Era do “Curtir” no Facebook é ameaça ao amor real, diz escritor Jonathan Franzen no NYT

Num editorial contundente no jornal The New York Times semana passada criticando a onipresença de produtos projetados para agradar e do botão “Curtir” no Facebook, o escritor Jonathan Franzen (Freedom, Zona de Desconforto) analisa a ameaça que isso traz ao mundo real, às pessoas reais (nem sempre agradáveis) e ao que chama de amor real. Com o provocativo título de “Gostar é para os Covardes. Escolha o que Dói” (Liking Is for Cowards. Go for What Hurts), Franzen diz que nosso mundo foi tomado por anúncios e produtos feitos para que gostemos de tudo, e que nós mesmos nos projetamos em lugares como Facebook para sermos gostados (ou, eu diria, controladamente desgostados), produzindo uma imagem filtrada que se chocará sofrivelmente, cedo ou tarde, com a pessoa real que somos. E, principalmente, que os outros são.

Franzen é um pouco extremista, mas tem um ponto fundamental: estaria nosso ambiente ficando desequilibradamente benéfico e maleficamente irreal? O amor real do qual Franzen fala deve incluir obrigatoriamente a aceitação empática da imperfeição. Esse mecanismo existe ou é usado em nossos mundos reais e virtuais? Ele diz que “não existe essa coisa de você gostar de cada partícula de uma pessoa real, por isso um mundo de ‘gostar’ é no fundo uma mentira”.

Será? Acho que existe de fato uma ameaça real, mas também um exagero. Começando pelo exagero, acho que ter produtos feitos para serem gostados e curti-los é benéfico e é a própria razão de suas existências. Se um produto não é gostado por ninguém, é melhor que volte à estaca zero e se recrie para que sirva e seja usado e apreciado por alguém. Se eu gosto de um produto e o considero bom, posso transmitir isso adiante comprando e/ou curtindo. Se não curto, posso demonstrar isso de maneira construtiva ou simplesmente não me pronunciar a respeito. Estará implícito que não gosto, ou mesmo que desaprovo (e, se acho que há problemas graves, posso criticá-lo, e aqui realmente os instrumentos são fracos). É como não comprá-lo numa prateleira de supermercado, ou como não curti-lo depois de tê-lo lido na Web. O lado da ameaça real estaria no fato que já estamos presos a um mundo simplista de gostar e não gostar, de aprovar e desaprovar, elogiar ou criticar. Esse é nosso mundo padrão (por ilusório que seja). É algo que o Yoga define com a expressão raga-dvesha, gostar e não gostar, atração e repulsa, afeição e aversão, a própria base do Samsara. Na crítica de Franzen, isso estaria apenas um pouco mais agravado, pois estaríamos formando bolhas de gosto pessoal e nos protegendo do que pode ser desgostado, embora real. Aceitar e compreender o real seria, obviamente, muito mais importante, e real.

“O que impressiona nos produtos de consumo é que eles são projetados para serem imensamente adorados. Esta é, na verdade, a definição do produto de consumo, em contraste com o produto que é simplesmente ele mesmo e cujos criadores não estão obcecados com seu gosto por ele (estou pensando aqui em motores de avião, equipamentos de laboratório, arte séria e literatura). Mas se você considerar isso em termos humanos, e você imaginar uma pessoa definida pelo desespero de ser gostada, o que você vê? Você vê uma pessoa sem integridade, sem um centro. Em casos mais patológicos, você vê um narcisista“.
~ Jonathan Franzen, trecho de “Liking is for Cowards. Go for what Hurts”.

Pode soar pessimista, mas, de novo, é interessante conhecer a visão de Franzen. “Genericamente falando, o objetivo final da tecnologia, a “telos da techne”, é substituir o mundo natural que é indiferente aos nossos desejos — um mundo de furacões e dificuldades e corações frágeis, um mundo de resistência — por um mundo que responda fortemente a todos os nossos desejos, a uma mera extensão de nós mesmos”, diz Franzen. “Deixe me dizer, finalmente, que esse mundo de consumismo tecnológico será perturbado pelo amor real, e que não tem saída a não ser perturbar o amor real em troca”.

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