Uma pequena “nova” palavra tibetana para ajudar a perceber a si mesmo: shenpa, por Pema Chödron

pemachodronfotoA palavra shenpa, na tradução grosseira do tibetano para o inglês (e daí para o português), quer dizer apego (attachment). Mas não um apego no sentido mais geral e conceitual que tanto o Budismo fala, e sim os disparadores e os mecanismos que dão ao apego seus primeiros “momentos de vida”, digamos assim. A monja Pema Chödron, do centro Shambala (criado por Chögyam Trungpa Rinpoche), explicou em um artigo essa “nova” palavra como ouviu do mestre Dzigar Kongtrul Rinpoche, uma palavra que na verdade é tão ou mais antiga que o próprio ensinamento do Buda, tão rica como instrumento para o auto-conhecimento quanto muitos dos ensinamentos mais psicológicos do Oriente. E que, de certa forma, traz um conceito diferente (e, para nós, novo) que contribui para a auto-observação e a consciência de si mesmo.

Consciência de si mesmo e dos próprios processos mentais que é, talvez, o desafio central de boa parte das práticas “espirituais”. Shenpa, neste contexto, é uma nova perspectiva, uma palavra que define — e, assim, nos ajuda a entender — o momento-chave de perda do livre viver.

Podemos tentar entender shenpa, diz Pema, por uma série de palavras, para encontrar o significado mais amplo do termo: pode ser “aquilo que te engancha” (hook), ou então “aquele sentimento pegajoso” (no sentido de insistente, sticky feeling), ou ainda “uma coceira e a vontade repentina de coçar” (urge to itch, no sentido psicológico, de sentir uma mesma coisa a partir de pensamentos ou sensações parecidas, e a necessidade de reagir a ela). Essa repetição, e a familiaridade que sentimos com nossa reação, é uma das coisas que definiria shenpa. “Ela tem sempre um gosto familiar, um cheiro familiar. Quando você começa a perceber sua aparição, você sente que ela tem estado ali desde sempre”, diz Pema. Imagino que seja “aquela sensação de raiva” que sentimos do mesmo tipo de atitude, situação ou pessoa, ou “aquela pena” ou a “sensação de inferioridade” que é sempre disparada em alguns momentos, ou ainda aquele constrangimento conhecido de estar nessa ou naquela situação, ou, do contrário, uma “reflexo de mandar ou ordenar” essa ou aquela pessoa. Há vários momentos em que shenpa acontece, grandes e pequenos e microscópicos.

“Aqui vai um exemplo rotineiro de shenpa. Alguém diz uma palavra má pra você e então algo em você tensiona – isso é a shenpa. Então se inicia uma espiral em direção à baixa auto-estima, ou você culpa esse alguém, ou fica com raiva, ou começa a denegrir a si mesmo. E talvez, se você tiver algum vício forte, você vai direto pra ele para encobrir o sentimento ruim que surge quando aquela pessoa disse a palavra ruim pra você. Esta é uma palavra má que te captura, que te algema. Outras palavras más podem não afetar você, mas estamos falando aqui onde uma toca sua ferida – isso é uma shenpa. Alguém lhe critica – criticam seu trabalho, sua aparência, seu filho – e, lá vem, shenpa: aparece quase ao mesmo tempo.”
~ Pema Chödron

Muito difícil de ver em si mesmo (embora relativamente fácil de ver nos outros). “Estamos de mente aberta, de coração aberto, e de repente… erkkk”, diz Pema. O principal a fazer é apenas tomar conhecimento, ter a consciência de estarmos sendo envolvidos por shenpa. Depois, com o tempo, você pode “desenvolver a habilidade de não seguir a reação em cadeia”. Mas primeiro, segundo as instruções de Pema Chödron, é reconhecer a aparição, mais e mais e mais. Então ela menciona a possibilidade de usarmos os 4 Rs – reconhecer, refrear, relaxar e resolver – para seguir com a prática sobre a shenpa, mas isso já parece um pouco complexo pra nós aqui. Todo esse processo começa a lhe amolecer, e “este prana, ou natureza búdica, bondade básica — começa a ser ativada mais e mais. Aquele seu Ser, a partir da sua própria sabedoria, começa a ir em direção ao espaço e à abertura e ao despreendimento“.

“Esse é o motivo que eu acho que esse shenpa é realmente um ensinamento muito útil. É o tensionamento, é o reflexo… é a vontade, também. Essa vontade. Realmente mostra a você como você tem um monte de vícios, que todos temos vícios. Há essa estática de fundo de um leve desconforto, ou talvez cansaço, ou ansiedade, ou desânimo. E então nós começamos a usar coisas para nos livrarmos desse desconforto. Coisas como comida, álcool, drogas, sexo, trabalho, compras ou qualquer coisa que façamos para fugir.”
~ Pema Chödron

Há paralelos no Yoga e no seu cânone ancestral, como explica Sri Swami Sivananda, um dos yogues especialistas na conquista da mente:

“A partir da experiência (do viver) você desenvolve Samskaras (impressões), dos Samskaras você tem Vasanas, dos Vasanas você tem Vrittis ou ondas-de-pensamento. A imaginação transforma os Vrittis em desejo. Então o ego se apega ao desejo e ele se torna um impulso, um Trishna. Então você é forçado a realizar Cheshta (ação) para satisfazer o desejo. O processo da mente segue em frente”.
~ Swami Sivananda, em “Higher Methods for Mind Conquest”

O próprio Sivananda mostra o quão fundamental é esse trabalho sobre si mesmo, sobre a própria mente. “Solenemente afirmo que a cruel doença do nascimento e da morte pode ser removida apenas pela panacéia divina do domínio da mente e por nenhum outro método”.

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Compartilhado por TJ McMullen III.

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