se não fosse, é um ponto importante do debate a ser considerado, e coerente, e não o considero assim tão longe de uma capacidade de compreensão maior.

      Vejo as palavras de Sri Aurobindo e Alan Wallace numa direção bem semelhante, embora usem terminologia diferente e estejam imersas em redes de sabedoria diferentes. Talvez ainda a principal diferença esteja no uso de termos como “Graça Divina”, mais comuns no Yoga, enquanto o Budismo mantém sua terminologia própria, como a “mente brilhantemente luminosa”. Mas em ambos entendo que há um movimento possível a partir do condicionamento que mantém a existência em um estado predeterminado (karma) para a iluminação da consciência que abre o campo para a liberdade pura do ser (dharma).

      Apenas para adicionar, como contexto, apesar de sua envergadura e importância, Sri Aurobindo escreve de uma Índia tradicional da primeira metade do século XX, enquanto Alan Wallace é um autor vivo imerso na realidade ocidental e já plenamente adaptado à comunicação para essa geração.

      Ainda gostaria de ir por outros cantos desse assunto, principalmente o que o comentarista que assina como “Tetéia Atéia” fala num dos posts do Gary:
      http://dharmalog.com/2013/07/15/voce-nao-esta-no-controle-2-acoes-antecipadas-do-cerebro-ou-porque-escolha-inteligente-e-impossivel/

      Se você tiver sugestões, eu agradeço, Adilson.

      Um abraço,
      Nando

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