Carta de Rainer Maria Rilke a nós jovens: “Tenha paciência com o não-resolvido, ame as perguntas e viva tudo”

“Se procurar amparo na Natureza, no que é nela tão simples e pequeno que quase não se vê mas que inesperadamente pode tornar-se grande e incomensurável; se alimentar esse amor pelo mais ínfimo e se tentar, humilde como um criado, ganhar a confiança do que parece pobre, tudo será para si mais fácil, mais coeso e de algum modo mais conciliador, talvez não no intelecto, que recua atónito, mas no mais íntimo da sua consciência, do seu conhecimento e atenção.

Você é tão jovem ainda, está diante de todos os inícios, e por isso gostaria de lhe pedir, caro Senhor, que tenha paciência quanto a tudo o que está ainda por resolver no seu coração e que tente amar as próprias perguntas como se fossem salas fechadas ou livros escritos numa língua muito diferente das que conhecemos. Não procure agora respostas que não lhe podem ser dadas porque ainda não as pode viver. E tudo tem de ser vivido. Viva agora as perguntas. Aos poucos, sem o notar, talvez dê por si um dia, num futuro distante, a viver dentro da resposta. Talvez traga em si a possibilidade de criar e de dar forma e talvez venha a senti-la como uma forma de vida particularmente pura e bem-aventurada; é esse o rumo que deverá tomar a sua educação; mas aceite o que está por vir com grande confiança, e se ele surgir apenas da sua vontade, de uma qualquer necessidade interior, deixe-o entrar dentro de si e não odeie nada.”

~ Rainer Maria Rilke, “Cartas a um Jovem Poeta”, Carta Quatro, “Worpswede, junto a Bremen”, 16 de julho de 1903 (pgs. 23 e 24)

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9 Comments

  1. says: Ana

    Que lindo essa carta!
    Obrigada Nando Pereira por compartilhar textos, vídeos, reflexões e tantas outras coisas tão incríveis aqui no Dharmalog!
    Me faz tão bem ler todas essas coisas, é inspirador…
    Um abraço

  2. says: norma

    As Cartas foram escritas entre 1903 a 1908. Na época, Rilke estava nos seus 28/29 anos (e tanta sabedoria..) e Kappus com uns 19 anos. Aos olhos de hoje, ambos tão jovens.

    A parte sobre solidão e o aprendizado do amor são (p/mim) os + lindos:

    Rilke diz que amar alguém é mais
    extrema provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação. “Os jovens precisam aprender a amar”

    O Rilke sabia do que falava. Olha o amor místico da sua poesia abaixo (aos 30 anos):

    “Deus, que será de ti quando eu morrer?
    Eu sou teu cântaro (e se me romper?)
    A tua água (e se me corromper?)
    Sou teu agasalho, sou teu afazer.
    Vai comigo o significado teu.

    Não tens mais sem mim aquela casa, Deus,
    que com quentes palavras te acolhia.
    Perdem teus pés exaustos as macias
    sandálias: também elas eram eu.

    De ti desprende-se o teu longo manto.
    O teu olhar, que a minha face, quente
    coxim acolhe, virá entrementes,
    virá procurar-me longamente
    e deitar-se depois, ao sol poente,
    entre pedras estranhas, nalgum canto.

    Deus, que será de ti?
    Tenho medo, tanto…”
    ______________________

    Rainer Maria Rilke (1875-1926)
    Poema do “Livro das horas”, de 1905

    Muito agradecida.
    Boa Sorte!
    (Ganhei as “Cartas” – de um ‘jovem’ poeta de 84 anos, “mestre” em alexandrinos -, no meu niver de 14 anos. Ainda o conservo e ele (o livro) ainda tem ‘serventia’ – Pisc*

  3. says: Paulo Faria (71)

    E os responsáveis pelo sistema educacional nos países (exceto alguns poucos), confundem educação com conhecimento, confundem educação com adestrar/treinar os jovens para exercer uma profissão, para competir e angariar fama, poder, riqueza e não educá-los para a vida, para que se tornem seres humanos melhores, acima de serem bons profissionais. Não quero dizer que não mais temos jovens ou mesmo adolescentes, com a sensibilidade para a vida, para o viver, de Rainer Maria Rilke, temos sim, mas lendo o poema, me vem à memória o filme “Sociedade dos Poetas Mortos”.

    1. Prezada Marcia,

      Está no próprio post, pags 23 e 24. Dependendo da tradução, ou se você está lendo na versão em inglês ou alemão, pode estar em outras páginas (mas continua sendo a quarta carta).

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