Os infinitos recursos do ego para o autoengano: uma visão panorâmica do caminho, por Paul Brunton

Quando falamos de materialismo espiritual, geralmente quem vem à mente é o mestre budista Chögyam Trungpa Rinpoche (1939-1987), que deu muitos ensinamentos a respeito desse tema e chegou a escrever um livro dedicado a isso (“Além do Materialismo Espiritual”, 1973), mas o filósofo britânico Paul Brunton (1898-1981) também tem anotações importantes a respeito das artimanhas e subterfúgios que o ego cria no caminho espiritual. Jornalista por formação e discípulo do sábio indiano Sri Ramana Maharshi (1879-1950), Brunton escreveu o texto abaixo, intitulado “Os Infinitos Recursos do Ego do Autoengano” quase com tanta veemência quanto Chögyam discursava sobre o que o ego é capaz de fazer no caminho espiritual.

De fato, Chögyam Trungpa chegou a dizer certa vez que “o ponto principal de todo caminho espiritual é se livrar da burocracia do ego“. Brunton fala em “prolongado caminho” em que o ego usa todos os subterfúgios possíveis, se colocando “nos lugares mais insuspeitados“— inclusive na virtude e em nossas “grandiosas aspirações espirituais“.

Em suma, parece que estamos sob o domínio do ego em praticamente todos os momentos. E o caminho espiritual é a prática constante para tentar sair dessa situação. O ego aqui é visto como uma espécie de “individualidade doente“, sem visão verdadeira de nada e que de alguma maneira é capaz de subjugar o ser, sem ser visto. Mas não precisamos de definições tecnicamente acuradas, pois sabemos que há artimanha em todo canto, e, se não sabemos, eis aqui Brunton para nos ajudar. Porque os recursos do ego são realmente infinitos.

Agradecimento especial ao grupo Paul Brunton em Português (no Facebook), onde esse conteúdo foi compartilhado originalmente.

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OS INFINITOS RECURSOS DO EGO DE AUTOENGANO
Por Paul Brunton, em Notebook 4, Capítulo 4

Se o aspirante estiver disposto a procurá-las, encontrará as atividades secretas do ego nos recantos mais insuspeitados, até mesmo no meio das suas mais grandiosas aspirações espirituais. O ego não quer desaparecer, e até dará as boas vindas a essa grande redução do seu campo de ação, se for esse o único meio de escapar de sua morte. Visto que, necessariamente, o ego é o agente ativo nessas tentativas de auto-aperfeiçoamento, será ele então que melhor estará na posição para se assegurar de que elas terminem numa aparente vitória sobre si mesmo, mas que não será uma vitória real. Esta, só poderá ser alcançada ao se confrontá-lo diretamente e, sob a inspiração da Graça Divina, aniquilá-lo de forma direta; isso será algo completamente diferente de confrontar e eliminar qualquer uma das inúmeras e variadas expressões de fraquezas e faltas que ele apresenta. De modo algum são elas a mesma coisa. Tudo isso são extensões dele, mas o ego é que é a raiz de tudo.

Por isso, quando o aspirante se cansa dessa interminável batalha do Caminho Longo (as intermináveis confrontações com as suas limitações e falhas), batalha essa do eu com sua própria natureza inferior, a qual, mal uma manifestação dela seja vencida, já reaparece ela em outra. Também, quando esse aspirante cansa de enganar a si mesmo, pensando estar vivendo exultantes realizações dentro do Caminho Breve (o Caminho Direto – onde ele se volta somente para o Propósito, para o Eu Superior, sem mais pôr a atenção em tais extensões do Caminho Longo), ele estará pronto para tentar o último e definitivo recurso. Aqui, após um prolongado tempo, o aspirante finalmente chega ao cerne do ego, no evento da completa rendição deste, onde não dará mais realidade aos seus inumeráveis subterfúgios – os quais podem ser feios, como a inveja, ou atraentes, como a virtude.

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